quinta-feira, outubro 22, 2015

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22/10/15

segunda-feira, outubro 19, 2015

Denis Lerrer Rosenfield - Nau à deriva



• Sem definição política, não há definição econômica. As perspectivas são, neste sentido, sombrias

- O Globo

O Brasil assemelha-se a uma nau à deriva, sob intensa tormenta, não sabendo para onde ir, nem tendo nenhuma orientação. O timoneiro, no caso timoneira, envolta em suas fantasias, não mais consegue perceber a realidade e, sobretudo, a sua gravidade. Sua maior preocupação consiste em sua própria sobrevivência, tudo o mais e todos os outros, a saber, a totalidade dos cidadãos deste país, é simplesmente mandado às favas.

Seus auxiliares imediatos, seus assessores, compartilham da mesma névoa de visão, vendo, nas ondas que se agigantam e no furacão que se aproxima, um claro céu de brigadeiro. Olham o "sol", como se ele se oferecesse naquele momento. Juntos, todos olham o inexistente e fecham os olhos para a triste realidade. Neste meio tempo, a nave está soçobrando.

Triste a situação vivida pelos brasileiros. Acreditaram, em sua metade, em um discurso eleitoral, melhor eleitoreiro, que tudo fez para encobrir a realidade, para que a tormenta que se aproximava não fosse vista. Foram, depois, junto com os demais, lançados para dentro de um furacão.

A timoneira da ilusão nada mais fez senão se afundar ela mesma em discursos desconexos, em frases sem sentido, como se assim o feito não tivesse sido feito, o encoberto não tivesse sido descoberto. A desesperança, a desconfiança e a falta de expectativas terminaram por atingir todos os habitantes deste país.

O que é, então, proposto? Um arremedo de ajuste fiscal, baseado na criação de um novo (velho) imposto, a CPMF, que nada mais é do que um arranjo provisório para maquiar contas estouradas e que continuarão a estourar se verdadeiras reformas não forem empreendidas como a da Previdência. E mesmo essa medida tem pouquíssimas chances de ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Aliás, no mundo da sobrevivência, mesmo esse esquálido ajuste fiscal passou a segundo plano. Nem dele muito mais se fala.

Foi literalmente substituído pela tentativa presidencial de evitar o impeachment. A nave está afundando, e a timoneira só se preocupa consigo, em como vai sobreviver, mesmo se o custo disto for o próprio país, que pode prolongar sua agonia por ainda três longos anos, algo que pode precisamente hipotecar o futuro das próximas gerações.

No meio da tormenta, contudo, a timoneira ganhou certo fôlego, embora a tempestade não vá amainar. Pelo contrário, só tende a aumentar. Quanto mais durar a agonia, piores serão os seus efeitos futuros.

A decisão de dois ministros do Supremo suspendendo o ritual do impeachment, tal como estabelecido pelo presidente da Câmara dos Deputados, foi inicialmente interpretada pelo governo e por jornalistas e analistas mais afoitos como uma suspensão do impeachment enquanto tal. E não como deveria ser, a saber, somente da aplicação do Regimento da Câmara para dirimir eventuais questões, como a de um eventual recurso ao plenário.

Na verdade, o poder monocrático do presidente da Câmara dos Deputados foi reforçado, pois cabe a ele, solitariamente, decidir pelo acolhimento ou não de um pedido de impeachment, encaminhando-o, então, a uma comissão especial a ser criada. Ele é, segundo a Constituição e a Lei do Impeachment, o senhor dessa decisão.

Acontece, devido à Lava-Jato e aos seus desdobramentos no Supremo Tribunal Federal, que o deputado Eduardo Cunha está também navegando sob intensa tormenta, preocupando-se, exclusivamente, com a preservação de seu mandato, que lhe dá foro privilegiado em um julgamento que se avizinha. Tudo fará para a sua própria sobrevivência.

O governo dança ao ritmo de seus passos! E para ele, quanto mais se prolongar esse impasse, melhor, pois terá de enfrentar o Conselho de Ética, onde haverá uma nova configuração entre seus "amigos" e "inimigos". Eis o fôlego do governo!

E o Brasil? Este sucumbe à falta de governo e à incerteza generalizada. O cenário econômico só tende a piorar, não havendo nenhuma sinalização de melhoria. Decisões necessárias ou são ignoradas ou foram relegadas ao limbo. Reformas estruturais nem chegaram a entrar na ordem do dia. Não há, a curtíssimo prazo, nem decisão favorável nem desfavorável ao impeachment, o que faz com que os agentes econômicos só posterguem as suas decisões. O impeachment só se delineará mais claramente em algumas semanas.

