sexta-feira, julho 31, 2009
Dora Kramer Tigre de papel
Tigre de papel
Dora Kramer - Dora Kramer O Estado de S. Paulo - 31/07/2009
Muito provavelmente quando o recesso acabar o presidente do Senado, José Sarney, já terá conseguido convencer seus aliados a desistir da molecagem de usar as representações partidárias junto ao Conselho de Ética para retaliar quem identifica como inimigo.
A ideia não é denunciar infrações, mas tentar pôr de joelhos o adversário. Tanto é que, informa a tropa de choque, o DEM e o PT não serão alvos de representações, porque não assinaram os pedidos de abertura de processos contra Sarney, apresentados pelo PSDB e pelo PSOL.
Decisão que contraria a ameaça do suplente Wellington Salgado: "Já que pedir emprego é falta de decoro, vamos ver nos últimos seis anos todo mundo que fez isso aqui no Senado." É a prova da bravata, pois "todo mundo" incluiria o DEM, o PT, o PTB, o PDT e até o PMDB.
O senador José Sarney deveria ser a última pessoa interessada nessa guerra que seus aliados ameaçam. Primeiro, foram mexer com o senador Artur Virgílio, cujo senso de medida é inversamente proporcional ao tamanho dos desafios que recebe.
Em segundo lugar, o líder do PSDB tem duas explicações a dar ao Conselho de Ética, ambas já feitas ao plenário da Casa diariamente ao longo de duas semanas.
Seus pecados ele assumiu. Contratou um funcionário fantasma para atender às demandas de uma amizade e teve a conta de hotel em Paris paga pelo então diretor-geral, Agaciel Maia.
Se os processos prosperarem e o conselho onde os governistas são maioria achar por bem condená-lo, pode fazê-lo. Mas ficará apertado para arquivar as representações contra Sarney, que carrega nas costas um caminhão de contas em aberto. A saber: mentira ao Parlamento, nepotismo, uso de ato secreto para beneficiar parente, tráfico de influência no caso do neto intermediário de operações de crédito consignado para funcionários, sonegação de impostos, desvio de dinheiro de empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás) para as contas das empresas da família Sarney.
Se quem deve teme, quem deve mais teme muito mais.
No cotejo, Sarney e o PMDB levam enorme desvantagem. Por essa e mais algumas outras é que não é verossímil essa história de retaliação. A menos que o partido tenha enveredado pelo perigoso terreno do perdido por um, perdido por mil.
Mas não parece. Há muito cálculo ali. Indicativo firme de que estamos diante de uma fanfarronice é o fato de o grupo de Michel Temer ter "aceitado" entrar numa briga de rua com o PSDB.
Esse pessoal, na maioria deputados, manda no PMDB, está longe da confusão e assim pretende ficar. Temer e companhia disseram sim porque, nesta altura, dizer não só elevaria a pressão. O PMDB, que já briga com o PSDB e o PT, voltaria a brigar entre si em público.
A cúpula aprendeu a conhecer a fundo a teimosia e os métodos do líder do partido no Senado, Renan Calheiros. Manteve a fleuma quando o plano de eleger Sarney quase põe em risco a eleição de Temer para a presidência da Câmara, olhou do camarote o desenrolar da crise nestes cinco meses no Senado e agora fez o gesto de aceitação no limite do indispensável.
A ala do Senado não tem mais nada a perder, mas o grupo da Câmara tem muito a ganhar.
Quer a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff, quer transitar livremente também pelos palanques da oposição por meio de alianças nas eleições estaduais e, sobretudo, não quer atrito com os dois partidos que potencialmente representam a porta da esperança de acesso à máquina pública.
Convenhamos, dá para acreditar que essa turma vai pôr o pescoço a prêmio para ajudar o grupo adversário que recentemente não teve com os colegas deputados nenhuma consideração? Só vendo.
O finado Antônio Carlos Magalhães costumava dizer que faltava "coragem física" a Sarney. É um traço de personalidade a ser levado em conta na análise de possibilidades sobre o caminho a seguir: o recuo estratégico ou o avanço insano na companhia de Renan Calheiros e sua intrépida trupe de suplentes.
?Por maior?
Se tiver mesmo a chance de concorrer em 2010 como vice de Dilma Rousseff, o deputado Michel Temer precisa se entender muito bem com Orestes Quércia.
Sua aliança com o governo federal o elegeu presidente da Câmara. Mas quem o elege deputado é a máquina do PMDB de São Paulo, controlada por Quércia e prometida a José Serra.
Dois coelhos
Caso o nome de Ciro Gomes entre na próxima pesquisa de intenções de voto para 2010 na lista de candidatos ao governo de São Paulo, o Planalto conta criar um fato político.
Ao mesmo tempo favorável a Dilma e desfavorável ao PSDB no Estado. Saindo do rol dos pretendentes a presidente e entrando na pesquisa estadual, Ciro aumentaria os índices da ministra e reduziria o favoritismo numérico dos tucanos paulistas.
