quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Brasil deverá cair para a 9ª posição entre as maiores economias | Reinaldo Azevedo - Blog - VEJA.com

Por Talita Fernandes, na VEJA.com:

Ao fim deste ano, o Brasil pode ficar ainda mais longe do posto de sexta economia mundial, ostentado por apenas alguns meses ao longo de 2012. Estimativas da Economist Intelligence Unit (EIU), consultoria ligada à revista britânica The Economist, mostram que o país pode passar da sétima para a nona posição, ficando atrás de outros dois membros dos Brics: Índia e Rússia.

O levantamento feito pela EIU mostra que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil pode encolher de 2,2 trilhões de dólares em 2013 para 2,1 trilhões de dólares em 2014. Entre os principais fatores que provocam a queda estão o baixo crescimento estimado para este ano, de apenas 1,7%, e uma forte desvalorização do real. Para chegar a esses números, foi usado um câmbio médio de 2,44 reais, o mesmo parâmetro usado pelo governo no Orçamento de 2014.

"Depois de ter ocupado brevemente a sexta posição, graças ao boom e a uma taxa de câmbio sobrevalorizada, o Brasil perdeu o seu brilho e isso reflete na queda para a nona colocação, atrás de Índia e Rússia", afirma Robert Wood, analista da EIU. Contudo, ele pondera que o país ainda seguirá em posição de destaque e deve continuar na mira de investidores. "Apesar da perspectiva de baixo crescimento, o Brasil ainda está entre as dez maiores economias e deve atrair considerável Investimento Estrangeiro Direto (IED), de cerca de 60 bilhões de dólares, este ano."

Efeito do câmbio
Considerando as nove maiores economias do mundo (veja gráfico), apenas Brasil e Japão tiveram um crescimento tímido do PIB em 2013, provocado pela baixa taxa de alta da economia e pela desvalorização de suas moedas. Enquanto o real teve uma desvalorização de 12,86% – entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2014 -, o iene perdeu 15,78% frente ao dólar em igual período. Além disso, os dois países têm a mesma perspectiva de crescimento para 2014, de 1,7%, segundo a EIU, perdendo apenas para a Alemanha e para a França em ritmo de crescimento, cujas economias devem expandir 1,4% e 0,8% neste ano. Já os países que vão passar à frente do Brasil devem vivenciar crescimento de 6% (Índia) e 2,8% (Rússia) este ano.

Apesar de o Japão e o Brasil terem mostrado redução considerável do PIB nominal devido à conversão das moedas locais para o dólar, eles não são os únicos a sofrer com a variação cambial. Outras moedas emergentes, como o rublo (Rússia) e a rupia (Índia) também foram afetados pela diminuição dos estímulos do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e sofreram desvalorização de 15,14% e 11,55% frente ao dólar, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2014.

Período de ajuste
Contudo, não dá para culpar apenas o cenário externo – desculpa usada com frequência pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega – pela perda de duas posições entre as dez maiores economias do globo. Para o diretor de pesquisas para a América Latina da Nomura Securities, Tony Volpon, os países emergentes vivem um momento de ajuste. Ele explica que tais economias, entre elas o Brasil, se beneficiaram no passado do forte crescimento da China e da ampla oferta de crédito no mercado global. "Todos esses países que estavam dependendo dessas duas fontes vão ter de procurar outras formas de crescimento. Por isso, todas essas economias estão passando por um processo de ajuste", comenta.

Para ele, esses países precisam agora tomar decisões políticas para retomar taxas maiores de crescimento. Volpon lembra, inclusive, que 2014 é ano de eleições para três dos Brics: Brasil e África do Sul vão eleger novos presidentes e a Índia também vai às urnas para escolher um novo primeiro-ministro.

No Brasil, o analista diz que é necessário fazer mudanças na área fiscal para se conseguir atingir uma taxa de crescimento sustentável acima do patamar de 2%. "A pergunta que tem de ser feita é se queremos ser uma economia de 2% ou 2,5% ou se vamos fazer mudanças para ser um país de 4%. É uma escolha que o país tem que fazer", diz. Ele acredita que o Brasil vai passar por pelo menos dois anos de ajuste, dado que, por ser ano eleitoral, nem todas as mudanças necessárias serão feitas em 2014. "Vai ter alguma mudança no Brasil porque a situação se impõe. O problema é que o governo faz não porque acredita, mas porque o mercado exige. Com isso, o risco é que as mudanças ocorram muito devagar. E, pior: elas podem parar de acontecer quando a pressão do mercado acabar", comenta Volpon.

Para o analista, uma das principais mudanças que têm de ser feitas é na quantidade de impostos e na forma em que eles são cobrados, além de uma adequação do tamanho do Estado na economia.



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A pior petrolífera - CARLOS ALBERTO SARDENBERG Jornal O Globo

O melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo bem administrada; o segundo, dizia Nelson Rockefeller, é uma petrolífera mal administrada. E o terceiro, acrescentou um gaiato brasileiro, é a Petrobras.

Seria a venezuelana PDVSA a quarta?

A gestão do negócio é um desastre. Na era chavista, num momento de alta demanda pelo óleo, a empresa conseguiu perder produção e reservas. Isso foi consequência de incapacidade gerencial, na medida em que os postos de comando da estatal foram preenchidos por políticos e militantes. Menos engenheiros, mais companheiros.

Mas como petróleo dá dinheiro mesmo com ofensas, o segundo grande desastre venezuelano foi na utilização das receitas da PDVSA. O que seria o certo? Investir primeiro na própria companhia, de modo a torná-la mais produtiva e mais rica — quando, então, pagaria mais dividendos e mais impostos para o caixa do governo. Com esse bom financiamento, o governo poderia fazer as políticas sociais que quisesse.

Chávez, porém, avançou no caixa da empresa. Convenhamos que era uma tentação irresistível para um político populista: todo mês, aquela montanha de dinheiro ali, dando sopa... Precisa comprar fogão para distribuir nas favelas? Manda a PDVSA comprar. Quem precisa de petróleo e faz fogão barato? A China. Negócio fechado.

Para Cuba e outros amigos, a PDVSA passou a entregar petróleo quase de graça e, ainda assim, pago com o trabalho de médicos e agentes do serviço secreto. Verdade que os médicos também são muito mal remunerados e os agentes, muito úteis para reprimir protestos. Mas o óleo continua saindo barato para os amigos e caro para a PDVSA.

Com tudo isso, não espanta que um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo tenha conseguido ficar sem dólares. O caos econômico em que o chavismo meteu a Venezuela é o desastre da PDVSA em escala nacional.

A Petrobras não é a PDVSA — qualquer um percebe isso. Mas, olhando no detalhe, parece que tem muita gente do governo querendo imitar os companheiros venezuelanos.

A estatal brasileira divulgou lucro em seu balanço na última terça. Ontem, as ações da companhia despencaram na bolsa. As ordinárias caíram abaixo dos R$ 13. Valiam mais de R$ 50 há apenas cinco anos.

Não é especulação de mercado. Reflete, por exemplo, a queda na produção nacional, embora existindo muito petróleo para ser explorado. Uma queda tão expressiva que se a produção subir 7% neste ano — conforme promessa da empresa —voltaria ao nível de 2010. Ou seja, a empresa está fazendo muito menos do que poderia. Por isso, vale menos.

A presidente da Petrobras, Graça Foster, ali colocada pela presidente Dilma, não critica a gestão anterior, do tempo de Lula. Mas tudo que ela faz e diz é, sim, crítica a seus antecessores. Diz que, para recuperar a companhia, está cortando custos e mudando sistemas de modo a ganhar mais eficiência e eliminar desperdícios. Feitos por quem?

