domingo, março 30, 2014

A Copa e o estado de coisas que aí está LUIZ WERNECK VIANNA- Estadão

A Copa e o estado de coisas que aí está - opiniao - versaoimpressa - Estadão



Quase não se sente, mas de tanto que empurrados pelos movimentos dos fatos quanto por nossas ações, desde as refletidas e conscientes dos seus fins até aquelas - provavelmente majoritárias - que os desconhecem, estamos à beira de uma grande mutação: o Estado que fez sua história entre nós como mais moderno do que sua sociedade, conduzindo seu destino à sua discrição, já dá mostras de que perde seu controle sobre os movimentos dela. Não que da sociedade tenha aflorado o impulso para a auto-organização e para a difusão de valores cívicos, bem longe disso. O fenômeno é outro e se faz indicar pela relação de estranheza e desconfiança que se vem estabelecendo entre ela e o Estado e suas instituições.
Exemplos não faltam, como o da Copa do Mundo que se avizinha. Noutras Copas, disputadas em países distantes, às vésperas das competições as ruas se faziam engalanar pelos próprios moradores, que estendiam bandeirolas e grafitavam nos muros e nas calçadas símbolos nacionais. Nesta de 2014, que se disputa aqui, ao revés, a manifestação dessas mesmas ruas tem sido a de brandir punhos cerrados sob a palavra de ordem ameaçadora de que "não vai ter Copa", que certamente não se dirige ao mundo do futebol, paixão inamovível dos brasileiros, mas ao da política.
A festa popular, que certamente virá com a abertura dos jogos, já fez sua opção de se manter distante da arena oficial, fazendo ouvidos moucos às tentativas de fazer da Copa um momento de ufanismo e de integração nacional. Ronda sobre ela o espectro dos idos de junho, porque reina, especialmente na juventude, o sentimento de que tudo isso que aí está, inclusive a Copa, "não me representa".
Estranheza quanto às instituições que não se confina a setores das classes médias, tradicionais e novíssimos, como se constatou com a greve dos garis do Rio de Janeiro, quando os trabalhadores dessa categoria profissional desautorizaram o seu sindicato e negociaram, com sucesso, suas demandas com o governo municipal diretamente. Episódios como esses têm sido frequentes sem que se abalem os fundamentos anacrônicos da estrutura sindical, imposta em outro tempo e para outro perfil de trabalhador.
O sentimento de estranheza e desconfiança, que se agrava, não se limita à incredulidade quanto a esse "outro" que é o Estado, traduzindo-se em ações, muitas delas violentas. A síndrome do protesto ganhou a imaginação de inteiros setores sociais nas metrópoles, em suas periferias e mesmo em pequenos centros urbanos, em boa parte com origem em estratos subalternos até então imersos na passividade e no conformismo.
Nesta hora, que reclama mudanças e inovações, caminha-se para uma eleição presidencial e parlamentar com todos os vícios das anteriores - aparelhadas, em meio ao jogo de parentelas e clientelas e, pior, sob a influência do dinheiro -, da qual não se espera, com justas razões, uma discussão em profundidade sobre as causas do mal-estar reinante no País.
Na raiz desse desencontro, de nenhum modo fortuito, está a guinada empreendida pelo PT, já esboçada antes de chegar ao governo em 2002, e que se radicalizou a partir do segundo mandato do presidente Lula, que o levou a revalorizar o que havia de mais recessivo na tradição republicana brasileira, qual seja o viés de se inclinar em favor de uma cultura política estatólatra. Essa cultura é longeva e teve seu momento mais forte no Estado Novo, institucionalizada pela Carta de 1937, de triste lembrança, mas subsistiu de modo encapuzado nos períodos posteriores, inclusive na democracia de 1946, para não mencionar o regime militar. E, camuflada com arte, encontrou seu lugar neste presidencialismo de coalizão que viceja à sombra da Carta de 1988.
A rigor, evitou-se responder ao desafio de encontrar um caminho original para um governo com origem na esquerda - decerto nada fácil, mas era o que cumpria fazer -, optando-se, mesmo que de modo inicialmente tímido e sem apresentar suas razões, pela restauração de práticas e ideias de um mundo defunto. Para trás, como um fardo embaraçoso de que se devia desvencilhar, a rica história de lutas contra o autoritarismo do regime militar, orientada em favor do fortalecimento da sociedade civil diante do Estado, pela descentralização administrativa, pela emancipação da vida associativa dos trabalhadores e pela defesa do princípio da pluralidade na representação sindical, estes últimos cavalos de batalha do sindicalismo do ABC e dos primórdios do PT.
O legado da resistência democrática seria preservado na Constituinte e consagrado na Carta de 1988, e encontraria seu sistema de defesa nos novos institutos criados por ela, em boa parte dependente de provocação da sociedade ao Poder Judiciário. Mas, apesar dessa relevante ressalva, a restauração de um sistema de capitalismo politicamente orientado, com a pretensão de estar a serviço de ideais de grandeza nacional, veio a minar as possibilidades de uma comunicação fluida do Estado com a sociedade civil, vã a tentativa de aproximá-los com a criação, em 2003, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, hoje uma instituição de carimbo da vontade governamental.
O abandono da agenda que, nas décadas de 1970 e 1980, animou a resistência democrática não é inocente quanto ao atual estado de coisas que ameaça deixar o Estado a girar no vazio, incapaz de manter, em que pese sua política social inclusiva, uma interlocução positiva com os setores que emergiram dos próprios êxitos da modernização do capitalismo brasileiro. Recuperar, de verdade, as lições daquele tempo não é um exercício de memória, mas de História, disciplina interpretativa por excelência, porque é dela que nos vêm os sinais de a qual herança devemos renunciar para seguirmos em frente.
* Professor-pesquisador da Puc-Rio. E-mail: lwerneck096@gmail.com




CPI profunda Editorial FOLHA DE S PAULO

A primeira expectativa em relação à CPI da Petrobras é que ela venha a ser de fato instalada. Posta a funcionar, que não seja travada por arreglos entre partidos que patrocinaram diretores da empresa. Se trabalhar sem tais óbices, espera-se que os congressistas não a desviem de seu propósito, entregando-se à fabricação de escândalos.
Vencidos tantos desafios formais, há ainda a amplitude dos temas que constam do requerimento de instalação. Os parlamentares devem investigar a compra de uma refinaria nos EUA, a suspeita de corrupção de funcionários por empresa holandesa, a insegurança nas plataformas marítimas e o superfaturamento na construção de instalações no Brasil.
Não é pouca coisa, sobretudo para um instituto que o próprio Congresso tratou de desmoralizar. Imaginar a sério que a CPI possa trazer respostas é um testemunho de boa-fé. As perguntas, entretanto, são das mais relevantes.
A princípio, o que deve chamar mais atenção é a história de Pasadena. O assunto presta-se a exame mais profundo do que as conversas corriqueiras sobre o negócio; não se trata apenas de auditoria.
Decerto há que se reavaliar o preço de compra da refinaria, embora a desproporção entre a quantia paga pela Petrobras em 2006 e o valor do negócio em 2005 seja menor do que a alardeada.
Muito mais extravagantes parecem as facilidades concedidas à empresa belga Astra para deixar a sociedade, ademais em condições draconianas para a Petrobras, obrigada a arcar com um sobrepreço considerável.
Como foi possível que tais cláusulas atravessassem despercebidas a análise das instâncias técnicas, jurídicas e financeiras da estatal?
Foi por incompetência, negligência ou cumplicidade que tal negócio desvantajoso ficou esquecido por quase seis anos depois de ter indignado a então presidente do conselho da empresa, ora presidente da República, Dilma Rousseff? O que a politização da Petrobras teria a ver com tal descalabro?
Esse aspecto –a politização além da conta– deve ficar evidente na investigação da refinaria de Pernambuco, fruto de acordo fracassado entre os governos brasileiro e venezuelano. A Petrobras banca sozinha o custo exorbitante desse empreendimento.
Mais relevante que a fracassada diplomacia petroleira é o sacrifício da boa técnica e da boa finança em nome de objetivos políticos menores, ou de política econômica equivocada.
A politização vulgar vai da partidarização mesquinha das nomeações na empresa a sua sujeição a acordos regionais ou internacionais, a lobbies empresariais e à tarefa de remendar a má gestão da economia –como no populismo com o preço dos combustíveis.
Além da possível corrupção, o tema principal da CPI deve ser o profundo descaso com os fundamentos do negócio, que causa prejuízo imenso ao país e que não foi de responsabilidade final de meros diretores da empresa.