Dora Kramer - Dora Kramer |
O Estado de S. Paulo - 31/07/2009 |
A ideia não é denunciar infrações, mas tentar pôr de joelhos o adversário. Tanto é que, informa a tropa de choque, o DEM e o PT não serão alvos de representações, porque não assinaram os pedidos de abertura de processos contra Sarney, apresentados pelo PSDB e pelo PSOL. Decisão que contraria a ameaça do suplente Wellington Salgado: "Já que pedir emprego é falta de decoro, vamos ver nos últimos seis anos todo mundo que fez isso aqui no Senado." É a prova da bravata, pois "todo mundo" incluiria o DEM, o PT, o PTB, o PDT e até o PMDB. O senador José Sarney deveria ser a última pessoa interessada nessa guerra que seus aliados ameaçam. Primeiro, foram mexer com o senador Artur Virgílio, cujo senso de medida é inversamente proporcional ao tamanho dos desafios que recebe. Em segundo lugar, o líder do PSDB tem duas explicações a dar ao Conselho de Ética, ambas já feitas ao plenário da Casa diariamente ao longo de duas semanas. Seus pecados ele assumiu. Contratou um funcionário fantasma para atender às demandas de uma amizade e teve a conta de hotel em Paris paga pelo então diretor-geral, Agaciel Maia. Se os processos prosperarem e o conselho onde os governistas são maioria achar por bem condená-lo, pode fazê-lo. Mas ficará apertado para arquivar as representações contra Sarney, que carrega nas costas um caminhão de contas em aberto. A saber: mentira ao Parlamento, nepotismo, uso de ato secreto para beneficiar parente, tráfico de influência no caso do neto intermediário de operações de crédito consignado para funcionários, sonegação de impostos, desvio de dinheiro de empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás) para as contas das empresas da família Sarney. Se quem deve teme, quem deve mais teme muito mais. No cotejo, Sarney e o PMDB levam enorme desvantagem. Por essa e mais algumas outras é que não é verossímil essa história de retaliação. A menos que o partido tenha enveredado pelo perigoso terreno do perdido por um, perdido por mil. Mas não parece. Há muito cálculo ali. Indicativo firme de que estamos diante de uma fanfarronice é o fato de o grupo de Michel Temer ter "aceitado" entrar numa briga de rua com o PSDB. Esse pessoal, na maioria deputados, manda no PMDB, está longe da confusão e assim pretende ficar. Temer e companhia disseram sim porque, nesta altura, dizer não só elevaria a pressão. O PMDB, que já briga com o PSDB e o PT, voltaria a brigar entre si em público. A cúpula aprendeu a conhecer a fundo a teimosia e os métodos do líder do partido no Senado, Renan Calheiros. Manteve a fleuma quando o plano de eleger Sarney quase põe em risco a eleição de Temer para a presidência da Câmara, olhou do camarote o desenrolar da crise nestes cinco meses no Senado e agora fez o gesto de aceitação no limite do indispensável. A ala do Senado não tem mais nada a perder, mas o grupo da Câmara tem muito a ganhar. Quer a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff, quer transitar livremente também pelos palanques da oposição por meio de alianças nas eleições estaduais e, sobretudo, não quer atrito com os dois partidos que potencialmente representam a porta da esperança de acesso à máquina pública. Convenhamos, dá para acreditar que essa turma vai pôr o pescoço a prêmio para ajudar o grupo adversário que recentemente não teve com os colegas deputados nenhuma consideração? Só vendo. O finado Antônio Carlos Magalhães costumava dizer que faltava "coragem física" a Sarney. É um traço de personalidade a ser levado em conta na análise de possibilidades sobre o caminho a seguir: o recuo estratégico ou o avanço insano na companhia de Renan Calheiros e sua intrépida trupe de suplentes. ?Por maior? Se tiver mesmo a chance de concorrer em 2010 como vice de Dilma Rousseff, o deputado Michel Temer precisa se entender muito bem com Orestes Quércia. Sua aliança com o governo federal o elegeu presidente da Câmara. Mas quem o elege deputado é a máquina do PMDB de São Paulo, controlada por Quércia e prometida a José Serra. Dois coelhos Caso o nome de Ciro Gomes entre na próxima pesquisa de intenções de voto para 2010 na lista de candidatos ao governo de São Paulo, o Planalto conta criar um fato político. Ao mesmo tempo favorável a Dilma e desfavorável ao PSDB no Estado. Saindo do rol dos pretendentes a presidente e entrando na pesquisa estadual, Ciro aumentaria os índices da ministra e reduziria o favoritismo numérico dos tucanos paulistas. |
Celso Ming-Parar pra ver
O Estado de S. Paulo - 31/07/2009 |