Também criou um programa de prevenção a fraudes. Notaram a palavra "prevenção"? Pois é, por que não colocaram "combate" à corrupção? Porque seria um ataque direto aos antecessores, também petistas, como elas, Dilma e Graça.

Mas está claro para todo mundo que o programa foi anunciado quando apareceram denúncias fortes, inclusive no exterior.

O governo brasileiro não está avançando diretamente no caixa de sua petrolífera. Mas indiretamente, está. Ao reprimir os preços da gasolina e do diesel, para combater a inflação, o governo obriga sua empresa a importar por um preço e vender aqui mais barato. Prejuízo na veia, dívida em alta.

Nesse ambiente, manda a Petrobras ampliar seus investimentos, inclusive em refinarias alocadas politicamente, uma delas, a de Pernambuco, em sociedade com, ela mesma, a PDVSA.

Graça Foster diz, em resumo, o seguinte: OK, tivemos problemas, mas daqui em diante será diferente. Mas faz algum tempo que diz isso. E faz algum tempo que não consegue seus objetivos, como a crucial correção dos preços dos combustíveis.

E há detalhes, digamos assim, que inquietam. Descobriram que a Petrobras entrou com R$ 650 mil em patrocínios para o Congresso Nacional do MST — aquele em que os congressistas tentaram invadir o Supremo Tribunal Federal. Perguntada, a Petrobras disse que o dinheiro se destinava a uma mostra de cultura camponesa, parte do congresso, e que o patrocínio se alinha com o programa da estatal na direção de uma "produção inclusiva e sustentável".

Petróleo "inclusivo e sustentável"? Nem a PDVSA conseguiria frase, assim, mais reveladora.



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Entregaram a Petrobras -Vinicius Torres Freire -Folha de S.Paulo

O pessoal do PT costuma dizer que o pessoal do PSDB é "entreguista", entre outros motivos porque pretendia privatizar a Petrobras. Pelo menos, costumava dizer. Não se ouve tal conversa desde que o governo do PT começou a entregar a Petrobras ao brejo.

Antes de continuar, note-se que alguns tucanos, economistas em particular, gostariam de ter privatizado a Petrobras. No entanto, FHC sempre recusou a ideia.

O preço das ações da Petrobras caiu ontem pelas tabelas, um dia depois do anúncio do resultado de 2013. O papel vale menos do que no início do século.

A dívida da empresa cresceu uns 50% no ano passado. A relação entre dívida e geração de caixa aumentou brutalmente em 2013. Investidores puseram a nota de crédito da empresa no bico do corvo.

Grosso modo, essa situação se deve ao fato de a empresa não fazer dinheiro bastante para compensar seu programa monstruoso de investimentos, "monstruoso" no bom sentido. A Petrobras é responsável por mais de 10% do investimento do país (da "formação bruta de capital fixo", de despesa em novas instalações produtivas etc.).

Por que a Petrobras dá passo maior do que a perna? O problema não é bem esse. Na verdade, o governo tem cortado a perna da empresa. Faz a petroleira gastar demais e faturar pouco.

A Petrobras gasta demais em um programa excessivamente generoso de compras de equipamentos nacionais, mais caros. Desastrosa mesmo, porém, é a obrigação da empresa de comprar combustível no exterior para vendê-lo abaixo do custo aqui no Brasil, história mais que sabida.

A Petrobras foi transformada numa seção do departamento estatal de controle de preços. O governo subsidia o combustível ao custo da saúde financeira da empresa. Como agora todo mundo sabe, tal subsídio, além de maquiar a inflação, provoca desastres em cadeia.

O subsídio incentiva o consumo de gasolina, o que, além distorcer a alocação de recursos, cria prejuízos ambientais.

O subsídio ajuda a desorganizar o setor sucroalcooleiro e agregados: a gasolina barata demais prejudica a produção de álcool. Assim, desarranja-se a produção de um setor que vai muito além de cana, açúcar e álcool, mas envolve ainda a cadeia de empresas de equipamentos para usinas de álcool e a rede de ciência e tecnologia nacionais que sempre estiveram associadas à cana e álcool.

O subsídio ajudou a prejudicar as contas externas. Ajudou a aumentar o crescente deficit externo, o que tornou ainda mais problemática a situação do país em um momento de indisposição da finança internacional de bancar essa conta. O subsídio prejudica a arrecadação de impostos de um governo que apresentou deficit crescentes em suas contas.

Trata-se de um desastre multidimensional.

A presidente de Petrobras, Graça Foster, fez sua carreira inteira na empresa, é dedicada, capaz e tem feito malabarismos a fim de evitar que a empresa afunde mais no brejo. Não vai dá pé, até que seja possível administrar a empresa com tal, como um negócio.

O governo tem reconhecido tacitamente bobagens que fez, como no caso das contas públicas. Precisa agora resolver a encrenca da Petrobras, a primeira de uma fila.



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terça-feira, fevereiro 25, 2014

Sobre a fragilidade - Economia - Versão Impressa - Estadão Mobile


Sobre a fragilidade

Celso Ming - O Estado de S.Paulo

O governo Dilma nem sempre é coerente nos seus diagnósticos e, até mesmo nas justificativas, às vezes, se enreda em contradições.

Depois de passar meses avisando que a ação dos grandes bancos centrais vinha produzindo estragos na economia - o argumento da guerra cambial provinha disso -, o ministro Guido Mantega tenta convencer o público e as autoridades estrangeiras de que o Brasil não está vulnerável aos vaivéns da política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).

A percepção corrente no exterior é a de que os países emergentes estão fazendo água. O Brasil, que encabeçava a sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), dos países mais promissores, passou a integrar a lista dos "cinco mais frágeis" (Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia e Turquia).

Há 11 dias, foi a vez de o Fed repassar documento oficial ao Congresso dos Estados Unidos em que ficou dito que o Brasil é, entre as economias emergentes, a segunda mais vulnerável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiu quarta-feira que os emergentes estão mesmo a perigo.

E este é um dos temas centrais nos debates no Grupo dos 20 (G-20) que termina hoje em Sydney, na Austrália. Os países emergentes querem que o impacto sobre a economia deles seja levado em conta pelos grandes bancos centrais quando despejam ou retiram moeda do mercado. Ontem, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Jacob Lew, foi além e avisou que os emergentes estão vulneráveis não por culpa nem do Fed nem do governo dos Estados Unidos, mas por imprevidência e má condução da política econômica dos próprios emergentes. Que ponham ordem na casa e executem as reformas para melhorar o funcionamento dos seus sistemas imunológicos e deixar de afugentar os investidores. O secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Guria, fez intervenções na mesma direção.

O ministro Mantega agora tenta reverter essa impressão de que o Brasil não aguenta o tranco. Tem repetido que a economia está preparada porque tem reservas de US$ 376 bilhões e dívida pública sob controle, começou a puxar os juros para cima antes dos outros emergentes, em abril de 2013, e está apertando a política fiscal.

No entanto, nas explicações que dá para o baixo crescimento econômico, para a inflação de quase 6% ao ano e para o rombo nas contas externas (veja, a propósito, o Confira), Mantega insiste em que é a resposta à crise dos países ricos que provoca volatilidades demais e prejudica os emergentes.

O que conta é que nem os Estados Unidos, nem a União Europeia, nem mesmo a China mudarão o curso de suas políticas apenas porque os emergentes não gostam de bombear água para fora dos porões dos seus navios.

A única opção é fortalecer os navios, procedimento de que a presidente Dilma não parece convencida, seja porque não gosta de reformas e de austeridade, seja porque continua aferrada à ideia de que a economia brasileira não tem fragilidades.





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domingo, fevereiro 23, 2014

Defesa de territórios - DORA KRAMER


O Estado de S.Paulo - 23/02

Em tempo de campanha eleitoral antecipada, os partidos de oposição resolveram se adiantar no lançamento dos respectivos candidatos à Presidência da República.