Acrescente-se o fato de o ministro Joaquim Levy perder crescentemente apoio, com o PT nem mais se preocupando em guardar as aparências, passando a pedir abertamente a sua demissão. O próprio presidente Lula está seguindo essa tendência, advogando pelo populismo que levou o país a esse descalabro. Sem definição política, não há definição econômica. As perspectivas são, neste sentido, sombrias.

Tudo deveria ser feito para que a atual tormenta não dure até as eleições de 2018. Mesmo que lá, naquele longínquo momento, novos ganhadores venham a conquistar o poder, o país estará em uma posição ainda mais claudicante. Não haverá o que comemorar, e o novo governo terá pela frente uma duríssima situação. Quando mais as decisões tardarem, pior será o descalabro. O bom senso exige que esse cenário seja abreviado.

E para que ele se torne factível seria necessária uma reconfiguração político-partidária com o vice-presidente, Michel Temer, assumindo a Presidência. A presidente se afastaria e uma nova agenda nacional seria elaborada e apresentada à nação, encarando os problemas pela frente. O discurso da ilusão deveria ser substituído pelo do sacrifício.

Neste cenário, o melhor seria que tal processo fosse o resultado de uma articulação política, que colocasse o futuro do Brasil acima de qualquer disputa partidária. O desprendimento teria de ser o seu vetor principal, com os partícipes então disputando o poder, entre si se for o caso, em 2018, já, então, com um país reformado, que teria feito as reformas e os ajustes imprescindíveis. O momento exige pessoas com o perfil de estadistas, e não de meros oportunistas de ocasião.

Ricardo Noblat - Moralistas sem moral


- O Globo

"Esses são meus princípios. Mas se você não gosta deles, tenho outros"  Groucho Marx, comediante americano

Há uma semana, a presidente Dilma estava no chão, e a caneta de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, cheia de tinta para assinar o ato que autorizaria a abertura do processo de impeachment contra ela. Esta semana começa depois de mais um movimento abrupto da gangorra do poder: agora é Eduardo que está no chão, atingido por novas denúncias de roubalheira. E Dilma posa de vencedora.

AMANHÃ FARÁ uma semana que Dilma perguntou a sindicalistas reunidos por Lula para escutá-la em São Paulo: "Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficiente para atacar a minha honra? Quem?" Entusiasmada com os aplausos que recebeu, chamou o impeachment de "golpismo escancarado", e seus adversários de "moralistas sem moral"
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DE FATO, são "moralistas sem moral" os políticos que tratam Eduardo com brandura, interessados apenas em que ele ceda às pressões e ponha para tramitar na Câmara o processo de deposição da presidente reeleita há menos de um ano. Mas serão "moralistas com moral" aqueles que igualmente tratam Eduardo com brandura, empenhados apenas em que ele desista de derrubar Dilma?

NA CONDIÇÃO de investigado, Lula desembarcou em Brasília para ser ouvido por procuradores da República. Aproveitou a viagem para negociar com Eduardo o fim do impeachment em troca da salvação do mandato dele, ameaçado de ser cassado pela Câmara. E da boa vontade da Justiça quando fosse obrigada a julgar Eduardo por corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.

COMO LULA, sem ser um amoral, poderia garantir a Eduardo que deputados ligados ao governo negarão seus votos para cassá-lo? Como Lula, sem ser um amoral, poderia prometer que o governo empregará toda a sua força para que Supremo Tribunal Federal absolva Eduardo dos seus crimes? Ou pelo menos para que não lhe aplique duras penas? Diante da mesma plateia de sindicalistas que recepcionou Dilma em São Paulo, Lula justificou as "pedaladas fiscais" do governo que resultaram na rejeição de suas contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União. E o que disse? Que o governo foi obrigado a pedalar para não deixar sem dinheiro o Bolsa Família e demais programas de assistência aos mais pobres.

MENTIU – o que não pega bem para um moralista com moral. Para um sem moral não faz diferença. As pedaladas tiveram a ver com despesas feitas pelo governo para além do que o orçamento permitia. Com isso, desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quem desrespeita lei incorre em crime. Não vale a desculpa imoral usada por Dilma de que governos anteriores procederam assim também.

QUANTO À PERGUNTA que ela fez aos sindicalistas: "Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficiente para atacar a minha honra?" Há muita gente que tem, sim. Talvez falte motivo para o ataque. Em compensação, há motivos de sobra para que se ponha a conduta de Dilma em dúvida. É provável que ela não tenha roubado. Mas que sequer tenha visto que roubavam?

SEU SUCESSOR no Ministério das Minas e Energia é suspeito de ter roubado. Sua sucessora na Casa Civil, de tráfico de influência. Como mandachuva na Petrobras, aprovou negócios que envolveram propinas. E viu a empresa submergir em um mar de lama. Dinheiro sujo financiou suas duas campanhas. Se tudo isso a surpreendeu, por carecer de competência não tinha condições de presidir o país. Não tinha mesmo.