(A ata, que desta vez tem oito páginas, é mais do que um documento burocrático. É um dos instrumentos pelos quais o Banco Central - BC - conduz as expectativas dos "fazedores de preços", para que não forcem a mão nas remarcações e depois se sujeitem a encalhes de mercadoria.) A maioria dos analistas do mercado financeiro que se manifestaram após a divulgação da ata entendeu que a pausa será longa. O Copom relembra que o efeito dos juros sobre a atividade econômica leva de seis a nove meses para acontecer. Como os cortes começaram em janeiro, alguns resultados já estão à mostra e o conjunto deles provavelmente não se esgotará antes do primeiro trimestre de 2010. Assim, parece mais provável que o BC considere encerrado o atual ciclo de distensão e mantenha inalterado ao longo deste ano o nível da Selic, de 8,25%. A ata enfatizou que "alguns membros do Comitê entenderam que haveria respaldo para a possibilidade de manter inalterada a taxa básica de juros (de 9,25% ao ano) já nesta reunião (realizada em 22 de junho)". Mas eles acabaram votando com a maioria pelo corte de 0,5 ponto. E esse pormenor foi entendido como indicação de parada à vista. Mas não foi explicado por que, diante das ponderações dos mais cautelosos, não prevaleceu a hipótese de um corte de 0,25 ponto porcentual. Embora a manifestação da autoridade monetária seja de parar por aí, não se pode afirmar com certeza que a porta para mais um corte nos juros esteja definitivamente fechada neste ano. Se, por exemplo, a inflação apontasse para algum ponto muito abaixo do centro da meta, o Banco Central poderia rever essa disposição. O IGP-M, por exemplo, está negativo em 12 meses (-0,67%). No entanto, talvez o Banco Central já esteja preocupado com que ocorra o contrário, ou seja, que haja nova estocada da inflação. Como de hábito, o Copom não se pronunciou sobre o eventual impacto que poderia ser exercido pela forte expansão dos gastos públicos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não convence quando garante que o governo conseguirá observar o compromisso de um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 2,5% do PIB neste ano. Se esse estouro fiscal acontecer, sobrará uma rebarba e tanto para ser aparada pela política de juros. Há mais um ponto a conferir. Em nenhum momento o Copom mencionou preocupações de que as tensões eleitorais começam a se misturar com as de natureza econômico-financeira. Tampouco acolheu reiteradas observações públicas do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de que a curva futura dos juros já sofre desvios (para cima) por causa das incertezas sobre o que será a política econômica do governo que sucederá ao atual. Se o Copom não julgou relevante esse fator, ficam para serem explicadas as razões de Meirelles, ele que também se insinua como candidato ao governo de Goiás, por um partido a que ainda terá de se filiar. Confira Por que a pressa? - O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, quer que o novo marco regulatório do petróleo seja aprovado pelo Congresso Nacional em regime de urgência constitucional. A Comissão de ministros vem trabalhando no projeto das novas regras do pré-sal há mais de um ano. Pelo que apontam seus balões de ensaio, mudou seus pontos de vista mais de uma vez e não parece segura do que pretende. E, no entanto, deseja que o Congresso engula o bolo preparado sabe-se lá com que pressupostos e tome decisões dessa envergadura em 90 dias. |
Merval Pereira -A nova classe
O Globo - 31/07/2009 |
A tomada de poder no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) — que administra os R$ 158 bilhões de patrimônio do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) —, promovida pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é apenas mais um dos muitos movimentos que vêm sendo feitos para ampliar o poder dos sindicalistas no governo. Para evitar que representantes dos empresários assumissem o controle do Conselho no próximo período, que abarca anos eleitorais, o ministro Lupi, oriundo do Sindicato dos Jornaleiros, ajudou a criar uma confederação empresarial, a Confederação Nacional de Serviços, entidade reconhecida oficialmente apenas em dezembro passado, e que tem sua representatividade contestada pelas federações da área. |
Segunda onda Fernando Gabeira
A democracia vem em ondas, acha um candidato chileno. Se isso é verdade, a primeira onda já se esgotou no Brasil. Eleições diretas, uma política econômica realista, uma generosa política social são suas conquistas. Mesmo se Sarney cair, o que é inevitável, e a sociedade impuser sobriedade ao Senado, as coisas não estarão resolvidas.
Uma segunda onda de democracia fatalmente virá. Um dos seus componentes essenciais é a responsabilidade diante da transparência. Responder às questões, admitir erros, corrigir rumos, é a base do comportamento na nova etapa.
Há um risco desse tema escapar às eleições presidenciais. O PT empacou na primeira onda.
As forças restantes parecem tímidas ou exauridas para conduzi-la. Será preciso vencer muitos medos. O primeiro deles é de que o tema interessa apenas à classe média ou apenas às metrópoles. No caso da esquerda, há o argumento de que a demanda é apenas uma manifestação udenista, referindo-se ao passado. Para quem dizia que a história não se repete, achar repetição em cada esquina é muito estranho.
Existem mitos: não se ganham eleições sem os fisiologistas. Duas eleições presidenciais foram ganhas contra eles, a de Collor e Lula. Não se governa sem eles, dizem. Mas o que é governabilidade? No meu entender, significa realizar elementos básicos do programa. Não é vencer sempre.
Se a questão não for central na próxima campanha, corre-se o risco de um debate conformista. De certa forma, Collor abordou o tema, que era importante no discurso do PT, em 2002. De lá para cá, as demandas sociais cresceram e os políticos brasileiros dependem hoje, para serem respeitados, de uma nova condição. Os americanos têm uma palavra enorme para isto: accountability. Sem ela, não dá mais.