Pela lei, esses atos deveriam acontecer nas convenções que se realizam a partir de 12 de junho (dia do início da Copa do Mundo). Mas, o PSB já quer anunciar a chapa Eduardo Campos e Marina Silva em alguma data logo após o carnaval e o PSDB em princípio escolheu o dia 29 de março para lançar a candidatura de Aécio Neves.

O nome do vice ainda está em discussão, mas há por ora quase unanimidade em torno do nome do senador por São Paulo Aloysio Nunes Ferreira, também tucano.

Uma decisão está tomada: o ato de lançamento será em São Paulo, pelo mesmo motivo que a composição da chapa deixa de adotar como regra a aliança com outro partido e opta pelo critério regional.

Sendo São Paulo o maior colégio eleitoral do País (32 milhões dos 140 milhões de eleitores), a avaliação dos tucanos é que nesse caso uma chapa puro-sangue agrega mais eleitores que uma aliança partidária.

Minas Gerais, palco do lançamento da candidatura do paulista Geraldo Alckmin em 2006, é território dado como ocupado por Aécio, que precisa conquistar a Pauliceia, onde já é bem conhecido do empresariado, mas praticamente um anônimo entre o grande público.

Nos encontros com lideranças regionais do partido o mineiro tem dito uma frase (de efeito, claro) que passará a repetir com frequência: "Me deem São Paulo que eu lhes entrego a Presidência da República".

Pelo raciocínio da densidade eleitoral seria de se imaginar que Eduardo Campos faria seu ato também em terras paulistanas, mas nesse caso a equação é outra.

Leva em conta o peso de Marina Silva no Rio de Janeiro e por isso será lá o anúncio oficial. Em 2010 a então candidata a presidente pelo PV teve 31% dos votos no Rio, a segunda maior votação do País. A primeira obteve em Brasília, onde foi a campeã, com 41, 96%.

Qual a ideia do PSB? Óbvia. Começar a jornada testando o potencial de transferência de votos de Marina para Campos num Estado em que o capital eleitoral dela é forte.

Lançar a candidatura em Pernambuco ou em outro Estado do Nordeste seria chover no molhado; a mesma lógica adotada por Aécio ao não fazer em Minas. Muito embora nenhum dos dois pretenda deixar os respectivos Estados de lado, obedecendo à regra segundo a qual se começa a ganhar uma eleição "em casa".

Os "tiros" iniciais refletem apenas os alvos escolhidos como pontos de partida. E note-se que os dois continuam a atuar numa espécie de parceria não escrita. Embora ambos precisem do Rio e de São Paulo, nem Aécio nem Campos "invadiram" as arenas escolhidas por um e por outro para oficializar as candidaturas.

Até quando vai durar o pacto de não agressão é uma pergunta que no mundo político todos fazem. Mas os candidatos não parecem afobados. Sabem que a hora chegará, mas que não é para já. Por enquanto precisam conquistar terreno.

Isso quer dizer se tornar conhecidos do eleitorado. Espaço há. A presidente Dilma Rousseff, conhecida por 99,6% das pessoas consultadas nas pesquisas, tem 43,7% das intenções de votos.

Na última consulta divulgada pela CNT, na semana passada, 12,1% diziam preferir que o próximo eleito (ou eleita) continue "totalmente" a governar da forma atual. Só que 37,2% afirmaram o contrário: querem que o governo seguinte mude completamente a maneira de atuar.

De onde parece evidente que o favoritismo decorre da exposição da presidente em contraste com menor número de canais de comunicação à disposição dos oponentes.

Se realidade ou mera impressão, poderemos conferir a partir do meio do ano, quando a lei proíbe propaganda de governo e, apesar de Dilma contar com 70% do horário eleitoral, nos programas de TV - notadamente o Jornal Nacional -, todos têm espaço igual garantido. Foi o que, em 2010, fez a fama de Marina.

Terrorismo tupiniquim - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 23/02
O combate à violência nas manifestações populares é o centro da discussão sobre uma nova legislação, a ser aprovada pelo Congresso, agravando as penas e, no limite, enquadrando atos de vandalismo e explosões - como a que gerou a morte do cinegrafista Santiago Andrade - na categoria de terrorismo urbano. Será necessária mesmo uma nova legislação para combater essas ações dos black blocs e afins, ou bastaria que a lei existente fosse aplicada com rigor? É correto tratar os atos de vandalismo como terrorismo, ou é preciso separar as ações para que eventos internacionais como a Copa do Mundo possam ser protegidos de possíveis atos terroristas?
Eu mesmo escrevi uma coluna classificando de terrorismo o ato de atirar um rojão em meio às manifestações. E disse, logo depois das primeiras badernas, em junho, que os vândalos deveriam ser tratados com todo o rigor e colocados na cadeia. Aceito as reações contrárias à tese do terrorismo e acho que o tema merece mais debate. Continuo, no entanto, defendendo rigor na repressão a esses atos de vandalismo, que, mesmo se não podem ser classificados como terrorismo, são antidemocráticos.

O jurista Aurélio Wander Bastos, da Unirio e do Iuperj, considera que é preciso incluir a definição de terrorismo na Constituição. Ele cita o artigo 9º da Constituição Política do Chile, de 1980, que define o terrorismo como crime contra os direitos humanos e diz que os delitos serão considerados sempre comuns e não políticos para todos os efeitos legais e não se concederá a esses casos indulto particular, salvo para comutar a pena de morte pela de prisão perpétua .

Para o professor, esse texto mostra exatamente e pioneiramente na América Latina uma forma de regulamentação dos atos de terrorismo, pressupondo que qualquer lei deve ter embasamento constitucional, o que significa que no Brasil antes de se elaborar Projeto de Lei, deve-se editar emenda constitucional .

O deputado federal do PSB Alfredo Sirkis considera erro confundir a franja violenta das manifestações, das quais o black bloc é uma das etiquetas, com o terrorismo propriamente dito. Ele compara os black blocs com torcidas violentas nos estádios, hooligans ou skinheads. Para enfrentá-los, antes que inviabilizem e desmobilizem preventivamente toda e qualquer manifestação massiva, bastam alguns ajustes na legislação comum proibindo uso de máscaras, objetos de agressão e criando a figura do delito de ação e organização coletiva aplicável da mesma forma às torcidas violentas .

Para ele, a tipificação de terrorismo no projeto em discussão no Senado é totalmente equivocada : A rigor, defesa da legalização do aborto poderia ser enquadrada como ´ofensa à vida´? Um programa de rádio como aquele famoso de Orson Wells narrando o fantasioso desembarque dos marcianos na Terra poderia ser considerado terrorismo por ´difundir o pânico generalizado´?

O consultor de assuntos internacionais Nelson Franco Jobim, embora concorde que não se pode graduar a pena de black blocs comparando-os a Al Qaeda , diz que não dá para ignorar as possíveis consequências de explodir uma bomba .

A outra questão importante para ele é o compromisso da esquerda com a democracia no mundo pós-Muro de Berlim: a democracia é um fim em si ou apenas uma etapa ou instrumento na construção do socialismo? No segundo caso, a ´democracia burguesa´ seria ilegítima para os oprimidos e explorados, que teriam o direito de combatê-la usando a força .

Sirkis considera que, com relação ao vandalismo, é preciso destacar a responsabilidade por um lado, da leniência da extrema-esquerda e, sem dúvida alguma, a manipulação por parte de políticos ´locais´ com contas a ajustar com o governo do estado .

O criminalista Cosmo Ferreira diz que terrorismo tem tanto a ver com manifestações violentas quanto Pilatos no Credo. É absurdidade tratar vândalos, black blocs, como terroristas . Para ele, são criminosos comuns; sua conduta não se enquadra nos instrumentos internacionais sobre terrorismo. Nosso arsenal jurídico é mais do que suficiente para puni-los. O que quer nosso Parlamento, criar um terrorismo tupiniquim? .