As pedras de Graça Foster - Suely Caldas Estadão

"Não fica pedra sobre pedra", prometeu a presidente da Petrobrás, Graça Foster, em entrevista ao jornal O Globo, referindo-se às investigações sobre a desastrada compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, por ela autorizadas com atraso de dois anos e sob pressão da opinião pública. Pasadena não foi o único negócio suspeito da área Internacional que Graça encontrou quando decidiu acumular a diretoria Internacional com a presidência da Petrobrás. Há outros, e ela sabe disso melhor do que ninguém. Por que, então, ela não removeu as pedras ruins em outros casos que apurou, até sem pressão alguma?
Um deles foi o contrato de US$ 825,6 milhões com a empreiteira baiana Odebrecht para realizar serviços nas áreas de segurança e meio ambiente em dez países onde a Petrobrás tem negócios, inclusive na Refinaria de Pasadena. O contrato foi fechado em 2010, quando o também baiano José Sérgio Gabrielli presidia a estatal e o diretor da área Internacional era Jorge Zelada, da cota do PMDB no loteamento partidário da diretoria feito pelo ex-presidente Lula. Ali Graça Foster e o Tribunal de Contas da União encontraram nada menos que 8.800 itens com suspeita de fraudes. Na Argentina, por exemplo, a Petrobrás pagou R$ 7,2 milhões pelo aluguel de três máquinas de fotocópia e R$ 3,2 milhões pelo aluguel de um terreno que era próprio. Nos EUA, o salário de um pedreiro custava R$ 22 mil/mês.
Pois bem, Graça determinou auditoria nas contas, cortou R$ 344 milhões em gastos irregulares e reduziu pela metade o custo do contrato com a Odebrecht. Mas as pedras continuam lá. Nenhuma foi removida, como ela promete agora com Pasadena. O contrato não foi cancelado, não foram identificados os responsáveis nem há notícias de punições. Neste caso, a expressão indignada "não fica pedra sobre pedra" perdeu-se no vento.
Além de Pasadena, o negócio com a Odebrecht é mais um caso para a CPI (se for criada) investigar. Mas há outros na fila, entre eles o suborno (US$ 139,2 milhões) pago pela empresa holandesa SBM Offshore a funcionários da Petrobrás pelo aluguel de plataformas e diversas operações de superfaturamento na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que começou as obras com orçamento de R$ 2,3 bilhões e hoje a estimativa de custo saltou nove vezes, para R$ 20 bilhões.
Na Holanda, a própria SBM Offshore tomou a iniciativa de investigar a denúncia de suborno feita por um funcionário da empresa. Investigou, divulgou para a imprensa e demitiu os funcionários envolvidos. No Brasil, a Petrobrás, quando apura, esconde o resultado da apuração, não divulga e ninguém sabe se há ou não punição, embora seja uma empresa pública que deve explicações aos brasileiros.
No episódio de Pasadena, todo o tempo a direção da estatal tratou o negócio como lícito e correto, apesar de reiteradas denúncias feitas pela imprensa há mais de dois anos. Graça Foster até foi ao Congresso defender a operação. Só agora, com a repercussão negativa da explicação dada pela presidente Dilma Rousseff para aprovar a venda, denunciando como "falho e incompleto" o relatório do diretor Internacional Nestor Cerveró, a presidente da Petrobrás decidiu criar comissão para investigar.
Até o momento nem Graça Foster nem Gabrielli conseguiram explicar por que em todos os detalhes do contrato de venda de Pasadena a belga Astra Oil foi contemplada com generosas vantagens e para a Petrobrás sobraram só carne de pescoço e contas a pagar. Sobre o caso, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, declarou: "É um dever nosso esclarecer, colocar as coisas no devido lugar". E por que não fizeram até agora? Dos responsáveis diretos pela operação, um diretor foi demitido e outro foi parar na cadeia, acusado de corrupção. Nem assim o governo Dilma e a Petrobrás vêm a público dar explicações à população.
Em seus 60 anos, a Petrobrás nunca foi tão humilhada, tão insultada. E na raiz disso tudo está o loteamento de cargos entre partidos políticos, incentivado por Lula e que consolidou a prática de o diretor assumir com a meta de faturar determinado valor para o partido que o colocou no cargo.
*É jornalista e professora da PUC-Rio. E-mail: sucaldas@terra.com.br


Celso Ming Massacre de motoqueiros O Estado de S Paulo

Entre 1996 e 2011, as mortes de motociclistas no trânsito em todo o País aumentaram 932% (veja o gráfico). É o equivalente a uma guerra. Seria algo atribuível apenas a fatalidades?

A pesquisa Mapa da Violência de 2013, elaborada pelo sociólogo Julio Waiselfisz, com base em dados do Ministério da Saúde, aponta 14,6 mil mortes somente nessa categoria, em 2011. São 40 por dia. (O Ministério, por sua vez, com base em outros critérios, registra 11,5 mil motoqueiros mortos no trânsito em 2011, ou 31 por dia).

Só para comparar, em 2013, houve 573 mortes por dengue, o que foi motivo de mobilização nacional para evitar a epidemia. Mas ninguém parece se importar com os motoqueiros.

Excluída a escalada das mortes de motociclistas, o Brasil teria reduzido em 18,7% as mortes no trânsito entre 1996 e 2010, em vez do avanço de 22,6% observado: "As motocicletas constituem o fator impulsor de nossa violência cotidiana nas ruas, o que deve ser enfrentado com estratégias adequadas à magnitude do problema", alerta Waiselfisz.

Em São Paulo, a redução do número de mortes em todas as categorias juntas (pedestres, ciclistas, motociclistas e passageiros), anunciada no último dia 20 pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), já teria sido atingida desde 2006, não fossem esses fatos.

São dados alarmantes que têm a ver com a massificação do uso das motocicletas a partir 1990. Em estudo publicado em 2013, Eduardo Vasconcellos, assessor da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), argumenta que a popularização da utilização de motos foi impulsionada pela liberação da importação em 1991 e por programas de financiamento com juros baixos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. "Com muita demagogia, o aumento do uso da motocicleta foi associado à emancipação dos pobres", diz.

A frota de motocicletas no Brasil passou de 2,8 milhões em 1998, para 18,4 milhões em 2011, o equivalente a 26,1% dos veículos sob registro do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Vasconcellos dá também importância ao que chama de "periculosidade inerente" das motos. Em caso de colisão com outros veículos, a motocicleta leva quase sempre a pior, dada sua massa mais baixa. Uma moto pesa, em média, 120 quilos; um carro, mil quilos; e um caminhão médio, com carga, 15 toneladas.

O presidente da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram), Lucas Pimentel, culpa os vícios do sistema de habilitação. "O processo não prepara adequadamente o condutor de motocicleta, principalmente quanto ao tempo adequado de frenagem", diz. "Todo condutor sem preparo é um acidentado em potencial."

Não dá para descartar como causas de tantas mortes a falta de cumprimento das leis que exigem o uso de equipamentos de segurança como jaqueta, calça, botas e luvas, além do capacete. Vasconcellos destaca que o nível de desrespeito às regras de trânsito por parte dos condutores de motos é muito alto, especialmente no tocante à velocidade máxima permitida e à condução temerária.

O próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB) legitima o perigoso hábito dos motoqueiros de costurar os veículos no trânsito. Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o artigo 56 do CTB, que proibia o tráfego de motos no espaço entre duas fileiras de carros, pois a medida "restringiria sobremaneira" a agilidade das motos.