Luiz Carlos Mendonça de Barros A mensagem do Copom
Recuperação da economia será lenta e país não deve voltar à excitação dos primeiros trimestres de 2008
NORMALMENTE não leio integralmente a ata do Copom. Ela é sempre longa e, de certa forma, pretensiosa no seu conteúdo. A Marina Santos, do quadro de economistas da Quest, sempre faz um resumo eficiente da ata, ressaltando o que nela há de relevante. Com isso fico sabendo das posições de nossa autoridade monetária.
Mas ontem rompi com essa rotina e li com atenção quase tudo o que foi escrito. Minha intuição dizia que deveria agir assim porque estamos diante de um momento quase histórico na condução da política monetária e queria entender a posição do Banco Central. Afinal o juro real no mercado monetário atingiu o nível mais baixo em muitas décadas. Muitos analistas mostram-se céticos quanto à estabilidade desse juro real mais baixo e apostam em uma volta à situação anterior. Para eles, nada mudou no Brasil que justifique essa euforia. Sempre me posicionei contra isso. Inúmeras vezes defendi junto ao leitor da Folha uma tese oposta.
A economia brasileira mudou muito nestes últimos anos, e uma taxa de juros mais baixa seria um resultado natural dessas mudanças. A questão mais importante seria saber qual o novo nível compatível com esse quadro mais estável da economia. Ninguém "a priori" pode responder a essa questão e somente uma política cautelosa de tentativa e erro nos levará ao menor nível de juros compatível com a estabilidade da inflação.
O nível atual da taxa Selic parece ser um bom início nessa busca. Por isso a decisão, tomada pelo Copom em sua última reunião, de estabilizar a Selic em 8,75% ao ano é correta. Com as expectativas de inflação, para este ano e 2010, estabilizadas em 4,5%, o juro real nela embutida é de 4%.
Muitos argumentam que os juros no Brasil ainda são muito elevados quando comparados aos de outros países. Não concordo, também, com essa posição, embora entenda que ainda há espaço para uma redução maior nos próximos meses.
A taxa de juros reflete as condições internas de uma economia de mercado e essa comparação com terceiros não é um argumento sólido, além de ser perigosa. Por isso entendo que precisaremos de algum tempo para testar esse novo nível de juros reais e, mais à frente, dependendo da reação da economia a ele, fazer um novo ajuste na taxa Selic. Mas minha intuição é que o BC vai manter a Selic estável por um longo período.
A ata da última reunião do Copom passa uma mensagem correta para o mercado financeiro. Seus membros entendem que a redução do juro real realizada nos últimos meses deve ser estável, e não apenas conjuntural. Dizem também que será preciso algum tempo para ter certeza dessa estabilidade.
Por isso o Copom estará nos próximos meses monitorando o comportamento da inflação nesse contexto de juros mais baixos. Palavras sábias, na minha leitura. Alguns outros pontos -esses de natureza conjuntural- me chamaram também a atenção. O mais importante é que o Copom trabalha com uma ocupação gradual da capacidade ociosa de parte da economia ao longo dos próximos meses.
Essa posição se contrapõe à parte do mercado que já vê no ano próximo pressões inflacionárias por conta de um nível menor do chamado hiato do produto. Os mais afobados já preveem inclusive uma rodada de elevação da Selic ao longo de 2010. Não concordo com isso. A recuperação da economia será lenta e não devemos voltar à situação de excitação vivida nos primeiros trimestres de 2008.
Míriam Leitão Ordem do futuro
Brasil, China e Índia serão compelidos a adotar metas de redução das emissões. A China já sabe que não escapará e está fazendo investimentos pesados em conversão energética. A Índia está irredutível: acha que tem o direito de poluir para crescer. No Brasil, a posição diplomática é velha, mas a sociedade está mudando. Um sinal animador é o de as empresas pedirem que o Brasil adote metas.
O "Valor Econômico" publicou reportagem nesta quinta-feira, de Samantha Maia, contando que algumas grandes empresas e associações empresariais estão preparando um documento pedindo que o Brasil adote metas de redução das emissões dos gases de efeito estufa. Eles acham possível a redução das emissões do setor industrial.
Atenção governo: não vale dizer que o Brasil já tem metas. As anunciadas no Plano Nacional de Mudanças Climáticas não são compulsórias, não são auditáveis, não são comparáveis e não estão sendo cumpridas.
A diplomacia brasileira precisa ouvir os empresários e os segmentos da sociedade que estão dizendo que é urgente o Brasil assumir suas responsabilidades ambientais e se comprometer em reduzir as emissões tanto do setor industrial quanto do desmatamento.
O governo ficou parado nos anos 90, na ideia de que os países emergentes precisam emitir para crescer.
Ela dá aos grandes países emergentes, mesmo que sejam altamente poluentes, o direito de não assumir metas.
Os países de industrialização antiga são os principais responsáveis pelos gases que foram emitidos no passado e nos causam danos agora, mas isso não torna as novas emissões menos nocivas. O animador agora é que a sociedade está se movendo.
