sábado, novembro 29, 2003

Diogo Mainardi A praga brasileira


"O maior problema do Brasil é a propaganda
política. Fomos da ditadura dos militares diretamente para a ditadura dos políticos.
Para cada minuto de informação, somos
obrigados a engolir meia hora de programação
partidária, em que os políticos podem nos
enganar à vontade, sem desmentidos"

Fome? Desemprego? Criminalidade? Nada disso. O maior problema do Brasil é a propaganda política. Em nenhum lugar do mundo há tanta propaganda política quanto aqui. Toda noite tem algum partido mentindo para a gente, nos intervalos do Jornal Nacional. Fomos da ditadura dos militares diretamente para a ditadura dos políticos. Instauraram uma espécie de totalitarismo democrático. Para cada minuto de informação, somos obrigados a engolir meia hora de programação partidária, em que os políticos podem nos enganar à vontade, sem desmentidos.

Eles aparecem em comerciais de trinta segundos e em programas de vinte minutos. Também aparecem no canal de televisão da Câmara ou no do Senado. No rádio, podem contar com a Hora do Brasil. O presidente da República, quando quer, fala à nação em cadeia nacional. Como se não bastasse, decidiu ter um programa no rádio, toda segunda-feira. Prefeitos e governadores dispõem de televisões públicas. Compram, igualmente, espaços publicitários nas televisões comerciais. Os ministros usam as verbas de propaganda das empresas estatais para reforçar a imagem do governo e para barganhar a cumplicidade de veículos de comunicação, muitos dos quais dependem dessas verbas para sobreviver. Difícil encontrar um político que não seja dono de uma emissora de televisão ou rádio. Os que não são donos são amigos dos donos. Os jornalistas, que teoricamente serviriam de contrapeso para o poder político, também estão do lado de lá. De fato, o Estado emprega muito mais jornalistas do que qualquer grupo particular. Nem na Romênia de Ceausescu a ocupação dos meios de comunicação pelos políticos foi tão grande.

Propaganda política não é só o que a gente acompanha na imprensa, no rádio, na televisão. Ela pode assumir muitas outras formas. Uma viagem para participar de um comício. Uma inauguração de uma obra. Um programa social. Uma campanha de vacinação. Um trecho de um livro didático. Um patrocínio de um evento cultural. Tudo é manipulado pelos políticos. Tudo é pago por nós. Por um preço alto demais. Entre o que se gasta em propaganda oficial, mais o que se gasta em propaganda camuflada, mais o que se gasta com empreguismo eleitoreiro, mais o que se gasta em corrupção para financiar a propaganda, a política acaba custando mais do que educação e saúde. Um exemplo: o Brasil tem 5.000 e tantos municípios. Boa parte não conta com receita própria. Funciona apenas como curral eleitoral. Pagamos o salário e a aposentadoria de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores cuja única função é arrebanhar votos para os caciques locais. Ou seja, pagamos para que façam propaganda.

Diminuir a presença dos políticos na vida nacional só traria benefícios. Eu tenho algumas sugestões. Fechar as televisões públicas. Vender Petrobras, Eletrobrás e Banco do Brasil. Abolir toda a propaganda política, paga ou gratuita, exceto no período eleitoral. Cortar pela metade o número de municípios. Proibir os políticos de possuir qualquer forma de concessão pública. Limitar com rigor os gastos das campanhas.

Quanto menos os políticos aparecerem, melhor.

sábado, novembro 15, 2003

Diogo Mainardi A África que Lula adorou


"Lula encantou-se com a capital da Namíbia,
produto arquitetônico do apartheid. É bonita e
limpa porque foi feita por brancos e para brancos.
Os negros foram segregados em Katatura, feia e
suja. Lula não foi a Katatura"

A África é feia e suja, segundo Lula. Exceto Windhoek, capital da Namíbia. Windhoek é bonita e limpa. Tanto que nem parece a África. Gilberto Gil e Benedita da Silva concordaram com o presidente. Quem também concordou foi outra ministra negra do governo, Matilde Ribeiro, que recebe um salário para promover a igualdade racial no Brasil.

Windhoek é bonita e limpa porque foi feita por brancos e para brancos. Fundada por descendentes de holandeses, foi sucessivamente ocupada pela Alemanha, Inglaterra e África do Sul. Lula apreciou muito a arquitetura de Windhoek. Ele acha que a eleição a presidente lhe conferiu legitimidade para proferir julgamentos estéticos. No caso de Windhoek, todas as atrações arquitetônicas foram construídas por brancos, durante o regime colonial. Como a catedral luterana, que fica numa rua chamada Fidel Castro, em homenagem ao ditador de Cuba. Ou o Congresso Nacional, que fica numa avenida chamada Robert Mugabe, em homenagem ao ditador do Zimbábue.