O capim e os burros - Celso Ming

Estadão 

Velha ilustração usada para ensinar as excelências da cooperação (veja ao lado) mostra o que tem ocorrido entre governo federal e Banco Central (BC). Dois burros atados por uma corda puxam em direções opostas, cada um para a sua touceira de capim.

Ou seja, a política fiscal, que cuida das receitas e despesas do governo federal, e a política monetária, que cuida do volume de dinheiro na economia e, em consequência, dos juros básicos, quase nunca se entendem. Ao deixar que as despesas cresçam bem mais do que as receitas, a política fiscal cria renda demais e demanda demais e, portanto, produz inflação. Enquanto isso, a política monetária, que restringe o volume de moeda, tenta conter a inflação. O resultado, por enquanto, é inflação alta, perda de confiança e tudo o mais que vem a reboque. Quinta-feira, o ministro Guido Mantega admitiu que mais austeridade ajuda o BC a derrubar a inflação.

Depois que Antonio Palocci foi substituído por Mantega na administração Lula, governo federal e BC viviam em conflito. Mantega pisava no acelerador das despesas e o então presidente do BC, Henrique Meirelles, tratava de pisar nos freios. Às vezes, o presidente Lula chamava ambos às falas, mas Mantega exigia que o BC se enquadrasse às suas orientações, como prevê o organograma, e Meirelles operava como se fosse autônomo. Na prática, tomava a política fiscal expansionista do governo federal como dado de realidade para definir a política de juros.

O governo Dilma iniciou novo período de convergência para puxar o consumo: Alexandre Tombini encarregou-se de derrubar os juros e Mantega se atirou à gastança. A partir de abril de 2013, embora mais disfarçado ou mesmo negado, o conflito ressurgiu. O governo federal foi perdulário na administração das despesas públicas porque entendia que precisava definir políticas contracíclicas, ou seja, precisava compensar com mais gastos os efeitos recessivos da crise externa. Em seus documentos, o BC deixou de reclamar da política expansionista do governo federal como repetia até julho de 2013, e passou a afirmar que "a política fiscal tende a convergir para a neutralidade", o que significa que, lá pelas tantas, a política fiscal deixará de produzir inflação. A atitude básica do BC é a mesma: toma os resultados da política fiscal como dado de realidade e trata de empurrar os juros para onde acha que têm de ir.

E assim ficou: a inflação não cedeu porque a política monetária não conta com a colaboração da política fiscal. Agora o governo promete mais austeridade, não porque entende que precise ajudar a derrubar a demanda, mas porque teme o rebaixamento da qualidade dos títulos do Tesouro pela agência de classificação de risco Standard & Poor's, como esta Coluna apontou quarta-feira.

O resultado desse desencontro não foi só inflação alta, distorções da política econômica e avanço raquítico do PIB, mas, também, a retração dos investimentos. Quem ganhou foram as touceiras de capim, não alcançadas pelos burros.




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    Suely Caldas Confiar desconfiando


    Há algumas fragilidades embutidas na nova meta fiscal do governo que levaram analistas e agentes econômicos a confiarem desconfiando. A meta em si (um superávit de R$ 99 bilhões, equivalente a 1,9% do PIB) é realista e factível. O corte de R$ 44 bilhões nos gastos também. São números que merecem ser festejados - deixaram para trás os devaneios dos últimos três anos. Por que, então, a desconfiança?

    A eleição é o fator mais imponderável: a candidata-presidente vai negar dinheiro para atender a demandas de aliados políticos vindas do País inteiro? Vai recusar gastar o que for preciso para atender à voz das ruas e investir em transportes ou apressar obras para inaugurá-las e ganhar votos? A incerteza em relação ao comportamento de governantes/candidatos em períodos eleitorais é sustentada no vasto histórico dos políticos brasileiros em geral e, em particular, no inesgotável e ardente desejo do PT de ganhar eleição a qualquer custo.

    Outro fator imponderável é o que fará Dilma se, ao longo do ano, as despesas crescerem mais do que o previsto, a receita tributária for insuficiente para cobri-las e ameaçar o cumprimento da meta. Ela vai recorrer a truques e malabarismos da tal contabilidade criativa dos três anos anteriores? Isso ela parece ter aprendido, sabe que triangulações financeiras forçadas, receitas falaciosas e outras pajelanças arquitetadas por assessores minaram a confiança dos empresários e subtraíram investimentos em seu governo. Pedir a Mantega uma meta fiscal realista é sinal de que não pretende recorrer a artifícios.

    Só que Mantega calculou a receita tributária - essencial para o superávit primário de 1,9% do PIB - com base em estimativa otimista de uma taxa de crescimento econômico de 2,5%, enquanto os analistas (inclusive ligados ao governo, como o ex-secretário executivo da Fazenda Nelson Barbosa) não acreditam em mais de 1,5%. E 1% a menos na já minúscula previsão do PIB faz enorme diferença para o resultado final da receita tributária. Resta o recurso de remanejar verbas de uma para outra área. Mas será possível fazê-lo sem prejudicar investimentos e a área social, que Dilma quer preservar neste ano eleitoral? Difícil.

    Até porque há no Orçamento outras fragilidades técnicas não equacionadas, que pressionarão o resultado fiscal ao longo do ano. Uma delas é tão clara que salta aos olhos: a previsão de déficit para a Previdência foi calculada em R$ 40 bilhões, 25% menor que os R$ 49,85 bilhões de 2013, mesmo com o reajuste de 6,78% do salário mínimo e nenhuma mudança no cenário que fundamente tal otimismo futurológico.

    A segunda fragilidade é mais complexa, pois arrisca debilitar ainda mais a situação financeira das empresas do setor elétrico e comprometer a qualidade de serviços de manutenção da rede, potencializando a ocorrência de apagões País afora. É que o governo decidiu reservar no Orçamento só R$ 9 bilhões para subsidiar o consumo de energia em 2014 (em 2013 foram R$ 9,8 bilhões), mas nada destinou para cobrir os crescentes prejuízos causados pela longa estiagem do verão, que levou as empresas a comprarem energia das termoelétricas a preços mais caros do que vendem aos consumidores.

    Há duas alternativas de solução para o problema: ou a candidata/presidente subtrai do Orçamento de 2014 mais R$ 9 bilhões (estimativa de técnicos do governo) para cobrir os prejuízos das empresas ou os repassa para o consumidor via aumento da tarifa. O assunto foi recorrente no encontro de Mantega com analistas internacionais na sexta-feira. O ministro não esclareceu por qual solução o governo vai optar, mas definiu o mês de abril como último prazo para decidir, depois de avaliar os estragos da seca nos reservatórios de hidrelétricas e quantificar prejuízos. A decisão mais simples seria reajustar a tarifa. Mas aí entra o dilema eleitoral: qual interesse vai prevalecer, o da presidente ou o da candidata?

    Infelizmente, os fatos têm mostrado que a redução da tarifa de energia está mais para um monstrengo do que para um carro-chefe de campanha - para a presidente e para a candidata.

    *Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-RIO. E-mail: sucaldas@terra.com.br.  


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      JOAO UBALDO Almoço com celular

      Estadão 

      - Alô! Me chama o Jefferson aí. Ôi, Jefferson, tudo bem? Teu celular só vive ocupado, você gasta tempo demais com ele. Tu tá lembrado da reunião que eu marquei com todo o pessoal de vendas, às quatro horas, não tá? É, eu sei que te falei antes de sair, mas tu sabe que meus negócios são sempre tipo cinto e suspensório; se um não segurar, o outro garante, isso já ensinava o velho desde que eu me entendo. Eu... Segura aí um instante, agora vou ter de interromper, o Gustavo acaba de chegar para o nosso almoço. Gustavão, parece uma eternidade, mas você está ótimo, que prazer! Desculpa que eu não te vi chegar, estou atendendo a um chamado urgente lá do escritório.