Os custos das internações hospitalares de motociclistas pelo SUS atingiram R$ 102 milhões em 2012. Mas também há os custos do resgate das vítimas, da remoção dos veículos, dos danos ao mobiliário urbano e à sinalização de trânsito, do atendimento policial e dos agentes de trânsito. E há os processos judiciais, pensões e benefícios que têm de ser pagos em consequência dos acidentes, sem falar nas perdas de receitas sofridas por tanta gente, com a interrupção temporária ou permanente de suas atividades.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou que, em 2011, o custo dos acidentes de trânsito com motos nas cidades brasileiras chegou a R$ 10,6 bilhões. Não é pouco. / Colaborou Danielle Villela 


João Ubaldo Ribeiro - O velho viajante

O velho viajante - cultura - versaoimpressa - Estadão
O Estado de S Paulo
Acordei cedo e me deu um branco total. Não é a primeira vez em que isto me acontece. Pelo contrário, quanto mais velho vou ficando, mais acontece. Onde estou, de que me trato, que horas são, que cama é esta, que cortinas são estas, que quarto é este, aonde eu fui ontem à noite, bebi alguma coisa estranha? Calma, respirar fundo, deve haver uma explicação, sempre há, não entrar em pânico. E, vagarosamente, as respostas me vão chegando. Não estou em casa, estou num quarto de hotel. Começo a fazer uma ideia vaga de meu paradeiro e a confirmo olhando pela janela. No edifício em frente, um cartaz anuncia em francês escritórios para alugar. Claro, estou em Paris e, pouco a pouco, os acontecimentos se encaixam.


O Salão do Livro deste ano está sendo realizado agora e vim como convidado, apresso-me em esclarecer que não à custa de vocês, como é tão frequente entre nós. O Salão é dedicado à literatura argentina, mas, minoritariamente, representantes de outros países também participam, o que é meu caso. Não sei se um Felipão das letras me selecionaria, mas, de qualquer forma, eis-me representando nossas cores novamente e novamente alimentando a esperança de não envergonhar vocês ou a pátria. Como diria um jogador de futebol, respeito os adversários e o alçapão da Sorbonne, mas darei tudo de mim para não decepcionar nossa grande torcida e trazer para casa o caneco.

Bem, não há concentração, treinamento, preleção, coletivas para a imprensa. Cabe apenas esperar a hora e mandar notícias ou comentários. Mas quais? Volta a assaltar-me a nostalgia dos velhos tempos, quando havia realmente novidades no exterior, desconhecidas pela maior parte dos brasileiros, e se podia mentir com desenvoltura, na secular e venerável tradição dos viajantes mais notáveis, desde Heródoto e Marco Polo, sem deixar de incluir o insuperável parente nosso Fernão Mendes Pinto. Sempre me queixo desta situação. Eu certamente não estaria à altura de meus grandes antecessores, mas sem dúvida seria capaz de engendrar algumas patranhas dignas de interesse, que pelo menos dessem para o gasto. Em Itaparica, a gente sempre aprendeu com os mais antigos a contar lorotas da melhor qualidade, Mas, hoje em dia, logo alguém na internet desmascararia a mentira e eu não teria como sustentá-la.

Num departamento semelhante, o dos segredos e pequenas histórias reveladores de estreita intimidade com Paris, o panorama tampouco é encorajador. Não acerto a discorrer sobre o tempo em que eu frequentava os mesmos cafés que os existencialistas e minhas discussões com Sartre às vezes levavam tardes inteiras, enquanto tomávamos o mesmo café a tarde inteira e experimentávamos drogas exóticas. Minhas reminiscências da Rive Gauche, alusões à minha grande familiaridade com a obra de Verlaine ou Baudelaire, o dia em que me enturmei com Juliette Greco, ou a ocasião em que Salvador Dalí me deu de presente um guardanapo usado e autografado que eu, depois de um porre de absinto na companhia de umas coristas do Crazy Horse, perdi não sei como. Tenho colegas capazes de fazer esse tipo de coisa com perfeição, mas eu mesmo não tenho jeito.

O hotel onde estou, bastante antigo, já hospedou brasileiros ilustres, como o mestre Villa-Lobos (que, por sinal, segundo me revelam, gostava de contar as suas historinhas também, envolvendo às vezes as diversas oportunidades em que, na companhia de outros canibais brasileiros, comeu carne de gente) e, principalmente, d. Pedro II. No começo, me animei um bocadinho e pensei em como talvez fosse possível avistar o fantasma de Sua Majestade Imperial, aqui no fim do corredor, e até fazer uma pequena entrevista com ele, mas também não consegui, em parte por causa do vexame que tem sido a república que o depôs. "E o Deodoro, hein?", perguntaria ele, e eu não acertaria a responder.

E, lembrando os velhos tempos de viagem, como sou antigo, meu Deus, um dia destes acordo múmia. As senhoras mais elegantes compareciam ao Galeão às vezes de chapéu de viagem e invariavelmente elegantíssimas, desfilando para cima e para baixo de passaporte discretamente em punho. Na classe econômica, havia menu, talheres de metal e drinques de todo tipo, antes, durante e depois das refeições. E o passageiro não passava todo o percurso com os joelhos de um sueco enfiados nas costas da poltrona, pois cabia decentemente todo mundo e até dava para dormir deitado, quando sobravam alguns assentos vazios. No embarque, o viajante recebia de presente uma caixinha com quatro cigarros especialmente embalados para a companhia aérea, assim como capas especiais para canetas-tinteiro, que do contrário vazariam por causa da pressão do ar e manchariam a roupa.

No começo da viagem, as comissárias de bordo (aeromoças), todas lindas, indagavam se o passageiro já tinha feito aquele percurso antes. Se não tinha, era preparado o diploma de passagem pelo equador, conferido pelo deus Netuno e entregue ao felizardo sob aplausos dos circunstantes. E, depois de uma ou mais escalas em aeroportos exóticos que nunca mais seriam vistos, chegava-se finalmente à terra remota do destino, realmente longe e estrangeira. Era a hora de se acomodar no hotel e providenciar o indispensável telegrama de "cheguei bem", que a família exigia. Telefonar, nem pensar, porque é mais fácil telefonar hoje para Marte do que então para o Brasil. É, não há mais emoções para o velho viajante. Mas, num último esforço de reportagem, talvez eu possa tentar falar com a dupla Montesquieu e Monet, recentemente lembrada pela presidente. Deve ser a zaga do Paris Saint Germain e vai ver que eles me dão umas declarações sobre a Copa, para eu enrolar mais os leitores.


Saudosa maloca Humberto Werneck - O Estado de S.Paulo

Igualzinho a você, tenho aqui uns planos que, embora modestos, nunca vou realizar. Cadê ânimo para ir às vias de fato? Mais fácil pastorear devaneios no ar, como o Drummond fazendeiro, do que correr o risco de descobrir que era tudo mais ou menos bobagem. Um pouco como a botequinesca figura do cineasta passivo, com uma ideia genial na cabeça e nenhuma câmera nas mãos.

Nunca tive uma ideia genial, e também sou ruim de câmera, mas volta e meia reincido na ruminação de alguma coisa que provavelmente jamais escreverei. Por exemplo, um artigo que se chamaria "1979, o ano em que tudo terminou" (título sacado pelo Nirlando Beirão), e que meus neurônios voltam a regurgitar nestes dias em que tanto se fala e escreve a propósito do cinquentenário do golpe de 64. Outra vez me dá vontade de repassar três momentos cruciais de 1979.

Dois deles talvez interessem mais aos jornalistas do que aos seres humanos normais. É daquele ano a derrocada duradoura, senão definitiva, de algumas ilusões - uma das quais, em maio, levou a maioria dos profissionais da imprensa de São Paulo a se precipitar numa greve desastrada e desastrosa. Tínhamos a certeza de contar com a adesão dos gráficos, pois, afinal, na luta de classes que opõe trabalhadores e patrões, estávamos na mesma canoa.