Os avanços não são feitos sem conflito e pressão sobre o setor produtivo.
Há três anos, militantes do Greenpeace vestidos de frango na porta do McDonald's, em Londres, gritaram contra o desmatamento da Amazônia. A Conservação Internacional e a WWF também pressionaram.
Os importadores exigiram explicações aos produtores brasileiros. Foi este o começo do mais bem sucedido acordo entre o setor produtivo brasileiro para a redução do desmatamento da Amazônia. Por causa dele, os grandes esmagadores de soja no Brasil, Cargill, Amaggi, ADM, Bunge, e rede de produtores Amigos da Terra, assumiram compromissos de não comprar de área recentemente desmatada.
Assim nasceu a moratória da soja.
O que aqueles enormes frangos berravam na porta da lanchonete é que eles comiam ração feita com soja plantada em área de desmatamento.
Quem entrava lá e comia um sanduíche de frango era cúmplice do desmatamento.
O primeiro a pedir satisfação foi o próprio McDonald's à Cargill.
Vieram outros. A negociação acabou sendo referendada pelo governo. Os grandes exportadores de soja puseram o compromisso por escrito e assinaram. Exigência dos consumidores.
Normalmente, os grandes produtores de soja compram de pequenos e médios que invadiram a floresta para produzir. Segundo dados da Conab, a moratória da soja, ou seja, esse compromisso de não comprar de áreas desmatadas, não afetou absolutamente nada a produção de grãos no país. Ela cresceu e as exportações também.
Na área que ela passou a vigorar, caiu a violência, a disputa de terra e a grilagem.
Isso prova o que têm dito os estudiosos do assunto: a disputa de terra, a grilagem e o desmatamento não produzem progresso.
Elevam a violência. A pacificação com a floresta é que nos trará índices maiores de qualidade de vida.
Esta é a ordem do progresso.
Esta semana foi assinada a renovação desse compromisso da soja com o ministro Carlos Minc.
A pressão contra a carne é mais difícil. Boi anda. Há dificuldades técnicas e resistência à rastreabilidade. O BNDES deu um prazo longo demais para os produtores. A pressão contra a carne produzida em área desmatada foi desencadeada pelo relatório do Greenpeace mostrando que a cadeia produtiva da pecuária brasileira vai direto de áreas griladas e desmatadas ao mercado consumidor, passando por grandes frigoríficos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público do Pará iniciou ação contra grandes empresas ao fim de longo trabalho de investigação de compra de carne de fazendas embargadas pelo Ibama. O trabalho está no começo. A lavoura arcaica, reunida na CNA, reagiu. Mas os mais inteligentes começam a se preparar para cumprir o que o mercado exige. A pressão vai crescer. Esta semana, a Timberland disse que não compra mais couro da Amazônia, até que provem que não vem de área desmatada recentemente.
A Nike fez a mesma coisa na semana passada.
A fiscalização pública, a vigilância do Ministério Público, essa rede de ONGs, consumidores, empresas modernas estão fazendo o Brasil avançar. Os argumentos velhos têm um bom lugar para ir: para o lixo. Não é nem reciclável. A tese de que o Brasil precisa desmatar para produzir não resiste à menor análise; aquela desculpa esfarrapada de que o governo militar incentivou o desmatamento é ainda mais ridícula: o governo militar acabou há um quarto de século. Estamos falando de crime recente.
No Brasil, o governo avança quando é empurrado pela sociedade. É isso que começa a acontecer.
Com Alvaro Gribel
quinta-feira, julho 30, 2009
Celso Ming Não é mais o mesmo
O Estado de S. Paulo - 30/07/2009 |
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Perigo à vista para o futuro do pré-sal David Zylbersztajn
O Estado de S. Paulo - 30/07/2009 |
Dia vai, dia vem, e o tema do pré-sal volta ao noticiário com novidades, especulações sobre alguma coisa que se manifesta como uma espécie de sebastianismo salvador, dada a enorme expectativa criada em torno da descoberta de expressivas reservas de petróleo. |
O orçamento da eleição permanente: Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo - 30/07/2009 |
Trotskismo e revolução permanente já eram. A ideologia quente no Brasil é a da eleição permanente. Esse é um dado essencial para explicar o indisfarçável desmanche das contas públicas federais. Crise econômica e incentivos setoriais são apenas uma parte da história. A injustificável expansão do custeio, incluída a folha salarial, não é só barbeiragem administrativa. É também uma ação intencional e defendida pelas autoridades com argumentos inteiramente esfarrapados. O novo aumento do Bolsa-Família, previsto para setembro, foi apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como parte da política anticíclica. Mas os beneficiários do programa têm uma renda mínima garantida e não trabalham nos setores mais afetados pelo desemprego. Além disso, a inflação, controlada, pouco deve ter atingido seu padrão de consumo. Que outra explicação para o aumento, além do interesse eleitoral? |
Míriam Leitão Visão turva
O problema fiscal não é a meta. É a atitude e a interpretação. O que está errado neste ano, perdido para o crescimento em quase todos os países do mundo, não é um número, é a forma equivocada com que o governo avalia a conjuntura e aplaude as próprias decisões. Ele está aumentando o gasto errado e chamando isso de política anticíclica.