      - Eu percebi, não se preocupe, comigo é a mesma coisa. Aliás, eu prefiro até que você conclua sua chamada, porque eu aproveito e também faço uma ligação que estou precisando, para uns caras de São Paulo, viajo amanhã.

      - Ah, então vamos em frente. Assim a área fica logo limpa, para a gente colocar em dia os atrasados, tem mesmo muito tempo que não nos vemos. É rápido. Alô! Jefferson? Tudo bem, Jefferson? Eu estava ligando para perguntar se tu tava lembrado da reunião que eu marquei com o pessoal de vendas para as quatro horas. É, tu me disse que tava lembrado, então é isso. A Dulce está aí? A Dulce...

      - Alô, é o Nicola? Tudo bem, contigo, Nicola, como vai a Pauliceia? É isso mesmo, todo mundo tem de correr atrás, aqui no Rio é a mesma coisa. Escuta, tudo certo, então, não é? Isso mesmo, é no hotel de sempre, tudo como sempre, eu só queria confirmar, odeio imprevistos. E, como sempre, eu vou direto de Congonhas para teu escritório, tudo como sempre, a não ser que alterem o voo e aí eu te ligo na hora. E o Parmeira, hein?

      - Dulce? O Jefferson te falou que hoje eu marquei reunião para as quatro da tarde, com todo o pessoal de vendas? Falou duas vezes? É isso mesmo, está certo, quem mandou avisar duas vezes fui eu, eu faço questão de checar tudo, é por isso que cheguei onde cheguei.

      - Então certo, Nicola, amanhã no teu escritório e uma tremenda massa na cantina depois! Viva o Parmeira, ho-ho!

      - Agora vou desligar, Dulce, o Gustavo também desligou, nós não nos vemos há muito tempo, temos muita coisa para botar em dia. Gustavo, cheguei a pensar que não ia dar para marcar este almoço. Outro dia eu tentei ligar para teu celular e não consegui, só dava aviso de fora da área de cobertura. O teu fixo eu perdi e tentei o celular dias seguidos. Cheguei a pensar em desistir.

      - É, essa operadora é o fim, todo mundo reclama. Eu caí nela por causa do aparelho, o aparelho é fantástico e tem a melhor câmera que eu já vi. Eu tenho um filmezinho aqui, do churrasco na casa de meu cunhado, que parece coisa de cinema, nunca vi definição igual, me deu a ideia de pegar esse celular nos fins de semana e fazer um documentário do bairro. Olha aqui essa imagem, vê se não é fantástica.

      - É, é uma beleza mesmo, mas a do meu é praticamente a mesma coisa, esses aparelhos estão ficando cada vez mais parecidos. O problema é esse negócio de você não receber ligações.

      - Mas será que é tanto assim? Tenta aí de novo.

      - Pronto. Exatamente, parece combinado: fora da área de cobertura.

      - Como "fora da área de cobertura", se eu estou aqui, sentado na tua frente?

      - Escuta você mesmo.

      - É. É verdade. Só no Brasil acontecem essas coisas, é impressionante. Se eu fosse americano, tomava um zorrilhão de dólares dessa operadora, como indenização. Lá eles botam pra quebrar, é por isso que tudo funciona, não é como esta esculhambação aqui. Eu vou reclamar agora!

      - Não é melhor reclamar mais tarde?

      - Não, tem de reclamar agora, com o sangue quente mesmo, isso é um absurdo!

      - Eu falo porque você vai cair numa gravação e vai ficar digitando os números que eles mandarem e depois ouvindo musiquinhas e mensagens sobre como a tua ligação é importante para eles.

      - Eu não vou reclamar direto, vou mandar dona Gilka reclamar. Eles não sabem quem eu vou soltar em cima deles, a dona Gilka é uma miúra, ela vai jogar o Procon na cabeça deles e vai exigir sangue. Me dá uma licencinha aqui, que eu vou ligar para o escritório, é rápido. Alô, sim, é o dr. Gustavo. Me passa aí para a dona Gilka, por favor.

      - Alô! Não, desta vez não é com o Jefferson, talvez mais tarde. Me passa para o Reginaldo. Reginaldo, boa tarde. Eu queria saber uma coisa de você. O Jefferson te passou hoje o lembrete de que eu marquei uma reunião às quatro da tarde, com todo o pessoal de vendas? Só passou ontem? Hoje ele não passou? Não interessa que não precisava, o que interessa é que eu determinei a ele que avisasse hoje também. Eu já estava achando tudo certinho demais, não estava tão certinho assim, é preciso manter uma supervisão constante, o celular é um grande instrumento para isso. Mas eu falo mais tarde. O Gustavo já desligou e nós temos muito papo pela frente, muita coisa pra botar em dia. Gustavo, não fica preocupado com esse negócio do teu celular deixar de atender chamadas. Eu mudo a tua operadora agora, tenho um grande pistolão na minha, ele manda fazer tudo por você. Eu tenho o número dele aqui, agora é só me dar aí o teu CPF, que eu faço uma ligação para ele e acabaram teus problemas para conversar. É rápido, eu tenho o número direto dele. Alô!






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      Me engana que eu gosto - FERREIRA GULLAR

      FOLHA DE SP - 23/02


      Como explicar, num ano de eleições, que altas figuras do partido tenham sido condenadas pelo Supremo?


      A tentativa de desmoralizar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que condenou os responsáveis pelo mensalão, começou com uma falsa indignação e está se tornando molecagem. Não pode ser qualificada de outro modo a atitude do vice-presidente da Câmara, que na sessão solene de abertura do ano legislativo fazia ostensivamente gestos de provocação contra o presidente da suprema corte de Justiça do país.

      Sentado ao lado do ministro Joaquim Barbosa, repetia o gesto de José Dirceu e Genoino, quando, ao serem presos, fizeram-se de vítimas de uma discriminação política. Se tais gestos, naquele momento, eram apenas uma descarada farsa, repetidos agora não passam de um desrespeito ao Supremo e ao próprio Congresso Nacional.

      Esse desespero dos petistas é compreensível, ainda que inaceitável. É compreensível porque o mensalão pôs a nu o que efetivamente é agora o PT, partido criado para supostamente restaurar a ética na política brasileira. A verdade é que esse partido nunca foi isso. Fingiu ser, e desse modo ganhou a adesão de algumas personalidades destacadas da vida intelectual brasileira.

      Essas personalidades deram respaldo à jovem agremiação, cujo principal líder era um operário. Ninguém imaginaria que esse mesmo líder viria, mais tarde, chegado ao poder, aliar-se ao que há de pior na política nacional. Em consequência disso, aquelas personalidades, decepcionadas, deixaram o partido, sendo que algumas delas chegaram a denunciar o logro de que foram vítimas. Mas Lula e sua turma seguiram em frente, porque seu objetivo, após chegar ao poder, é nunca mais sair dele. E daí, entre falcatruas, o mensalão.

      Como já disse aqui, o mensalão foi o modo encontrado por Lula de conseguir o apoio dos pequenos partidos sem lhes dar ministérios e empresas estatais, que reservou, na quase totalidade, para o próprio PT, onde empregou seus partidários aos milhares e usou das verbas como quis. Nesse projeto, estava implícito o uso do dinheiro público em função dos interesses do governo.

      Logo ficou evidente que partido era aquele e quais seus reais objetivos. Já a vitória de Lula à Presidência da República deveu-se à mudança drástica em sua pregação de candidato. No governo, abriu os cofres do BNDES a grandes empresas privadas, ao mesmo tempo que se apropriava dos programas sociais, criados por Fernando Henrique.

