por Rosângela Bittar, no Valor Econômico
Registra-se uma mudança essencial na ação do Movimento Sem Terra nos últimos dois anos que leva à convicção de que o MST está se transformando em partido político. Talvez isto não tenha se oficializado ainda pelas divisões internas e temor generalizado das perdas de bandeira, verbas, poder, base, por sinal presentes nas perspectivas do movimento.
O MST ocupa ferrovias, rodovias, invade empresas privadas e bancos, o tema do combate às multinacionais domina o discurso das lideranças, tudo isto já está inteiramente dissociado do seu objetivo inicial, sua razão de ser: a reforma agrária. A terra deixou de ser o foco dos sem-terra.
Enquanto ocorre a transmutação, o governo, pela atuação e discurso das autoridades responsáveis pela política agrária, não se mostra sensível ao novo cenário. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra continuam a tratar o MST como um movimento de trabalhadores rurais sem terra, que reivindicam terra. Ignoram abusos e vandalismo, não há restrição na fonte que jorra verbas, de cuja aplicação não se tem controle.
Dois gestos recentes das lideranças do MST que atingiram diretamente o presidente Lula caíram no vazio. Um, a hostilidade explícita a um programa que é, hoje, a paixão presidencial, o biocombustível; outro, uma descortesia: há cerca de dois meses, alguns líderes se esforçaram para que Lula comparecesse ao congresso do MST, que reuniu cinco mil pessoas, em Brasília. Repentinamente, desconvidaram o presidente e, a razão, soube-se depois, teria sido o medo da direção do movimento de que as bases, como seria de se esperar, ovacionassem Lula depois de um daqueles discursos também esperados para ocasiões como estas. Como estavam em "oposição ao governo", não quiseram correr o risco.
É incompreensível a relutância do governo em também dar uma guinada em suas atitudes. Faz parte daquela leniência que permite a cada autoridade agir como uma ONG. Não se trata de expectativa de um recuo da defesa da reforma agrária, mas de relacionamento com este "movimento", agora já entre aspas.
A reforma agrária, há muito, não é foco do MST
Advogado dos Sem Terra durante muitos anos, eleito deputado federal em 2002 com o voto do MST, derrotado em 2006 sem o voto do MST (esta é uma das razões que ele próprio registra na avaliação da sua campanha), o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh está preocupado com o MST. "Tenho muito medo que o MST vire um partido político. Eu defendo a reforma agrária, que se avance nesse projeto, mas não defendo o desbordar do limite, a descaracterização do movimento", afirma.
Greenhalgh admite que, de 2002 a 2006, sendo a principal referência do MST no Congresso Nacional - afinal, havia sido advogado do movimento por muito tempo - sua relação com os dirigentes foi tumultuada. "Eles queriam que Lula fizesse uma revolução socialista no Brasil, por um lado, e um governo dos trabalhadores, por outro. O governo do Lula ficou longe tanto de um governo socialista quanto de um governo exclusivamente dos trabalhadores".
Logo aos primeiros acordes do primeiro mandato, quando havia uns seis sete meses de governo, Greenhalgh registra que já não era mais a principal referência do MST no Congresso. Eles se bandearam para os deputados Luciana Genro, Ivan Valente, Babá, todos que depois migraram do PT para o P- SOL. "O MST, então, passou a cobrar do governo Lula, do PT, e de todos nós, a defesa das ’bandeiras históricas, na lei ou na marra’, e nós íamos pedindo calma, mostrando que os passos a serem dados eram todos dentro da legalidade, sem rompimento de contratos, tudo na medida do possível".
Por volta já de 2003 e durante 2004, Luiz Eduardo Greenhalgh assumiu a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e foi o que bastou para que o advogado da causa agrária, que conhece profundamente líder por líder do movimento, fosse criticado e carimbado como "deputado chapa branca". "Diziam que eu estava me afastando do MST para ficar defendendo o governo burguês do Lula".
Neste ponto, o P-SOL, a senadora Heloísa Helena à frente, e mais tarde, especialmente, o candidato a vice presidente na sua chapa, César Queiroz Benjamin, que tinha ligações fortes com o MST, passaram a ser a referência, uma espécie de ponte entre o movimento e o mundo.
Greenhalgh conta que, quando foi candidato a presidente da Câmara, a UDR e a bancada ruralista o combateram com a alegação de que não podia ser presidente porque era advogado do MST. Todos os deputados ligados ao MST, porém, com exceção de Adão Preto (PT-RS), negaram-se a apoiá-lo. "Não tive apoio nem para me defender da UDR e da bancada ruralista".
Depois disso houve um acontecimento marcante da mudança do MST e de sua relação com seu advogado, que foi a invasão da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, com a destruição de laboratórios e perda de pesquisas que vinham sendo feitas há 20 anos. "Fiz uma crítica pública a isto, alertei que o MST estava perdendo o rumo e ia perder apoio. É o que acontece hoje, o MST está se isolando, sem rumo e radicalizando. As ações do MST quase nunca têm a ver com a reforma agrária", afirma Greenhalgh que dá a César Benjamim "muita responsabilidade por esta guinada do MST".
Segundo Greenhalgh, que diz ter tido orgulho, numa época, de ser o advogado do movimento, de conhecer todos os líderes, de defender sua causa, hoje só tem razões para preocupação. O seu testemunho sintetiza: "As divisões internas se ampliaram, adotaram posturas sectárias - expulsaram o José Rainha, sem mais nem menos - há uma disputa de poder muito grande, e acabam ameaçando o Estado. O chefe do Incra em cada localidade negocia qualquer coisa, faz acordos, para tentar livrar-se do problema. Com isto vão estabelecendo um processo de pressão sobre o Estado. São os caras que mais dependem do Estado e os que mais atacam o Estado. Eu tenho medo que o MST vire um partido político".