Vários economistas alertam: a conta virá no futuro.
Para o economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, o governo terá que recorrer ao dinheiro do Fundo Soberano (FS) para cumprir a meta de superávit primário de 2009.
Ele explica que para cumprir o resultado, o crescimento da despesa — que foi 19% maior que o crescimento da receita no primeiro semestre — terá que desacelerar para 6% até dezembro. Um resultado muito difícil de ser cumprido e que obrigará o governo a usar o FS.
Nesse contexto, Montero já acredita até que a meta de superávit de 2010 não será cumprida. Primeiro, porque no ano que vem não haverá mais os recursos do Fundo Soberano — que serão usados este ano — e, segundo, porque o carregamento estatístico deste ano para o ano que vem será fraco.
A meta mudou a cada etapa do ano. Por isso, Montero a define como meta(morfose).
Ela foi já reduzida, e só será cumprida com recursos extraordinários que não existirão nos anos vindouros.
Já os custos da política permanecerão.
— Trabalhamos este ano com um superávit primário efetivo de 1,6% do PIB que foi transformado em superávit formal de 2,5% com a ajuda do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e do aporte de 0,4% do Fundo Soberano. O governo preferiria não ter que recorrer ao FS, mas não terá como evitar — diz.
O problema, segundo ele, é que o FS é uma poupança finita e em 2010 haverá mais dificuldade de fechar a conta porque a meta de superávit primário será de 3,3%.
Se o país crescer mais fortemente no ano que vem, a arrecadação aumentará e isto tornará possível elevar o esforço fiscal. O problema é que 2010 é ano eleitoral e a maioria das despesas que cresceram este ano não poderá ser comprimida.
O mundo inteiro está aumentando seus gastos como forma de reverter o quadro recessivo, diz o governo. E é verdade. Comparado com o resto do mundo, o Brasil tem até um quadro bom porque os déficits nominais nos outros países são muito maiores, diz também o governo. E de novo é verdade. O Brasil terá um déficit nominal de 3,5% do PIB, o que para um ano de crise não é muito.
O problema que o governo não se dá conta, nas suas frequentes sessões de autocongratulação, é que os outros países aumentam despesas que não se repetirão todos os anos porque são investimentos. Já o Brasil está aumentando os custos da máquina pública. Os governos não estão fazendo política anticíclica aumentando salário de funcionários e as contratações para o quadro efetivo. O Brasil tem também sua história: de hiperinflação, desordem de contas públicas, dívida interna pública alta, cara e curta. Por tudo isso, comparações com outros países precisam ser relativizadas.
Ninguém hoje tem medo de solvência da dívida pública. Isso é um dos nossos vários avanços. Mesmo assim, a dívida interna cresceu no governo Lula mesmo nos anos em que a arrecadação aumentou. O que caiu foi o conceito dívida pública líquida consolidada, pela queda da dívida externa, pela valorização cambial, pelo acumulo de reservas. Mas o fato de não haver temor sobre a solvência da dívida não significa que está tudo certo. O governo tem cometido erros fiscais nos bons e nos maus momentos.
— O problema é sempre a qualidade. Era a qualidade do ajuste quando o primário disparava e é a qualidade do desajuste agora que o primário despenca — diz.
Em outubro de 2008, o superávit estava em 4,3% do PIB. Ouvido por Bruno Villas Bôas, do blog (http://www.miriamleitao.com/), o economista Sérgio Vale, da MB Associados, disse que o superávit ficará em 2% este ano, já considerando o PPI (gastos que não são contados como gastos) e o Fundo Soberano (poupança feita no finalzinho do ano passado; ao contrário de países como o Chile que pouparam durante todos os bons anos).
— Este ano fiscal já está perdido. A questão agora é o que o governo vai fazer ano que vem, mas acho que não há risco fiscal ainda — explica Sérgio Vale.
A economista Monica de Bolle, da Galanto, alerta que é muito difícil comparar gastos de custeio dos países, mas afirma que outros governos tiveram rombos ainda maiores nas contas públicas.
— A deterioração fiscal nos EUA e Europa é muito maior do que aqui porque a crise financeira aconteceu lá, então, os gastos dos governos também foram muito maiores, isso é natural. O problema quando se olha para as nossas contas é que elas já estavam se deteriorando antes de a crise começar.
Então a crise, na verdade, acabou virando desculpa para que o governo pudesse gastar mais — explica.
O déficit público americano deve saltar de algo em torno de 3% para 14% do PIB em 2009. Em 2010, deve recuar para 9%. Isso terá impacto na dívida pública que ultrapassará 100% do PIB. A política anticíclica deles acontece através da sustentação da demanda e em investimento em infraestrutura.
Os nossos investimentos de infraestrutura são poucos e frequentemente nos projetos errados.
Com Alvaro Gribel
Dora Kramer Operação mãos sujas
Infortúnio difícil de enfrentar esse que o senador José Sarney achou de construir para si no epílogo de tão celebrada biografia política: não bastasse a sanha dos inimigos precisa também administrar o ímpeto apaixonado dos amigos.