A adesão não veio, sinal de que até canoa tem primeira e segunda classe, e foi pelos jornais que acompanhamos o fracasso do movimento cujo êxito dependia de não haver jornais nas bancas. Lembro-me de ter entrado num ônibus, de madrugada, e arengado para uns gatos pingados que voltavam do trabalho: Não comprem jornais! - concitei, sem obter que um único músculo se movesse no semblante exausto do proletariado. Agora é que esses caras vão correr para a primeira banca - concluí, dando por encerrada minha carreira de tribuno. Lembro-me também de meia dúzia de piqueteiros amanhecendo na Marginal do Tietê quando a greve estertorava, um deles, cheio de graça e conhaque, com um megafone apontado em direção ao prédio onde funcionava a Veja: "Atenção, Editora Abril, vocês estão cercados!"

Meses depois, vi esfarinhar-se outra ilusão que não era só minha - a de que bastava reunir gente talentosa e idealista para criar, com pouco mais que nada, um bom jornal, indispensável naquele momento em que a anistia, prestes a ser promulgada, assinalaria o começo do fim da ditadura. Em torno de Mino Carta formou-se um timaço de que faziam parte, entre outros, Claudio Abramo, Roberto Pompeu de Toledo, Ricardo Kotscho e Paulo Markun, além do citado Nirlando.

Não durou seis meses o Jornal da República. Pouquíssimas semanas depois da edição inaugural, de 27 de agosto, o sócio capitalista tirou o time, esvaziando bruscamente os corpos cavernosos que, no limiar da idade madura, mantinham de pé nossa quimera.

Por essa época, exatamente, meados de 1979, vivemos todos, jornalistas e seres humanos normais, o terceiro momento marcante a que me referi - a anistia caolha que ainda hoje tentamos digerir.

Em meio à alegria do retorno dos exilados (lembro-me de Leonel Brizola, com seu terno jeans, visitando a redação do Jornal da República, por onde passou também Fernando Gabeira com um modelito de derrubar os queixos), pôde-se por fim desatar o laço que por anos mantivera promiscuamente empacotadas as mais incompatíveis correntes da esquerda nacional.

Uma trincheira (usava-se terminologia bélica) desconfortável sobretudo porque nela, em nome da unidade sem a qual não derrotaríamos a ditadura, não havia espaço para a dissensão, para o diálogo democrático. Éramos, nesse aspecto, de uma rigidez cadavérica. E eis que de repente estávamos libertos da amarra, cada qual entregue a si mesmo, para o bem e para o mal, uns e outros procurando espaço e uns tantos se estranhando na nova paisagem: o que é isso, companheiro?

Passou? Nem tanto: 35 anos depois, tropeço ainda em ex-combatentes nostálgicos dos bons tempos (a ditadura, acredite) em que, jovens e puros, nós nos irmanávamos na mesma trincheira da luta pela liberdade. Se esse pessoal atualizasse ao menos a linguagem...

E a tal conversa sobre 1979, o ano em que tudo terminou? Desconfio que termina aqui.




Merval Pereira: Voto esclarecedor


O Globo

O voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo do chamado “mensalão do PSDB mineiro”, que enviou para a primeira instância da Justiça de Minas a acusação contra o ex-governador e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo, depois que ele renunciou ao mandato de deputado federal, tem servido aos petistas e suas redes de blogs militantes, pagos ou não, como prova de que a Ação Penal 470, a do “mensalão petista”, teve um tratamento de exceção, pois deveria ter sido desmembrada e enviada para a primeira instância no que tange aos réus que não tinham mandato parlamentar, como o ex-ministro José Dirceu.
No voto de Barroso há uma interessante análise do foro por prerrogativa de função, e o desmembramento dos processos. Como o chamado foro privilegiado é a exceção, explica Barroso em seu voto, a regra é que se dê o desmembramento do processo quando existam réus que não desfrutem de tal prerrogativa. “Este fato, com frequência, traz embaraços para a investigação, que acaba ficando fragmentada”.
A propósito, ele destaca que “a jurisprudência da Corte já vem admitindo a possibilidade de prorrogar sua competência para conduzir o inquérito ou realizar o julgamento de réus desprovidos da prerrogativa de foro, nos casos em que o desmembramento seja excessivamente prejudicial para a adequada elucidação dos fatos”.
Ora, foi justamente essa a razão por que o plenário do STF aprovou o não desmembramento do processo do “mensalão petista”, compatível com a jurisdição daquela Corte. Barroso, aliás, já propôs que seja definida uma regra para o desmembramento de processos. O mesmo raciocínio levou o ministro Barroso a propor um critério geral para acabar com o que classifica “a farra que é o foro por prerrogativa de função”.
Ele deu em seu relatório exemplos de como “o processo sobe e desce, vai e vem”. Sua proposta, que teve 4 votos (o dele, o de Teori Zavascki, o de Luiz Fux e o de Joaquim Barbosa), é definir o recebimento da denúncia como o momento a partir do qual a renúncia não impedirá mais que o processo continue a ser julgado pelo STF “tendo em vista a necessidade de se preservar a seriedade da jurisdição, evitando que o foro privilegiado se converta em objeto de manipulação”.
Mesmo nessa posição, o relator votou a favor do encaminhamento do processo à 1ª instância. Na definição de Barroso, “a questão concreta, apesar da carga política, era relativamente simples do ponto de vista técnico. Em matéria penal, não há como mudar jurisprudência para trás”.
Ele acha que “a ideia de que é preciso um critério geral mais rígido vai prevalecer um pouco mais à frente”. Barroso aproveitou seu voto para propor a reformulação do foro por prerrogativa de função. Pela proposta, o foro privilegiado do STF deveria ser limitado a um número reduzido de autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, os presidentes do Senado e da Câmara, o procurador-geral da República e os ministros da própria Corte.
Para as demais, “para não deixar a autoridade pública sujeita à má-fé ou ao oportunismo político de ações penais em qualquer parte do país”, seria criada uma Vara Especializada em Brasília, com um juiz titular para julgar ações penais e outro juiz titular para julgar ações de improbidade, escolhidos pelo STF.
Essa vara e esses juízes seriam competentes para as ações penais e de improbidade contra os parlamentares, ministros e autoridades federais que hoje têm foro privilegiado.
Tais juízes serviriam por um prazo certo, algo em torno de quatro anos ou cinco. Ao final, eles seriam automaticamente promovidos para o Tribunal Regional Federal, na 1ª vaga disponível para membros da magistratura. Isso daria a eles independência. Não poderiam, por dois ou três anos, ser promovidos para instância mais elevada, para que não utilizassem o cargo como trampolim.
Da decisão do STF sobre o “mensalão mineiro” ficou a sensação de que mais uma vez a decisão do plenário correspondeu ao entendimento técnico de seus membros.
Além de notar que a decisão, em tese beneficiando o PSDB em ano eleitoral, foi tomada com base no relatório de um dos ministros acusados de terem entrado no STF para amenizar as penas dos mensaleiros petistas, é preciso destacar que o único voto contra o envio do processo para a 1ª instância foi o do presidente do STF, ministro Joaquim Babosa, aquele acusado pelos petistas de ter sido o algoz no julgamento do mensalão