      Conforme afirmou recentemente um economista, o dinheiro dado aos empresários foi muitas vezes superior ao destinado ao Bolsa Família, isso sem contar que os empréstimos eram feitos a juros abaixo do mercado, o que permitiu aos empresários aplicar o capital que não investiram em suas empresas e assim ampliá-lo, graças aos altos juros do mercado financeiro.

      Tudo isso mostra que do PT surgido em 1980 não restou quase nada. O mensalão não foi inventado por ninguém e, sim, atestado e comprovado por documentos, depoimentos e investigações, levados a cabo pelos órgãos policiais e judiciais. O julgamento desse processo foi feito publicamente, transmitido pela televisão. Cada ministro manifestou sua opinião, suas concordâncias e discordâncias, do que resultou a condenação da maioria dos acusados.

      Entende-se que, para um partido, que está no poder há 11 anos e nele pretende se perpetuar, tais condenações pegam muito mal, já que os condenados são gente de sua cúpula. Como explicar, num ano de eleições, que altas figuras do partido tenham sido condenadas pelo Supremo Tribunal Federal?

      Como explicar que Henrique Pizzolato, nomeado por Lula diretor do Banco do Brasil, tenha falsificado o passaporte do irmão morto para fugir do país? Ele era membro destacado do PT, tendo sido até candidato do partido ao governo do Paraná.

      Impossível explicar aos eleitores tanto vexame e tantas falcatruas. E, sobretudo, impossível negá-las se foram comprovadas e punidas pela mais alta corte de Justiça do país.

      Não há outra saída para os petistas senão afirmar que se trata de uma farsa, montada pelos ministros do Supremo. Mas como admitir isso se, dos 11 ministros, oito foram nomeados por Lula e Dilma? O PT só engana mesmo quem quer ser enganado.

      E o valerioduto mineiro? É esperar para ver.

      sábado, fevereiro 22, 2014

      Colheita de desconfianças - José Paulo Kupfer - Estadao.com.br...

      Colheita de desconfianças

      Sob a ameaça de rebaixamento da nota dos títulos do Tesouro Nacional, pelas agências de classificação de riscos, e das desconfianças do mercado, depois das manobras dos últimos anos, o governo transitou no fio da navalha para definir a meta de superávit fiscal primário para 2014. Neste ambiente deteriorado, o governo sabia que o contingenciamento de despesas previstas na Lei Orçamentária, que dá sustentação à meta de superávit, não poderia ser tão alto que levantasse suspeitas de que não seria cumprido, nem tão baixo que reforçasse a ideia de que resiste a aceitar a necessidade de austeridade fiscal.

      Feito o anúncio, o mercado reagiu relativamente bem – o que se pode inferir pelo recuo nas cotações do dólar e nas taxas de juros. Os analistas que o representam, no entanto, listaram uma série de dúvidas em relação ao cumprimento da meta, sem novas manobras e truques, e, em geral, mantiveram suas projeções de um superávit consolidado no ano em torno de 1,5% do PIB, abaixo do 1,9% prometido pelo governo.

      A dúvida mais insistentemente mencionada diz respeito à conta de desenvolvimento energético (CDE), cujo custo está sendo inflado pela estiagem e o consequente uso mais intensivo de usinas térmicas. Não há ainda definição de quem vai pagar essa conta – Tesouro ou consumidores –, que o governo estima em R$ 9 bilhões e o mercado chega a projetar o dobro.

      Ninguém poderia ser ingênuo a ponto de considerar que as premissas e promessas oficiais, no campo fiscal, seriam aceitas sem ressalvas ou contestações. Depois da contabilidade criativa, estão todos como São Tomé, mais interessados em saber como as metas serão alcançadas. Mesmo tendo cedido e adotado agora uma política fiscal cíclica que sempre repudiou, o governo colhe agora a perda de credibilidade que plantou.



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      quarta-feira, fevereiro 19, 2014

      Golpe à brasileira - MARCO ANTONIO VILLA


      Golpe à brasileira - MARCO ANTONIO VILLA

      O Estado de S.Paulo - 19/02

      Às vésperas dos 50 anos do golpe militar torna-se necessário um resgate da História para entendermos o presente. Em 1964 o Brasil era um país politicamente repartido. Dividido e paralisado. Crise econômica, greves, ameaça de golpe militar, marasmo administrativo. O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia. A direita brasileira tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas. Não conseguia conviver com uma democracia de massas num momento de profundas transformações. Temerosa do novo, buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela República, que já havia nascido com um golpe de Estado.

      A esquerda comunista não ficava atrás. Sempre estivera nas vizinhanças dos quartéis, como em 1935, quando tentou depor Getúlio Vargas por meio de uma quartelada. Depois de 1945, buscou incessantemente o apoio dos militares, alcunhando alguns de "generais e almirantes do povo". Ser "do povo" era comungar com a política do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e estar pronto para atender ao chamado do partido numa eventual aventura golpista. As células clandestinas do PCB nas Forças Armadas eram apresentadas como uma demonstração de força política.

      À esquerda do PCB havia os adeptos da guerrilha. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) era um deles. Queria iniciar a luta armada e enviou, em março de 1964, o primeiro grupo de guerrilheiros para treinar na Academia Militar de Pequim. As Ligas Camponesas, que desejavam a reforma agrária "na lei ou na marra", organizaram campos de treinamento no País em 1962 - com militantes presos foram encontrados documentos que vinculavam a guerrilha a Cuba. Já os adeptos de Leonel Brizola julgavam que tinham ampla base militar entre soldados, marinheiros, cabos e sargentos.

      Assim, numa conjuntura radicalizada, esperava-se do presidente um ponto de equilíbrio político. Ledo engano. João Goulart articulava sua permanência na Presidência e necessitava emendar a Constituição. Sinalizava que tinha apoio nos quartéis para, se necessário, impor pela força a reeleição (que era proibida). Organizou um "dispositivo militar" que "cortaria a cabeça" da direita. Insistia em que não podia governar com um Congresso Nacional conservador, apesar de o seu partido, o PTB, ter a maior bancada na Câmara dos Deputados após o retorno do presidencialismo e não ter encaminhado à Casa os projetos de lei para tornar viáveis as reformas de base.

      Veio 1964. E de novo foram construídas interpretações para uso político, mas distantes da História. A associação do regime militar brasileiro com as ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai) foi a principal delas. Nada mais falso. O autoritarismo aqui faz parte de uma tradição antidemocrática solidamente enraizada e que nasceu com o Positivismo, no final do Império. O desprezo pela democracia rondou o nosso país durante cem anos de República. Tanto os setores conservadores como os chamados progressistas transformaram a democracia num obstáculo à solução dos graves problemas nacionais, especialmente nos momentos de crise política. Como se a ampla discussão dos problemas fosse um entrave à ação.

      O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 - até o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) -, com toda a movimentação político-cultural que havia no País. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições diretas para os governos estaduais em 1982. Que ditadura no mundo foi assim?

      Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Num país sem memória, é muito fácil reescrever a História.

      A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático. Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político, e a simpatia pelo foquismo guevarista antecederam o AI-5, quando, de fato, houve o fechamento do regime. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.

      A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, este nada fez? E os seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?

      Os militantes da luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Temos de refutar as versões falaciosas. Romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.