A África do Sul, depois da II Guerra Mundial, implantou o regime de apartheid na Namíbia. Windhoek se tornou uma cidade exclusivamente branca, e permaneceu assim até 1990. Os pardos foram transferidos à força para o subúrbio de Khomasdal. Os negros foram segregados em Katatura, ainda mais distante. Katatura significa "o lugar onde não queremos estar". Como o resto da África, é feia e suja. Um amontoado de favelas, onde só moram negros. Tem até uma favela chamada Babilônia, como a do Rio de Janeiro. O crítico de arte Lula não emitiu uma opinião estética sobre Katatura. Ele não foi a Katatura.

Tecnicamente, Lula seria considerado um pardo no regime de apartheid. Não poderia morar na bonita e limpa Windhoek. Nem poderia ter casado com uma branca. Mas isso não importa. O revisionismo histórico é uma especialidade dos petistas. Eles já engoliram tudo o que disseram no passado a respeito da ditadura militar, dos coronéis nordestinos, dos alimentos transgênicos, da reforma agrária, do salário mínimo, do FMI e do neoliberalismo malaniano. Faltava apenas enaltecer a política social do apartheid.

O importante, agora, é descobrir se o encantamento do presidente com o produto arquitetônico do apartheid terá alguma conseqüência prática. O planejamento urbano de Windhoek levou à demolição arbitrária de todos os barracos pertencentes a negros e pardos. O Rio de Janeiro, como Windhoek, ficaria mais bonito e limpo sem suas 700 favelas. O governo federal poderia incendiar todos os barracos e reflorestar as encostas dos morros. Benedita da Silva e os outros favelados seriam removidos para além de Duque de Caxias. A microcriminalidade diminuiria, sobretudo se os favelados, para entrar no Rio de Janeiro, fossem submetidos a uma meticulosa inspeção, como acontecia em Windhoek.

Depois de elogiar o cenário do apartheid, Lula assumiu novamente o papel de crítico de arte e prometeu que o Brasil participaria da Renascença africana. Lula não gosta de pobre. Ele gosta mesmo é de Palladio e Sansovino.

sábado, novembro 08, 2003

Diogo Mainardi A revolução do PT


"O governo de Lula lembra A Revolução dos
Bichos, de George Orwell. Só que
é uma
revolução dos bichos sem revolução. Uma
revolução dos bichos posterior
à queda do
Muro de Berlim. O final é bastante conhecido"

O governo Lula lembra A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Só que é uma revolução dos bichos sem revolução. Uma revolução dos bichos posterior à queda do Muro de Berlim. No livro, que é uma parábola anti-stalinista de Orwell, porcos semiletrados libertam os bichos da eterna tirania dos homens e assumem o comando da granja, prometendo igualdade entre os animais. Logo se apropriam de todo o leite, de todas as maçãs e de toda a cevada. Cachorros adestrados perseguem os opositores do regime. Ovelhas analfabetas repetem mecanicamente os bordões doutrinários criados pelos porcos. Cavalos obedientes trabalham até morrer. Embora sejam incompetentes na administração da granja, os porcos se mostram muito competentes na arte da propaganda e na manutenção do poder.

O governo Lula, neste primeiro ano, também foi incompetente na administração da granja. O que não significa que não tenha tido alguns méritos. O principal deles foi tentar ludibriar a Constituição para diminuir o gasto em saúde. O Brasil tem um tabu: ninguém pode cortar o gasto social. Mesmo quando é ineficiente. Mesmo quando alimenta a roubalheira. Mesmo quando poderia ser mais bem empregado de outras maneiras. Se o dinheiro desperdiçado em maus hospitais fosse aplicado no pagamento da dívida pública, a população miserável sairia ganhando. As taxas de juro cairiam, favorecendo os investimentos produtivos, geradores de empregos. Se o mesmo dinheiro fosse usado para cortar os impostos da classe média, os miseráveis também se beneficiariam. Porque o crescimento da economia respingaria, ainda que minimamente, sobre eles. O governo Lula quebrou o tabu e tentou cortar o gasto em saúde. Falta pensar em cortar o gasto em educação, em alimentação, em habitação, em cultura. Falta, igualmente, cortar os gastos administrativos. O governo deveria suprimir ministérios, Estados, municípios e órgãos públicos, mandando um monte de políticos e funcionários para a rua.

Outro mérito de Lula foi denunciar a caixa-preta do Judiciário. Quando ele deu a declaração, muitos comentaristas indignados o acusaram de leviandade. Mas ele não foi leviano. Pelo contrário: sabia perfeitamente do que estava falando. Pelo que VEJA revelou duas semanas atrás, parte do Judiciário foi o cão de guarda do PT, perseguindo seus adversários políticos e acobertando questões espinhosas relacionadas com a prefeitura de Santo André. A mais importante assessora de Lula, na área social, foi casada com o prefeito assassinado de Santo André. Fiel e discreta, ela sempre afirmou desconhecer o esquema de propinas da prefeitura. Agora que o caso foi enterrado pelos cães de guarda do Judiciário, será difícil averiguar sua afirmação.

O final de A Revolução dos Bichos é bastante conhecido. Todos os planos dos porcos fracassam. Eles começam a se vestir como homens. Começam a beber, a fumar e a jogar cartas. Começam a negociar com o inimigo. Até o dia em que fica impossível distinguir quem é homem, quem é porco.