Dora Kramer - Demanda reprimida


O Estado de S. Paulo
Nessa batida a coisa vira rotina: de agosto de 2013 para cá foram seis os deputados federais com prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal. Na média, quase um por mês. Estatística impressionante se comparada à inexistência de punições do tipo a contar de 1988, quando a Constituição determinou que o foro de julgamento (dito privilegiado) de autoridades seria o STF.
O que ocorre? Nada de excepcional, apenas a fila andou. E lentamente, se considerarmos que levou pouco menos de 12 anos entre a mudança da lei que confundia imunidade com impunidade e as primeiras punições efetivas no que diz respeito a integrantes do Congresso Nacional.
Mas, diante do que ocorria até novembro de 2001, antes tarde do que nunca. O constituinte de 88 assegurou a inviolabilidade dos votos e da palavra dos parlamentares, mas a estendeu aos crimes comuns, pois os processos eram automaticamente suspensos mediante a diplomação do eleito. Se o crime fosse cometido no exercício do mandato, o STF precisaria de autorização do Legislativo para abrir uma ação.
Os tempos eram outros, a sociedade menos vigilante, o espírito de corpo mais atuante e, com isso, a autorização nunca era concedida. Já houve casos de senadores suspeitos de tráfico de drogas, homicídios, desvios de verbas públicas e uma série de crimes, cujos pedidos do Supremo foram simplesmente arquivados sem maiores explicações.
O aumento dos escândalos, no entanto, fez crescer a pressão sobre o Legislativo e finalmente, no fim de 2001, foi promulgada a emenda 35 ao artigo 53 da Carta, que inverte a situação anterior. Hoje, o STF inicia o processo e, se o Congresso quiser impedir, precisa aprovar por maioria a suspensão da ação. Um desconforto, no mínimo.
Os seis parlamentares condenados podem representar um número significativo se comparados à situação de impunidade total. Mas representam quase nada diante das 834 ações ou inquéritos que, segundo levantamento feito pelo Estado em novembro do ano passado, tramitam no Supremo Tribunal Federal contra políticos.
Em 36% delas existem indícios de crimes como lavagem de dinheiro, desvio de recursos, falsidade ideológica e homicídio.
Leite derramado. O que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a devolução do processo do tucano Eduardo Azeredo à primeira instância, devido à renúncia ao mandato de deputado federal, ensina aos condenados do mensalão é que excesso de confiança nem sempre é bom conselheiro.
Mesmo levando em conta que a composição da Corte na época era outra, o placar de 8 a 1 em relação a Azeredo autoriza a suposição de que, se os deputados mensaleiros tivessem renunciado aos mandatos antes do início do julgamento, a ação penal 470 não seria examinada pelo STF, que remeteria os autos ao foro de origem.
Mas, os réus preferiram confiar em dois fatores. No campo político, na influência de Luiz Inácio da Silva. No âmbito jurídico, seguiram a tese defendida por Márcio Thomaz Bastos quando ainda ministro da Justiça, segundo a qual o que houve foi crime eleitoral.
O foro privilegiado dos deputados e o não desmembramento do processo foram o que manteve o caso no Supremo. Sem possibilidade de recurso.
Oferta e procura. Isolado, o índice de 36% de avaliação positiva do governo não é motivo para a oposição se entusiasmar desde já. O então presidente Lula tinha pouco mais que isso no início de 2006 e ganhou a eleição.
Mas, aqui, entram outros fatores que fazem a diferença. O primeiro, as "curvas". Desde novembro do ano anterior Lula vinha em rota ascendente nas pesquisas; a trajetória de Dilma é descendente.
O segundo, o anseio do eleitor. Em 2002, havia o desejo de mudança; deu oposição. Em 2006 e 2010, a demanda do eleitorado era por continuidade; deu governo. Em 2014, diante da procura por mudança, o marketing tentará "ofertar" a presidente na moldura da transformação.

Eliane Cantanhêde: Desastres nada naturais

FOLHA DE S PAULO

Para a presidente e candidata Dilma Rousseff, a semana passada foi um desastre na política e na economia. E nada indica que vá melhorar nesta e nas próximas.

Começou com o rebaixamento da nota do Brasil, que a Fazenda, zangada, desdenhou como "inconsistente". Os resultados da economia no resto da semana, porém, confirmaram que a agência de classificação de risco Standard & Poor's não estava chutando.

Primeiro, veio o rombo das contas do Tesouro em fevereiro, com os gastos federais superando a arrecadação em mais de R$ 3 bilhões e ameaçando o compromisso do governo com um superávit primário robusto neste ano. Depois, veio o IGP-M batendo em 7,3% em 12 meses, reforçando o que o mercado vem dizendo: a inflação pode ultrapassar o teto da meta em 2014.

Na política, a compra esquisita da refinaria de Pasadena, nos EUA, jogou luzes sobre a bagunça, o desmando, a perda de valor e o aparelhamento da Petrobras desde o governo Lula e, de quebra, queimou a imagem de "gerentona" de Dilma.

Mas o pior é que Pasadena catalisou a insatisfação crescente do Congresso. Como as oposições conseguiram assinaturas suficientes para a CPI, se a presidente tem a maior base aliada das galáxias?

Todo esse caldo de erros na economia, na política e na gestão acabaria, mais cedo ou mais tarde, entornando nas pesquisas. Pois a CNI/Ibope apontou que a percepção popular sobre o governo desandou em todos os itens e áreas e que a popularidade de Dilma caiu 7 pontos.

A semana fechou com o ministro Edison Lobão, que está rouco de tanto negar o racionamento, falando em economia de energia para não faltar luz na Copa. Não é demais?

Entretanto, o desemprego continua baixo e em queda e as ações da Petrobras dispararam, a Bolsa subiu e o dólar caiu, apesar de todos os desastres. Ou seria justamente por causa deles e do que projetam? Isso dá uma boa reflexão.