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      terça-feira, fevereiro 18, 2014

      A última enfermeira militar brasileira a servir na II Guerra Mundial: “Não fui heroína — cuidei de heróis” | Ricardo Setti - VEJA.com

      A última enfermeira militar brasileira a servir na II Guerra Mundial: "Não fui heroína — cuidei de heróis"

      A enfermeira militar Virgínia Portocarrero (Foto: Mauro Ventura)

      A enfermeira militar Virgínia Portocarrero: "Não fui heroína, cuidei de heróis" (Foto: Mauro Ventura)

      Entrevista concedida a Mauro Ventura, publicada no jornal O Globo

      A ENFERMEIRA MILITAR VIRGÍNIA PORTOCARRERO

      Ela, que há 70 anos foi uma das pioneiras na II Guerra Mundial, será homenageada em congresso

      A carioca Virgínia Maria Niemeyer Portocarrero foi homenageada no recente Congresso Brasileiro de Enfermagem, no Rio. Justamente quando fazia 70 anos que ela viu no Globo uma chamada convocando voluntárias para servir como enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na II Guerra Mundial. Pegou seus documentos e se inscreveu.

      Das 103 candidatas, passaram 67, que formaram o primeiro grupo feminino de enfermagem do Exército. Junto seguiram ainda outras seis da Aeronáutica.

      Às vésperas de fazer 96 anos, dia 23, ela diz que sua memória anda um pouco falha. Mas ainda guarda várias recordações do cotidiano no front — e quando precisa de ajuda para lembrar de algo recorre à pesquisadora Margarida Bernardes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), presente à entrevista e autora de uma importante dissertação sobre a participação do grupo de enfermagem na guerra.

      Solteira, sem filhos, Virgínia é a única das 73 enfermeiras militares ainda viva. "Fui perdendo a ligação com as outras. Procurava e ouvia: 'Morreu.' Até que não procurei mais. Só procurava defunto", diz, com bom humor.

      Como seus pais reagiram à sua ida à guerra?

      Sou de uma família de militares. Queria ser militar, mas não era permitido. Cursei Enfermagem e, quando o Brasil entrou na Guerra, achei que tinha que ir. Minha mãe era neta do marechal Conrado Jacob Niemeyer, que foi à Guerra do Paraguai. Mesmo assim, não contei a eles quando me inscrevi porque sabia que ela seria contra. Tanto que ficou atordoada quando viu no jornal meu nome entre os convocados. Pediu para um primo general impedir minha ida.

      Por isso, fui reprovada no exame médico. Meu pai (o general Tito Portocarrero) foi ver o que houve e escutou: "A sua senhora é que pediu." Ele mandou tornar sem efeito a decisão. Me disse: "Você fez o que tinha que fazer. Um Portocarrero não foge às suas obrigações." Fomos quatro Portocarrero à guerra. Eu e três primos de primeiro grau criados comigo. Um se feriu, com 68 estilhaços de granada.

      A ida de mulheres à guerra foi bem-recebida?

      Fomos muito combatidas, inclusive pelo povo, que achava que não tínhamos que nos meter, que devíamos ficar cuidando da família. Dona Santinha (mulher do marechal Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra) também era contra e disse que isso era coisa de moça que não prestava. Na cabeça dela, queríamos ir à guerra para namorar, arrumar um namorado militar.

      O uniforme que ela mandou fazer para vocês desagradou…

      Segundo a (enfermeira) Bertha de Moraes, parecia espantalho de arrozal. Era um vestidão solto, de pano cinza escuro, com um lenço na cabeça, como de faxineira. Depois deixaram o uniforme das americanas. Nossas calcinhas eram abaixo do joelho, nunca vi nada igual, nem em bisavó minha. E o sutiã era verde-oliva. Tínhamos vergonha de tomar banho com as americanas.

      Como foi a volta das enfermeiras ao Brasil?

      Me apresentei à Diretoria de Saúde. O diretor nem levantou os olhos e disse que eu seria desligada. Sem agradecimento, aperto de mão ou abraço. Foi um gesto deselegante, de pouco caso, tive vontade de chorar, mas não dei maior importância, tinha orgulho de ter cuidado dos soldados. Após 12 anos, nós acabamos reintegradas, como segundo-tenente. Depois virei capitão.

      Fale um pouco do cotidiano no front.

      Fiz parte do Destacamento Precursor da FEB, formado pelas cinco primeiras enfermeiras a desembarcar na Itália. Eu me locomovi por 11 hospitais de campanha, porque, quando a tropa avançava, nós avançávamos. Atendíamos soldados de todos os países, até alemães, que eram muito disciplinados. Na hora da medicação, deitavam na cama, aguardando.

      Os brasileiros fugiam um pouco dos remédios. Eram maravilhosos. Corajosos, não se queixavam, queriam ter alta logo para voltar à batalha. Eu não considerava o que fazia trabalho. Era um presente do céu ter a oportunidade de tratar deles.

      Não fui heroína, cuidei de heróis.



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      quarta-feira, fevereiro 12, 2014

      Duplicidade, ou gatos por lebres...ROBERTO DAMATTA



      Estadão 

      Tive irmãos gêmeos idênticos e ouvi à exaustão que seus destinos eram parecidos. E o pior é que isso acontecia porque eles foram criados como uma só pessoa. Para nós, os adultos salientavam a diferença, mas os gêmeos estavam subordinados à lógica que os tomava como um paradoxo, pois, na hierarquia da casa, os dois ocupavam um só lugar.
      Eles chamavam atenção pela semelhança e usavam isso para algumas malandragens, que só os que gozam da duplicidade recebida ou planejada podem realizar. Cansaram de enganar professores e namoradas, deleitando-se quando a vitima exigia saber quem era quem.
      Era deles o uso de dois pesos e medidas tão trivializado neste nosso Brasil de mensalões, hiperpublicidade e ética dupla. Quando se diz uma coisa, mas se faz outra. Vivemos também na época do gato por lebre. Do bandido condenado que passa por herói e julga o tribunal. Temos hoje uma clara duplicidade entre um público interno e um outro, externo; exatamente como ocorria na ditadura militar.
      *
      Voltemos aos gêmeos. Um dia, um deles brigou com um garoto no colégio e prometeu "pegá-lo na rua". A ameaça de apanhar depois da aula, no espaço anônimo da rua, era aterrorizante. E foi com os olhos esbugalhados de medo que o menino apanhou de um dos gêmeos somente para dois quarteirões adiante, encontrar o mesmo menino que o havia surrado o esperando para repetir a dose! Era o irmão duplicando o outro. Recriando no plano da "inocência infantil" - desmascarada por Freud - uma fabulosa ubiquidade. Essa ubiquidade a que a propaganda governamental nos sujeita e surra diariamente.
      *
      A duplicidade faz parte da nossa estrutura dotada de um lado consciente e capaz de entender as consequências do que fazemos; e de um lado inconsciente que tem outros projetos e desejos.
      Todo desvio inventa uma máscara. Todos os super-heróis americanos sofrem da síndrome da dupla personalidade. No Brasil, o Batman e o Super-homem seriam processados por falsidade ideológica. No Brasil, onde não existem super-heróis, mas abundam as celebridades, todos pagamos um alto preço por usar uma única máscara, pois existem muitas a serem usadas.
      As ditaduras e os fundamentalismos induzem a duplicidade. Para o crente, haverá sempre uma verdade oculta ou essencial que o outro não vê.
      *
      Um pai não pode ser amante de um filho ou de uma filha. A menos que crie um duplo. Raposas não podem vigiar o galinheiro e é justamente essa confusão que jaz na base do incesto, da pedofilia e, nas democracias liberais, da corrupção oficial, realizada por governantes eleitos, logo escolhidos. Numa brilhante entrevista à revista Playboy, Salvador Dalí fala de um irmão que morreu e como ele se confundia com o falecido e a ele atribuía seus erros.
      As utopias fundamentalistas (que não podem ser confundidas com ideais de vida difíceis de implementar, mas sujeitos a crítica) facilitam a confusão entre meios e fins. "Essa será a guerra que vai acabar com todas as guerra!", dizem. O duplo aparece sempre relacionado a uma luta final que vai consertar o mundo ou arrumar uma vida. Não é fácil viver com frustrações e admitir que o mundo jamais vai ser perfeito, pois, se assim ficar, a humanidade seria dispensável. Lutar pela igualdade é um dever, mas ela não justifica a violência nem a desonestidade rasteira e planificada.
      *
      A duplicidade serve tanto às utopias quanto para racionalizar o crime planificado e o golpe político, como infelizmente é comum e decepcionante no Brasil.
      Temos, agora, o descaramento do sr. Pizzolato (anos se preparando para o golpe claramente planejado e a fuga realizada por meio de um irmão morto!); de quebra, tivemos o caso patológico do José Dirceu. Em seguida, descobrimos a farsa do desaparecimento de Rubens Paiva, montada pela ditadura militar. A duplicidade recorre onde não existe uma ética de sinceridade.
      Há uma óbvia relação entre a duplicidade e os projetos políticos autoritários, avessos a oposição. A duplicidade inventa o que Merval Pereira bem identificou como a dupla personalidade de alguns meliantes da política.
      Mas resta discutir, como fiz no meu trabalho, a segmentação esquizoide entre a casa e a rua a bloquear a sinceridade e a transparência no Brasil. A democracia é incompatível com as duplicidades patológicas da vida pública.
      *
      O duplo diabólico (o que é, afinal, o Diabo senão um duplo negativo de Deus?) é recorrente na reflexão ocidental. Ele foi elaborado na Inglaterra moderna por Robert Louis Stevenson, em 1886, no livro O Estranho Caso do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde e por Oscar Wilde, em 1890, no romance O Retrato de Dorian Gray. No Brasil, em 1899, Machado de Assis escreveu Esboço de Uma Nova Teoria da Alma Humana, um conto que fala de almas duplas, mas foi Freud que, ao elaborar uma teoria do inconsciente como o grande oceano a ligar tudo com tudo, colocou em xeque o voluntarismo e a crença individualista do controle consciente.
      Não vou falar em Cervantes ou em Fernando Pessoa. Ambos demandariam muito espaço. Basta lembrar que Pessoa inventou três poetas os quais, além de si mesmo, tiveram uma obra e uma vida ao lado da sua!
      Numa sociedade em que os amigos têm tudo e os inimigos ficam com a lei, penso que é muito complicado aceitar um mínimo de coerência entre esses duplos que surgem ferozes e impacientes a cada dia e em cada ciclo que tentamos desvendar.