Cada um que se levanta para defendê-lo o faz de maneira mais desastrada que o outro. Nenhum deles, do presidente da República ao líder do PMDB no Senado, passando pelos dois mais destacados suplentes integrantes de sua tropa de choque - Wellington Salgado e Paulo Duque -, nenhum foi capaz de fornecer ao senador José Sarney um alento sequer.
Justiça seja feita, tudo começou com ele mesmo, no primeiro discurso de autodefesa, quando considerou uma afronta à sua história ser contestado por ter feito de Agaciel Maia poderoso executor de esquema de poder paralelo no Senado.
Aquilo irritou as pessoas. Que ficaram ainda mais irritadas quando o presidente Luiz Inácio da Silva corroborou a tese dizendo que Sarney não poderia ser tratado como uma pessoa "comum". Estabeleceu-se aí um outro confronto de pensamentos que lançou luz sobre o problema real. Não se tratava se uma ou outra irregularidade, uma contratação indevida ali ou um nepotismo ali.
Tratava-se do choque entre o novo tempo da sociedade moderna e a política velha. Sarney não se deu conta e Lula não acreditou que há opinião no público. Preferiu se fiar no mito da "opinião publicada" representada por meia dúzia de elitistas mancomunados com seus comparsas oposicionistas. Ou, para usar o jargão, golpistas.
Com os dois suplentes e suas declarações de apreço ao fisiologismo, melhor nem perder tempo.
Passemos, portanto, direto ao fato mais recente.
Lembrando, antes, que por incrível que pareça Sarney e companhia ainda acreditaram no velho truque da aliança entre o recesso e o "cansaço" do noticiário dito excessivo que resultaria em esquecimento gradativo dos fatos e arrefecimento da crise.
Isso, com uma eleição pela proa. Obviamente, deu-se o oposto, em boa medida sob o gentil patrocínio das bobagens da defesa. Em demonstração explícita de que detecta a aproximação do tudo ou nada, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, saiu das sombras em que vinha atuando no comando das ameaças insinuadas aos colegas e partiu para a ignorância.
Literalmente. Telefonou para o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, com a proposta indecente de sempre. Um acordo de paz entre os dois partidos ou o PMDB representaria contra o líder dos tucanos, Artur Virgílio, por quebra de decoro na contratação de um funcionário fantasma e na conta de hotel em Paris paga por Agaciel Maia.
Uma chantagem clara, cujo maior defeito não foi nem a nitidez, mas a estultice do gesto. Calheiros entregou-se na bandeja ao adversário e ainda mostrou que na visão de sua turma denúncia não serve para corrigir malfeitos, mas para ser usada como moeda de troca na tentativa do "abafa". Uma legítima operação mãos sujas.
Já executada em outras ocasiões e bem aceita pela oposição. Mas, desta vez, Sergio Guerra não apenas não aceitou a barganha, como espalhou a proposta recebida e, no dia seguinte, o partido emplacou três representações no Conselho de Ética.
Duas já com provas materiais devidamente expostas. A influência de Sarney na fundação que leva o nome dele e é suspeita de ter desviado dinheiro da Petrobrás é comprovada no estatuto da entidade.
A influência dele na indicação de um neto para atuar como intermediário de operações de crédito consignado para funcionários do Senado permite dúvida, mas a mentira da negativa sobre a existência dos atos secretos - objeto da terceira representação - está desvendada nos diálogos gravados pela Polícia Federal.
Noves fora, o recesso acaba na próxima semana e a situação de Sarney piorou bem. Ao ponto de mandar recados ao governo de que pode ceder e deixar o cargo. A conferir se fala a verdade ou se lança, em forma de ameaça, um novo pedido de socorro ao presidente da República.
Boi dormir
Não para em pé a história, difundida Esplanada dos Ministérios afora, de que o ministro das Relações Institucionais exagerou, por conta própria, no tom da contestação à nota do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante.
Diga-se de José Múcio Monteiro qualquer coisa, menos que seja inexperiente ou tenha temperamento animoso. É, antes de tudo, um conciliador. Além disso, postulante a uma vaga no Tribunal de Contas da União, José Múcio quer distância de confusão. Com o Congresso ou com o Planalto.
Se saiu de uma reunião do conselho político do Palácio do Planalto dizendo que a nota em defesa do afastamento de Sarney só expressava a opinião de "um ou dois senadores", foi porque assim o autorizava o clima da reunião.
Mais provável é que o ministro ainda tenha amenizado em público o tom corrente em particular na conversa entre o presidente e o conselho
Merval Pereira Sem solução
Com pequenas variações de tons e ênfases, com abordagens mais inteligentes ou mais simplórias, as desculpas são sempre as mesmas: todo mundo faz. A principal defesa dos cada vez mais raros apoiadores do presidente do Senado é acusar os acusadores, colocando todos como farinha do mesmo saco. E como muitas vezes são mesmo, essa estratégia vai protelando o fim da crise, ou montando uma solução que livre todos igualmente.