sábado, março 29, 2014

Para assustar, bastam os números oficiais Rolf Kuntz*

- O Estado de S.Paulo
A grande ambição do governo deve ser, nesta altura, um ano tão bom ou tão ruim quanto 2013, na economia brasileira, mas até esse desejo será frustrado se as novas projeções do Banco Central (BC) estiverem certas. A presidente Dilma Rousseff está arriscada a completar quatro anos de mandato com um crescimento médio de apenas 2% ao ano e os principais indicadores caindo pelas tabelas - tabelas de produção, de inflação, de investimento e de comércio exterior. Os dados e previsões divulgados durante a semana por várias das principais fontes de informação econômica - BC, Tesouro, Ipea, Confederação Nacional da Indústria e Fundação Getúlio Vargas - parecem ter sido elaborados para apoiar a Standard & Poor's (S&P) e justificar o rebaixamento da nota de crédito do País, anunciada na segunda-feira à noite.
Noticiado o rebaixamento, o ministro da Fazenda estrilou, a presidente ficou irritada, como sempre, e até o BC soltou uma nota sobre o assunto, com uma estranha referência a "austeridade na condução da política macroeconômica". Não se sabe se foi gozação, mas a nota, embora curta, foi alinhada com o discurso oficial.
Será difícil encontrar essa austeridade nas contas públicas divulgadas nesta semana. Segundo relatório do Tesouro, a receita do governo central no primeiro bimestre, R$ 212,11 bilhões, foi 9,6% maior que a de janeiro e fevereiro de 2o13. Descontadas as transferências a Estados e municípios, sobrou uma receita líquida de R$ 168,34 bilhões, 7,3% superior à de um ano antes. A despesa total, R$ 158,46 bilhões, foi 15,5% maior que a do bimestre inicial do ano passado. O gasto com pessoal e encargos, R$ 35,67 bilhões, aumentou 13,5% na mesma comparação. Como resultado, o superávit primário, R$ 9,88 bilhões, foi 49,8% menor que o do período correspondente de 2013.
Não foi um começo brilhante para quem promete chegar a dezembro com um resultado primário - para todo o setor público - equivalente a 1,9% do produto interno bruto (PIB), proporção igual à obtida no ano passado. A maior parte do superávit primário de 2013 foi obtida com receitas especiais (dividendos elevados, bônus de concessões e arrecadação inicial de uma nova renegociação de dívidas tributárias) e com alguns truques, como o adiamento para o começo do ano de algumas transferências e pagamentos. A Standard & Poor's e outras agências de classificação conhecem esses lances, como a imprensa e os analistas do setor financeiro e das consultorias.
Também ruim foi o quadro geral do setor público - União, Estados, municípios e estatais - divulgado pelo BC na sexta-feira. O resultado primário do primeiro bimestre caiu de 5,29% do PIB em 2012 para 3,66% em 2013 e 2,73% neste ano. O déficit nominal (incluído, portanto, o pagamento de juros) chegou a R$ 20 bilhões em janeiro e fevereiro e a R$ 161,9 bilhões em 12 meses (3,3% do PIB). É proporcionalmente menor que o de vários países desenvolvidos, mas os juros cobrados pelos financiadores do Brasil são bem maiores - detalhe frequentemente negligenciado nas arengas oficiais.
Na mesma semana o BC despejou um balde de más notícias e de projeções muito ruins, complementos perfeitos da argumentação apresentada pelo pessoal da Standard & Poor's. O déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, US$ 19,03 bilhões nos primeiros dois meses, foi 6,19% maior que o de um ano antes. As estimativas para 2014 foram revistas pela primeira vez em vários meses. O buraco estimado para a conta corrente passou de US$ 78 bilhões para US$ 80 bilhões, muito próximo do contabilizado em 2013, US$ 81,37 bilhões.
O valor estimado para o superávit comercial diminuiu de US$ 10 bilhões para US$ 8 bilhões. A variação corresponde à revisão, para menos, da receita prevista para as exportações (US$ 253 bilhões na versão atual). O aumento de apenas 4,47% projetado para as exportações de bens reflete as condições da indústria. Pela nova estimativa, a produção industrial deve crescer 1,5%, pouco mais que em 2013 (1,3%). O desempenho da indústria de transformação continuará péssimo, com expansão de 0,5% (1,9% no ano passado). O pessoal do BC parece ter pouca ilusão quanto à competitividade do setor. O crescimento do PIB foi revisto de 2,3%, o mesmo de 2013, para 2%. Mas agora se projeta uma inflação de 6,1%, maior que a do ano anterior (5,9%).
O aumento da inflação é indisfarçável. O último dado apareceu na sexta-feira. O Índice de Preços Gerais do Mercado (IGP-M) subiu 1,67% em março. Em fevereiro havia aumentado 0,38%. A maior pressão veio dos produtos agropecuários, com alta de 6,16% no atacado. No varejo, a alimentação encareceu 1,55%. Foi o fator principal do aumento de 0,82% dos preços ao consumidor. A conversa, agora, é de uma nova inflação dos alimentos. É bom ter cuidado com essa conversa.
O famigerado vilão da inflação pode variar de um ano para outro e até de mês para mês, mas o aumento geral e persistente dos preços ocorre somente quando há condições de repasse, de contágio dos demais preços e de realimentação da ciranda. A nova pressão dos alimentos é recente. Em 12 meses, os preços industriais subiram 8,45% no atacado, enquanto os agrícolas aumentaram 5,77%. O problema, portanto, está longe de ser a alta desta ou daquela categoria de preços. É mais amplo e está associado a fatores como crédito, gasto público, renda das famílias e expectativas de consumidores e empresários. O governo tem negligenciado a sua parte e o BC aceitou por longo tempo, até abril do ano passado, a política de juros da presidente da República.
Apesar de alguma acomodação do consumo, o desequilíbrio no mercado interno permanece. A indústria continua incapaz de atender à demanda, como se reconhece na nova Carta de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O desajuste reflete-se na alta de preços e na deterioração do comércio exterior. O cenário é bem conhecido. Só o governo parece ignorá-lo.
*Jornalista

Mantega no país das maravilhas EDITORIAL O Estado de S.Paulo


O governo poderá proclamar mais uma de suas vitórias imaginárias se a inflação deste ano ficar em 6,5%, limite da margem de tolerância. Será, novamente, uma das taxas mais altas do mundo, mas a administração federal tem ambições modestas quando se trata de conter a alta de preços. "Este ano a inflação não vai passar dos limites", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em aula magna, sexta-feira, na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. A desculpa, neste ano, estará associada à alta dos preços de alimentos, já tomados como vilões do custo de vida em anos anteriores. Esses vilões nem sempre estiveram presentes, mas o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para a política monetária, há muito tempo vem subindo mais que os 4,5% fixados como objetivo. "De 2003 em diante temos mantido a inflação dentro da meta", acrescentou o ministro. A informação é incorreta. Meta é uma coisa, margem de tolerância é outra. Só para ficar nos últimos três anos, os resultados foram: 6,5% em 2011, 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013, sempre longe, portanto, do alvo oficial.
A promessa do ministro da Fazenda evidencia, mais uma vez, uma dupla complacência do governo - com a inflação e com as próprias falhas. Essas falhas, incluída a péssima administração do dinheiro público, são muito mais importantes que as cotações dos alimentos como fatores da alta geral e persistente dos preços. O ministro reafirmou a promessa de um superávit primário - o dinheiro usado para pagar os juros - equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, igual ao de 2013. O País, segundo ele, apresentou no ano passado um dos melhores resultados primários dos países do Grupo dos 20 (G-20). "Não se pode questionar nossa seriedade fiscal", bravateou.
Nenhum público razoavelmente informado pode levar a sério qualquer dessas declarações. O resultado primário de 2013, assim como o do ano anterior, foi conseguido com receitas não recorrentes, como dividendos e bônus de concessões, e com truques contábeis prontamente desmascarados e conhecidos mundialmente como "contabilidade criativa". Neste ano, a meta de 1,9% está claramente vinculada à expectativa de receitas de ocasião, como já comentaram vários analistas.
Ao anunciar o rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil, na segunda-feira passada, a agência Standard & Poor's classificou como "desafiadora" a meta fiscal definida para 2014, lembrando o uso de expedientes nada ortodoxos no fechamento das contas públicas nos últimos anos. Será o governo capaz de apresentar o resultado prometido sem recorrer a truques e a receitas especiais? Esse ponto é fundamental, quando se trata de avaliar a política fiscal executada em qualquer país. Além disso, a comparação do Brasil com a maior parte dos países do G-20 serve mais para confundir do que para esclarecer.
A comparação adequada é com os emergentes. Muitos deles apresentam indicadores econômicos muito melhores que os do Brasil, quando tomados em conjunto. Isso inclui as contas públicas, a inflação, a expansão do PIB e o comércio exterior. Ao explicar a decisão de rebaixar a nota do Brasil, os dirigentes da Standard & Poor's mencionaram vários componentes do quadro econômico, incluídos o baixo crescimento do produto e a deterioração das contas externas. Se esses indicadores continuarem ruins, acabarão afetando seriamente as condições fiscais e a capacidade de pagamento do setor público.
O ministro mencionou ainda, entre outros aspectos positivos da economia nacional, a geração de empregos, num mercado onde "há disputa de trabalhadores qualificados" e salário real em alta. Mas ele novamente negligenciou detalhes de importância vital. A indústria, estagnada, vem demitindo e as contratações têm dependido principalmente dos serviços. São empregos de baixa produtividade. A procura de trabalhadores qualificados de fato ocorre. Mas, se existe alguma "disputa", é simplesmente porque essa mão de obra é escassa. É uma consequência dos erros cometidos na política educacional, muito mais voltada para a demagogia do que para a formação de trabalhadores capacitados.

Jogando Dinheiro Fora - Adriano Pires: O Globo

Jogando Dinheiro Fora - Adriano Pires: O Globo



Hoje (28/03) pela manhã, o leilão da UHE Três Irmãos (SP - 807,5 MW), que pertencia a CESP e não aderiu à renovação das concessões nos moldes da MP579, terminou com apenas uma proposta apresentada. O consórcio Novo Oriente foi o vencedor sem concorrência e ao preço teto de R$ 31,263 milhões. O grupo é formado pelo fundo de investimentos e participações FIP Constantinopla com 50,1% de participação e por Furnas, que detém os 49,9% restantes.
Esse foi mais um exemplo de como os modelos montados pelo Governo estão afastando o interesse dos investidores. Assim como no caso do leilão do Campo de Libra, a "joia da coroa" da exploração de petróleo no Brasil, houve apenas um consórcio interessado na usina. Em qualquer lugar do mundo, um leilão de uma usina como essa deveria atrair muitos interessados por estar localizada no maior centro consumidor do país. Mais uma vez, perdeu-se a oportunidade de arrecadar recursos que poderiam ser revertidos para o bem-estar da população. O Governo prefere continuar com as políticas populistas, que enganam a população com um desconto forçado nas contas de luz, enquanto se acumula uma conta bilionária a ser paga pela própria população, seja como consumidor de energia ou como contribuinte. E, mantendo-se a tradição do Governo, a estatal Eletrobras continua sendo maltratada. Em 2013, a Eletrobras apresentou um prejuízo de R$ 6,29 bilhões.