O MST ocupa ferrovias, rodovias, invade empresas privadas e bancos, o tema do combate às multinacionais domina o discurso das lideranças, tudo isto já está inteiramente dissociado do seu objetivo inicial, sua razão de ser: a reforma agrária. A terra deixou de ser o foco dos sem-terra.
Enquanto ocorre a transmutação, o governo, pela atuação e discurso das autoridades responsáveis pela política agrária, não se mostra sensível ao novo cenário. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra continuam a tratar o MST como um movimento de trabalhadores rurais sem terra, que reivindicam terra. Ignoram abusos e vandalismo, não há restrição na fonte que jorra verbas, de cuja aplicação não se tem controle.
Dois gestos recentes das lideranças do MST que atingiram diretamente o presidente Lula caíram no vazio. Um, a hostilidade explícita a um programa que é, hoje, a paixão presidencial, o biocombustível; outro, uma descortesia: há cerca de dois meses, alguns líderes se esforçaram para que Lula comparecesse ao congresso do MST, que reuniu cinco mil pessoas, em Brasília. Repentinamente, desconvidaram o presidente e, a razão, soube-se depois, teria sido o medo da direção do movimento de que as bases, como seria de se esperar, ovacionassem Lula depois de um daqueles discursos também esperados para ocasiões como estas. Como estavam em "oposição ao governo", não quiseram correr o risco.
É incompreensível a relutância do governo em também dar uma guinada em suas atitudes. Faz parte daquela leniência que permite a cada autoridade agir como uma ONG. Não se trata de expectativa de um recuo da defesa da reforma agrária, mas de relacionamento com este "movimento", agora já entre aspas.
A reforma agrária, há muito, não é foco do MST
Advogado dos Sem Terra durante muitos anos, eleito deputado federal em 2002 com o voto do MST, derrotado em 2006 sem o voto do MST (esta é uma das razões que ele próprio registra na avaliação da sua campanha), o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh está preocupado com o MST. "Tenho muito medo que o MST vire um partido político. Eu defendo a reforma agrária, que se avance nesse projeto, mas não defendo o desbordar do limite, a descaracterização do movimento", afirma.
Greenhalgh admite que, de 2002 a 2006, sendo a principal referência do MST no Congresso Nacional - afinal, havia sido advogado do movimento por muito tempo - sua relação com os dirigentes foi tumultuada. "Eles queriam que Lula fizesse uma revolução socialista no Brasil, por um lado, e um governo dos trabalhadores, por outro. O governo do Lula ficou longe tanto de um governo socialista quanto de um governo exclusivamente dos trabalhadores".
Logo aos primeiros acordes do primeiro mandato, quando havia uns seis sete meses de governo, Greenhalgh registra que já não era mais a principal referência do MST no Congresso. Eles se bandearam para os deputados Luciana Genro, Ivan Valente, Babá, todos que depois migraram do PT para o P- SOL. "O MST, então, passou a cobrar do governo Lula, do PT, e de todos nós, a defesa das ’bandeiras históricas, na lei ou na marra’, e nós íamos pedindo calma, mostrando que os passos a serem dados eram todos dentro da legalidade, sem rompimento de contratos, tudo na medida do possível".
Por volta já de 2003 e durante 2004, Luiz Eduardo Greenhalgh assumiu a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e foi o que bastou para que o advogado da causa agrária, que conhece profundamente líder por líder do movimento, fosse criticado e carimbado como "deputado chapa branca". "Diziam que eu estava me afastando do MST para ficar defendendo o governo burguês do Lula".
Neste ponto, o P-SOL, a senadora Heloísa Helena à frente, e mais tarde, especialmente, o candidato a vice presidente na sua chapa, César Queiroz Benjamin, que tinha ligações fortes com o MST, passaram a ser a referência, uma espécie de ponte entre o movimento e o mundo.
Greenhalgh conta que, quando foi candidato a presidente da Câmara, a UDR e a bancada ruralista o combateram com a alegação de que não podia ser presidente porque era advogado do MST. Todos os deputados ligados ao MST, porém, com exceção de Adão Preto (PT-RS), negaram-se a apoiá-lo. "Não tive apoio nem para me defender da UDR e da bancada ruralista".
Depois disso houve um acontecimento marcante da mudança do MST e de sua relação com seu advogado, que foi a invasão da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, com a destruição de laboratórios e perda de pesquisas que vinham sendo feitas há 20 anos. "Fiz uma crítica pública a isto, alertei que o MST estava perdendo o rumo e ia perder apoio. É o que acontece hoje, o MST está se isolando, sem rumo e radicalizando. As ações do MST quase nunca têm a ver com a reforma agrária", afirma Greenhalgh que dá a César Benjamim "muita responsabilidade por esta guinada do MST".
Segundo Greenhalgh, que diz ter tido orgulho, numa época, de ser o advogado do movimento, de conhecer todos os líderes, de defender sua causa, hoje só tem razões para preocupação. O seu testemunho sintetiza: "As divisões internas se ampliaram, adotaram posturas sectárias - expulsaram o José Rainha, sem mais nem menos - há uma disputa de poder muito grande, e acabam ameaçando o Estado. O chefe do Incra em cada localidade negocia qualquer coisa, faz acordos, para tentar livrar-se do problema. Com isto vão estabelecendo um processo de pressão sobre o Estado. São os caras que mais dependem do Estado e os que mais atacam o Estado. Eu tenho medo que o MST vire um partido político".