O senador José Sarney já deu a dica: se cometi crime ao nomear parentes, todos cometeram.
Foi o que o próprio Lula fez no mensalão, quando lançou a tese, engendrada por seu ministro da Justiça da ocasião, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, de que se tratava de caixa dois de campanha eleitoral, "o que é feito sistematicamente no Brasil".
Desde então, a defesa das irregularidades tornou-se a marca registrada do jeito Lula de organizar coalizões partidárias.
O caso é grave a ponto de abranger de um extremo a outro o espectro demográfico do Senado. Tome-se por exemplo o neófito senador sem votos Wellington Salgado, de 51 anos.
Sem história política que sustente suas opiniões, ele tem a coragem de aparecer na televisão para defender a tese de que sempre houve "ocupação de espaço" por parte dos políticos, com nomeações de parentes e amigos.
O senador, que não se dá ao respeito a ponto de receber dos colegas a alcunha de "Cabeleira", de uma família proprietária de uma universidade, deveria ser, teoricamente, um educador, mas sua visão da vida pública absorve como naturais essas "colocações", que era como antigamente se apelidava o empreguismo.
No outro extremo, o senador duplamente sem voto Paulo Duque, segundo suplente do governador do Rio, Sérgio Cabral, continua a defender a efetividade do empreguismo como arma política, aos 81 anos de idade e 60 de vida pública.
Assim como Sarney, nas palavras premonitórias do senador Jarbas Vasconcellos, transformou o Senado em um imenso Maranhão, o senador Paulo Duque transformou seu mandato em uma representação do que há de mais retrógrado na política brasileira. Ele tem a dimensão de um vereador de província e lida com questões nacionais à frente do Conselho de Ética, uma piada de mau gosto pregada na cidadania por Renan Calheiros, outro exemplar da tropa de choque do PMDB.
Não é à toa que volta e meia flagra-se o olhar embevecido do hoje senador Fernando Collor a admirar a performance palanqueira do presidente Lula.
O reencontro recente desses dois políticos que já se confrontaram em situações diferentes vinte anos atrás fala bem da involução da política brasileira.
Audacioso a ponto de ter chegado ao Palácio do Planalto a bordo de uma aventura política que poucos tentariam, Collor não teve coragem de enfrentar seus algozes no Congresso, como Lula hoje enfrenta seus opositores, sem nenhum tipo de escrúpulo.
É bem verdade que, naquela época, atiçados pelo PT e sob a liderança de Lula, os estudantes foram para as ruas do país, e a totalidade dos movimentos sociais se mobilizou para exigir a saída de Collor.
Hoje, se mobilização houver, será a favor de qualquer tramoia que o governo patrocine, até mesmo a favor dos caciques do PMDB de "moral homogênea", na definição de Márcio Moreira Alves.
Essa ousadia, essa falta de escrúpulos, essa manipulação do povo humilde, resumem o que Collor tentou fazer e não conseguiu no plano de poder político.
O grito de "não me deixem só" foi o precursor das atuações performáticas de Lula nos palanques da vida.
As acusações de corrupção, que levaram Collor ao nocaute político mas não foram suficientes para condenálo por um misto de incompetência dos advogados de acusação e um acordo político tácito, hoje são enfrentadas pelo governo Lula e seus aliados com a naturalidade dos que consideram as falcatruas políticas parte integrante do jogo democrático.
Se tivesse tido a audácia de assumir seus atos como naturais quando esteve sob o fogo cruzado da imprensa e do Congresso, Collor poderia ter resistido no cargo, assim como Lula resistiu quando o mensalão devastou o primeiro escalão de seu governo e respingou nele, a ponto de ameaçar momentaneamente sua reeleição.
É claro que Lula tinha o PT e os movimentos sociais a seu favor, e já montava o que seria o grande alavancador de sua estratégia eleitoral, o Bolsa Família. Mas Collor sabia na ocasião que grande parte daqueles que votaram pela sua cassação não tinha condições morais de acusá-lo.
Nem mesmo o irmão Pedro, que detonou todo o processo, o fez por razões altruístas, mas apenas porque lhe negaram um pedaço maior do butim.
O que Collor não sabia, e sabe agora, é que é preciso dar espaço para incluir o maior número possível de políticos, sejam de que tendência política forem, em seus projetos de poder.
Dividir o bolo, permitir que todos se locupletem, enquanto finge-se que se quer instaurar a moralidade.
É o que está em marcha no Senado nos dias atuais.
Monta-se nos bastidores uma guerra de processos na Comissão de Ética que tem por finalidade neutralizar qualquer acusação.
Caminha-se para uma aparente solução, a renúncia do senador José Sarney da presidência do Senado, a eleição de um outro senador da base do governo, de preferência do PMDB, para o cargo, e um recomeço de atividades com a pedra zerada.
Tudo indica que o máximo que se conseguirá no momento é isso, com o compromisso do novo presidente de comandar uma reforma que impedirá que aconteçam os desmandos que até agora dominam o dia a dia do Senado.
Difícil é acreditar que um presidente saído de um acordo promíscuo como esse consiga avançar na moralização dos costumes do Senado.