CPI profunda -Folha de S.Paulo Editorial

Editorial: CPI profunda - 29/03/2014 - Opinião - Folha de S.Paulo


A primeira expectativa em relação à CPI da Petrobras é que ela venha a ser de fato instalada. Posta a funcionar, que não seja travada por arreglos entre partidos que patrocinaram diretores da empresa. Se trabalhar sem tais óbices, espera-se que os congressistas não a desviem de seu propósito, entregando-se à fabricação de escândalos.
Vencidos tantos desafios formais, há ainda a amplitude dos temas que constam do requerimento de instalação. Os parlamentares devem investigar a compra de uma refinaria nos EUA, a suspeita de corrupção de funcionários por empresa holandesa, a insegurança nas plataformas marítimas e o superfaturamento na construção de instalações no Brasil.
Não é pouca coisa, sobretudo para um instituto que o próprio Congresso tratou de desmoralizar. Imaginar a sério que a CPI possa trazer respostas é um testemunho de boa-fé. As perguntas, entretanto, são das mais relevantes.
A princípio, o que deve chamar mais atenção é a história de Pasadena. O assunto presta-se a exame mais profundo do que as conversas corriqueiras sobre o negócio; não se trata apenas de auditoria.
Decerto há que se reavaliar o preço de compra da refinaria, embora a desproporção entre a quantia paga pela Petrobras em 2006 e o valor do negócio em 2005 seja menor do que a alardeada.
Muito mais extravagantes parecem as facilidades concedidas à empresa belga Astra para deixar a sociedade, ademais em condições draconianas para a Petrobras, obrigada a arcar com um sobrepreço considerável.
Como foi possível que tais cláusulas atravessassem despercebidas a análise das instâncias técnicas, jurídicas e financeiras da estatal?
Foi por incompetência, negligência ou cumplicidade que tal negócio desvantajoso ficou esquecido por quase seis anos depois de ter indignado a então presidente do conselho da empresa, ora presidente da República, Dilma Rousseff? O que a politização da Petrobras teria a ver com tal descalabro?
Esse aspecto –a politização além da conta– deve ficar evidente na investigação da refinaria de Pernambuco, fruto de acordo fracassado entre os governos brasileiro e venezuelano. A Petrobras banca sozinha o custo exorbitante desse empreendimento.
Mais relevante que a fracassada diplomacia petroleira é o sacrifício da boa técnica e da boa finança em nome de objetivos políticos menores, ou de política econômica equivocada.
A politização vulgar vai da partidarização mesquinha das nomeações na empresa a sua sujeição a acordos regionais ou internacionais, a lobbies empresariais e à tarefa de remendar a má gestão da economia –como no populismo com o preço dos combustíveis.
Além da possível corrupção, o tema principal da CPI deve ser o profundo descaso com os fundamentos do negócio, que causa prejuízo imenso ao país e que não foi de responsabilidade final de meros diretores da empresa.


Os idos de março (e o 1º de abril) - Demetrio Magnoli -

Os idos de março (e o 1º de abril) - 29/03/2014 - Demetrio Magnoli - Colunistas - Folha de S.Paulo

Folha de SPAULO 


"O esquecimento, e eu diria mesmo o erro histórico, é um fator essencial na criação de uma nação –e, por isso, o progresso dos estudos históricos representa um perigo para a nacionalidade." O nacionalista Ernest Renan queria que, em nome da unidade francesa, os cidadãos de seu país esquecessem as matanças do Midi, no século 13, e o massacre de protestantes da noite de São Bartolomeu, em 1572. Nosso problema é o oposto: são as revisões políticas de 1964, expressas nas simétricas (e patéticas) Marcha da Família e Marcha Antifascista, que representam perigo –não para a nacionalidade, mas para a convivência democrática.
O golpe de 1964 não nos salvou da "ameaça comunista", que inexistia, nem foi urdido por um "fascismo" puramente imaginário. Os militares não estavam sós. Ulysses Guimarães os apoiou. Depois, com justiça, virou herói da resistência. Todos os grandes jornais, exceto o "Última Hora", também os apoiaram. O célebre editorial "Basta!", de 31 de março de 1964, marcou a virada golpista do "Correio da Manhã". Foi escrito por jornalistas de esquerda: Edmundo Moniz (exilado em 1968), Osvaldo Peralva (preso em 1968), Newton Rodrigues, Otto Maria Carpeaux e Carlos Heitor Cony (preso em 1965 e 1968, tornou-se beneficiário de uma gorda "bolsa anistia"). Na mesma linha estavam Alberto Dines e Antônio Callado. "Fascismo", sério mesmo?
A "ditabranda" (Folha dixit!) converteu-se em ditadura dura em 1968. O AI-5 teve 17 signatários, entre os quais Delfim Netto, que se tornaria um dileto conselheiro de Lula. Depois dele, o "Estadão" virou herói da resistência –com justiça, e ao contrário da Folha e de "O Globo". Ninguém, porém, na grande imprensa, veiculou elogios tão rasgados ao general Médici e à Operação Bandeirante, o aparelho subterrâneo de tortura, como a "Veja" dirigida por Mino Carta com pulso de ferro (seu lugar-tenente dixit!), em editoriais e reportagens publicados na hora mais sombria (curiosos podem consultar, entre outras, as edições de 4/2/1970 e de 1/4/1970 no arquivo digital da revista). Viva a memória, abaixo a caça às bruxas.
Nem "fascismo", nem "neoliberalismo". A efêmera etapa liberal de Roberto Campos deu lugar ao neonacionalismo militar de Médici e Geisel, aplaudido de pé por um alto empresariado que amava as estatais (como ainda ama) e adorava girar em torno da luz do poder (como ainda adora). Rupturas, mas também continuidades: pouco antes do primeiro triunfo eleitoral, Lula prometeu restaurar o "planejamento de longo prazo" do regime militar. Você prefere a memória ou o esquecimento?
Caçadas de bruxas: jovens saíram às ruas para insultar idosos militares reformados, alegadamente ligados às torturas. Os torturadores não eram "maçãs podres", mas peças de uma engrenagem comandada pela cúpula do regime e financiada por respeitados empresários. Promulgada pelo último general-presidente, a Lei de Anistia paralisa a ação dos tribunais, protegendo a máquina inteira de repressão política da ditadura. Em troca da impunidade, ofereceram as "bolsas anistia", tanto as justas quanto as escandalosas. De Sarney a Dilma, todos os governos civis aceitaram o intercâmbio vergonhoso.
Comissão da Verdade, pá de cal. Sem justiça, proibida pela lei, temos um simulacro de memória esculpido segundo as conveniências do presente –e os teatros de máscaras dos marchadores que seguem um crucifixo ou aquela chata canção do Vandré. Criança ainda, no aeroporto, eu vi os cartazes sinistros com as fotos dos "terroristas procurados" –um deles, o pai de um colega de escola. Adolescente, permaneci estático, como os demais, nas escadarias da Catedral da Sé, após o ato ecumênico em memória de Vladimir Herzog, aguardando o chamado a uma passeata que nunca veio. Minha geração tinha direito a coisa melhor que as encenações em curso do nosso "punto final".


