sábado, março 29, 2003

Diogo Mainardi A PanTomima beduína



"Marta Suplicy pode ficar mais tranqüila
porque seu companheiro arrumou uma
posição no governo Lula.
O mundo pode
ficar mais tranqüilo. Estamos todos em
boas mãos, brasileiros, iraquianos,
ingleses, americanos"

O melhor de todos é Mohamed Said al-Sahaf, o ministro da Informação iraquiano. Outro dia ele chamou o presidente americano de "anão" e o secretário de Defesa britânico de "asno". Para alguém que passa o dia inteiro na frente da TV e já enjoou do habitual espetátulo de bombas de fragmentação caindo sobre a população civil de Bagdá, não pode haver atração mais excitante do que as entrevistas coletivas de Sahaf. Dão um pouco de cor local, com seu repertório clássico de insultos vindos diretamente da casbá ou de filmes de segunda linha de Hollywood. Cuspindo nos microfones, Sahaf declarou que o "pequeno Bush lidera uma gangue internacional de bastardos criminosos, uma superpotência de Al Capone", que ele é um "vilão", "um biltre", "um homem vil que será amaldiçoado pela eternidade". Para Sahaf, Colin Powell é um "idiota", e Donald Rumsfeld, um "cão", à frente de "mercenários abomináveis". Quanto aos britânicos, só merecem o profundo desdém de Sahaf, pois não passam de "hediondos lacaios que os canalhas dos americanos esmagam com a sola dos pés". Em entrevista recente, o assessor especial de Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, ofereceu asilo no Brasil a Saddam Hussein. Ao mesmo tempo, os vereadores do Rio de Janeiro decretaram o presidente Bush "persona non grata" na cidade. Se Saddam Hussein é bem-vindo por aqui, e Bush não, faço questão de convidar, igualmente, o ministro Sahaf, essa impagável pantomima beduína. Por mais atrocidades que ele tenha cometido em nome do regime iraquiano, aceito hospedá-lo em minha casa, contanto que ele prometa ficar o tempo todo no terraço, deblaterando contra os moradores do prédio ao lado.

Além de oferecer asilo a Saddam Hussein, Marco Aurélio Garcia também afirmou que o Brasil está disposto a acolher refugiados de guerra iraquianos. Como se nossas cidades fossem muito melhores do que Basra sob o bombardeio de tropas anglo-americanas. Como se nossos bandidos fossem muito melhores do que "Ali, o Químico", aquele que exterminou os curdos com gás mostarda. Como se nossos miseráveis vivessem muito melhor do que refugiados num acampamento da ONU. Por falar nisso, Benedita da Silva confessou que não gostaria de estar na pele do articulador do Fome Zero, José Graziano, "com essa responsabilidade de dar combate à fome e à miséria". Benedita da Silva é ministra da Assistência e Promoção Social. Seria de supor que a responsabilidade de seu ministério fosse, justamente, dar combate à fome e à miséria. Eu não gostaria de estar na pele dos refugiados iraquianos que vierem para cá. E muito menos na dos miseráveis brasileiros.

A principal medida do governo Lula depois da deflagração da guerra no Iraque foi conceder-se um vital setor de comunicação internacional. O chefe do novo setor é o companheiro de Marta Suplicy, Luis Favre. Em fevereiro, li com apreensão que a prefeita de São Paulo andava "sumida e sorumbática", porque nenhuma posição no governo federal havia sido oferecida a Favre. Agora, ela pode ficar mais tranqüila. O mundo pode ficar mais tranqüilo. Estamos todos em boas mãos, brasileiros, iraquianos, ingleses, americanos.

domingo, março 09, 2003

Diogo Mainardi No país do Carnaval

"Por trás da fachada irreverente do Carnaval, só há um desavergonhado
e rastejante
beija-mão"

O camarote de Gilberto Gil, em Salvador, consagrou a ascensão do novo poder político brasileiro. O ministro Antônio Palocci, acompanhado pela mulher, Margareth, apareceu com uma camisinha pendurada no pescoço. Onde Palocci estava no Carnaval de 2002? No desfile de escolas de samba de Ribeirão Preto? Ou vistoriando os estragos causados pelas enchentes em sua cidade? E o ministro Jaques Wagner? No ano passado, ele proferiu um discurso contundente sobre a farra de recursos públicos no Carnaval baiano, acusando a prefeitura de Salvador de "engordar os bolsos de fabricantes de bebidas e trios elétricos". Neste ano, ao lado do prefeito Imbassahy, Wagner rendeu-se à atmosfera festiva do camarote de Gil. Com muito uísque e cerveja grátis, assistiu à passagem dos trios elétricos abraçado à mulher, Fátima, que vestia um "top" da estilista Vera Arruda, segundo as colunas sociais. No discurso do ano passado, Wagner também denunciou o ex-governador Antonio Carlos Magalhães de se valer da construtora de seu ex-genro para desviar as verbas do orçamento da Bahia e depositá-las em contas particulares no Econobank, das Ilhas Cayman. Excepcionalmente, Antonio Carlos Magalhães não compareceu ao camarote de Gil neste Carnaval. Mas compareceu em 2002. E em 2001. E em 2000. Em 2002, ao vê-lo no camarote de Gil, o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar prestou-lhe uma comovida homenagem. Em 2001, a banda Chiclete com Banana proclamou que "A Bahia não vai deixar ACM só". Em 2000, o bloco Filhos de Gandhi definiu-o como "o presidente da moralidade do Brasil". Carnaval é assim mesmo. Por trás da fachada irreverente, só há um desavergonhado e rastejante beija-mão. Basta ver a Beija-Flor, que ganhou o concurso das escolas de samba do Rio de Janeiro com seu enredo chapa-branca, de propaganda oficial, abençoado por aquele assustador fantoche de Lula.

A filha do ministro José Dirceu foi fotografada no camarote de Gil. No ano passado, quem passou por lá foi um dos filhos do ex-presidente Fernando Collor de Mello, Arnon. Outro filho ilustre, José Sarney Filho, mereceu elogios de Gil por sua atuação como ministro do Meio Ambiente do governo Fernando Henrique Cardoso. Gil votou em Fernando Henrique em 1994, contra Lula. Em 1998, um primo de Collor, Euclides Mello, então candidato ao governo de Alagoas, declarou contar com o apoio de Gil. Onde Euclides Mello se encontrava no Carnaval de 2003?

Se o camarote de Gil pode ser usado para traçar o mapa do poder político no Brasil, outra notícia do período de Carnaval, dada sem o menor destaque nas páginas locais de O Globo, ajuda a delinear o perfil moral do brasileiro: "Walter Barbosa Júnior furtou a carteira do turista chileno Ricardo Ramos. Após uma perseguição, um grupo de trinta banhistas espancou o ladrão, levando-o para o mar, na tentativa de afogá-lo, o que só não aconteceu pela ação de seis guardas". Naquela segunda-feira, o jornal estava cheio de referências aos dois malfeitores do momento, Fernandinho Beira-Mar e Silveirinha. Os trinta linchadores de Copacabana foram perdoados. O Brasil não tem espaço para tantos vilões ao mesmo tempo.