Merval Pereira: Tendências

O Globo

As duas pesquisas do Ibope divulgadas com a diferença de uma semana, realizadas praticamente no mesmo período de março, a de intenção de votos entre 13 e 20 e a de popularidade entre 14 e 17, mostram sem dúvida uma tendência de queda na aprovação do governo, mas mantém a presidente Dilma na dianteira da corrida presidencial graças a eleitores que apesar de avaliar seu governo como razoável, mesmo assim a preferem às opções existentes na oposição.

As pesquisas foram realizadas em cidades diferentes e por pesquisadores diferentes, uma para o próprio Ibope, que a divulgou através do jornal estado de S. Paulo, e a outra encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que há 20 anos realiza esse levantamento sem fazer pesquisa de intenção de voto, mas apenas de popularidade.

Ao todo, foram 4 mil entrevistas, o que dá uma boa visão do quadro atual. Nem a presidente está “se desmanchando”, como vê o ex-governador José Serra, nem a constante redução da popularidade, um bom sinal para a oposição, tem conseqüências práticas até o momento, pois seus representantes não conseguiram ainda trazer para si a insatisfação do eleitorado.

Embora a avaliação positiva da presidente fosse de 43%, o mesmo nível da sua intenção de voto, Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, diz que as duas medições têm relação entre si, mas não obrigatoriamente terão sempre os mesmo índices. Mas há coincidências interessantes: a avaliação positiva do governo caiu de 43% para 36% em relação a dezembro, uma queda de 7 pontos percentuais, enquanto o de ruim ou péssimo subiu os mesmos 7 pontos percentuais, indo de 20% para 27%.

Essa queda têm sido constante, pois em fevereiro outra pesquisa, do jornal Estado de S. Paulo, já mostrava queda de 3 pontos em relação à de dezembro. A resiliência que a candidatura da presidente Dilma demonstra ter nesses meses de queda de popularidade é um fator contra a oposição se imaginarmos que há um grupo grande de eleitores, cerca de 40% do total, que querem uma mudança inclusive da presidente, mas os candidatos oposicionistas só receberam até agora 25% dos votos nas pesquisas de opinião, aí computados os dos chamados candidatos nanicos.

A pesquisa do Ibope/CNI, no entanto, revela uma queda generalizada da avaliação do governo nas nove áreas pesquisadas. Na Educação, o total de quem desaprova a atuação de Dilma aumentou de 58% para 65%; na Saúde, passou de 72% para 77%; na Segurança Pública subiu de 70% para 76%, e no Meio Ambiente, a desaprovação aumentou de 47% para 54%. Até mesmo na área do governo mais bem avaliada, a de combate à fome e à pobreza, também registrou uma redução na aprovação, de 53% para 48%.

Foram, porém, as áreas relacionadas à economia que tiveram as maiores quedas, prenunciando maus momentos com os problemas que estão no foco do debate político, como os problemas da Petrobrás e o desarranjo nas contas públicas que ocasionou o rebaixamento do grau de investimento do país.

Até o combate ao desemprego, praticamente o carro-chefe do governo, teve a desaprovação aumentada, passando de 49% para 57%. Não são boas novas para o governo, e indicam um grau de insatisfação latente que pode se transferir para a oposição desde que seus candidatos consigam transmitir ao eleitorado a segurança de que têm projetos para o país.

Tudo indica que esta eleição será decidida a favor do candidato que leve ao cidadão comum a esperança de dias melhores, como aconteceu em 2002 quando o sentimento que prevalecia era o de mudança, como hoje. Se não houver uma mensagem forte nesse sentido, o poder incumbente se impõe pela inércia, auxiliado por uma máquina pública que trabalha sempre a favor de quem está no poder.

Essa foi, sem dúvida, a mensagem que o governador Eduardo Campos e a ex-senadora Marina Silva quiseram enviar no programa de ontem, identificando-se como “filhos da esperança”. Feito para grudar sua imagem à de Marina, na esperança de que o eleitorado da Rede identifique Campos como o seu candidato, o programa do PSB pode ter pecado por colocá-lo em plano muito igual ao de Marina.

Em meados de abril teremos dois eventos cruciais para a oposição: o programa nacional do PSDB estrelado pelo senador Aécio Neves, e o lançamento da chapa Campos-Marina. Mas o jogo começa mesmo em julho, depois da Copa e das convenções partidárias. A partir daí as pesquisas ganham relevância como informação. Hoje servem mais para especulação.

Dilma e sua circunstância - por Ruy Fabiano

Dilma e sua circunstância - Ricardo Noblat: O Globo

Blog do Noblat -

Ortega y Gasset cunhou a máxima de que o homem não é um ser isolado: é ele e sua circunstância. E é como tal que tem de ser avaliado. Em política, isso é ainda mais verdadeiro. Nenhum líder fala e age apenas por si. Expressa sua circunstância.

Portanto, a presidente Dilma Rousseff não pode ser avaliada apenas como indivíduo, pessoalmente honesta e empenhada em acertar. Há a sua circunstância – e aí reside sua tragédia.
É ela – sua circunstância – que a obriga a comprometer seu patrimônio moral e pessoal, avalizando transações tenebrosas como a compra da refinaria de Pasadena, ora objeto de CPI, ou fazendo vista grossa aos "malfeitos" de sua caótica base parlamentar.
De um lado, o PT, com suas facções, empenhadas em eternizar-se no poder, fazendo caixa com dinheiro público, aparelhando o Estado. De outro, os aliados fisiológicos, PMDB à frente, indiferentes ao projeto de poder dessas facções, desde que lhes caiba um naco nutritivo do aparelho do Estado.
Dilma, a rigor, não simpatiza, nem é simpatizada por nenhuma dessas alas. É vista no PT como uma arrivista, já que não fez parte de sua gênese, oriunda que é do PDT brizolista. Não fosse o apadrinhamento de Lula e jamais chegaria aonde está. Furou a fila, o que, em política, custa caro, gera inimigos.
Com relação aos fisiológicos, teve sempre grandes dificuldades, pois tal convívio impõe negociações constantes, concessões, o que lhe contraria a índole autoritária de neófita em política. Experiência não se improvisa.
Daí as frequentes tensões com os aliados, que resultaram na recente dissidência do PMDB, liderada pelo líder na Câmara, Eduardo Cunha, personagem pelo qual Dilma nutre particular e notória aversão – que, diga-se, é recíproca.
A perda de apoio na base coincide com a difusão mais ampla dos escândalos da Petrobras, que pode desembocar numa CPI mista, desastrosa às suas pretensões reeletivas, para dizer o mínimo. O espírito autofágico da política induz parte dos aliados do PT – os que sonham com a volta de Lula – a torcer intimamente pelo colapso eleitoral da presidente.
Dilma, pois, está exposta ao fogo amigo, que frequentemente é mais impiedoso e destrutivo que o da oposição. Na melhor das hipóteses, a CPI joga ao lixo a imagem que lhe foi construída de gerentona; na pior, pode até lhe levar ao impeachment, o que, embora improvável, não é impossível. Sempre que se fala em CPI, tem-se em mente o axioma de que se sabe como começa, porém nunca como acaba.
Para agravar a circunstância da presidente, a economia vai mal. E economia, como se sabe, não é ciência exata. Reflete o ambiente psicossocial. Prova disso é que a queda da presidente nas pesquisas e a iminência da CPI da Petrobras, em vez de gerar pessimismo junto aos agentes econômicos, produziram o inverso. As ações da Petrobras, por exemplo, subiram.
Não há como dissociar essa mudança da expectativa que a crise criou de mudança a partir das eleições de outubro. Dilma deixou de ser vista como fatalidade eleitoral – e com ela a manutenção do status quo petista. E isso começa a ser celebrado em setores que até aqui deram sustentação pragmática ao petismo, sobretudo empresários do setor financeiro.
Como coroamento desse quadro, há o silêncio de Lula. A pergunta que não quer calar é: o que estará pensando disso tudo? É beneficiário da crise ou provável co-réu da CPI? Afinal, tudo se deu em seu governo. 2014 promete ser (já está sendo) um ano de muitas, muitas emoções.
Ruy Fabiano é jornalista.
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