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      Que tal tirar a máscara de quem quer ficar impune? - JOSÉ NÊUMANNE



      O Estado de S.Paulo - 12/02

      Não havia brasileiro razoavelmente informado que já não soubesse que os black blocs sempre fizeram o possível e mais do que o razoável para que os policiais encarregados de reprimir seu vandalismo nas ruas das cidades brasileiras produzissem um mártir. Em 25 de janeiro, Fabrício Proteus Fonseca Mendonça Chaves, de 22 anos, foi baleado num protesto em São Paulo contra os gastos da Copa do Mundo. Poderia ter sido este, mas, socorrido pelos PMs e levado para a Santa Casa de Misericórdia, felizmente ele sobreviveu. Infelizmente, contudo, o cinegrafista da Band Santiago Andrade, de 49 anos, não teve idêntica sorte e morreu em consequência de ferimentos na cabeça, vítima da explosão de um rojão disparado no centro do Rio num protesto violento contra o reajuste da tarifa de transportes públicos. Eis o mártir!

      Mas o cinegrafista, que trabalhava na cobertura da manifestação quando foi atingido, não foi vitimado pela violência policial, contra a qual dez entre dez políticos, militantes de direitos humanos, governantes politicamente corretos, acadêmicos bem-pensantes e repórteres apressados esbravejam. O buscapé disparado da calçada a poucos metros de onde a vítima estava foi criminosamente preparado por vândalos cujas feições estavam escondidas por máscaras e panos com os quais encobriam o rosto. O disparo podia não ter como objetivo especificamente aquele profissional. É até possível acreditar que seu alvo seria a tropa policial que procurava conter o quebra-quebra. Mas um repórter, fotógrafo ou cameraman presente na cena para transmitir informações ao público ou um inocente transeunte do anônimo exército das vítimas das balas perdidas na violência metropolitana brasileira fatalmente seria atingido. Pois a vareta que direciona o rojão para explodi-lo nas alturas foi quebrada e quem já soltou fogos de artifício sabe que nessas condições o buscapé não sobe, faz um trajeto aleatório e atinge o que estiver à frente. Assim, feriu a cabeça do jornalista a trabalho.

      Naquela quinta-feira ninguém imaginou ser possível inculpar os black blocs pelo crime hediondo. Os telejornais da Rede Globo na noite do crime e na manhã seguinte reproduziram reportagem de Bernardo Menezes, da Globo News, atribuindo aos policiais o disparo do explosivo. Quem pôs o equívoco no ar não atinou para o fato de que a fogueira ateada na cabeça do colega jamais poderia ter sido produzida por bombas de efeito moral ou granadas de gás lacrimogêneo. Faltou um átimo de sensatez para evitar a divulgação do engano. O hábito de denunciar a violência policial levou o erro ao ar. Errar é humano, está certo, mas o jornalismo responsável requer mais diligência.

      Depois que a polícia demonstrou o óbvio, William Bonner, o editor-chefe do Jornal Nacional, gaguejou um pedido de desculpas envergonhado e aproveitou para elogiar a humildade de voltar atrás ao reconhecer o erro. O reconhecimento do engano é uma virtude, mas é preciso que a autocrítica tenha relevo similar ao dado à falsidade divulgada.

      E mais: é necessário também transmitir a convicção de que equívocos similares serão evitados. Não só pela emissora que engoliu uma "barriga" mastodôntica e cuspiu um mosquito. Mas também por todos os envolvidos na organização das manifestações populares, seja contra o que for; na manutenção da ordem pública nas ruas durante os protestos; na defesa jurídica dos manifestantes; e na cobertura e transmissão dos fatos para conhecimento da sociedade. Todos somos responsáveis. E todos devemos ter noção das evidências de que o cinegrafista foi vitimado pela leviandade geral vigente.

      O mesmo Jornal Nacional reproduziu uma enxurrada de manifestações de súbita condenação aos vândalos. Entidades que representam advogados, juízes, donos de meios de comunicação, jornalistas e poderosos da República deixaram de execrar somente a polícia.

      "Não é admissível que protestos democráticos sejam desvirtuados por quem não tem respeito pela vida humana", registrou Dilma Rousseff no Twitter - uma platitude de dar dó. É lamentável que do alto do cargo mais importante da República ela se tenha comportado como se fosse apenas a candidata à própria reeleição. Reduzir tal crime a um slogan de campanha, utilizando o velório da vítima como extensão de seu palanque, é absurdo em si. Fazê-lo numa rede social, como numa fofoca de adolescentes, é espantoso. Assim como revolta a justificativa dada pelos vândalos em outra rede social, o Facebook, buscando inculpar a polícia por quatro mortes não noticiadas nem comentadas pelos meios de comunicação, tentando estabelecer uma relação de nexo inexistente e adotando uma contabilidade sinistra e sem sentido. Idêntico afã oportunista levou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a procurar limpar a própria imagem com o sangue da vítima ao propor enquadrar os vândalos por crime de terrorismo.

      Quando os políticos que vendem a alma por um punhado de votos descobrirão que os anarquistas que encerram as passeatas ditas pacíficas nas ruas são criminosos comuns que agridem e depredam, devendo ser punidos como tal? E que a eles se acumplicia quem defende o uso de máscaras, porque estas dificultam a identificação deles pela polícia? Os repórteres sempre benevolentes com os mascarados nunca perceberão que lidam com inimigos da verdade? Afinal, isso se comprovou no atentado ao cinegrafista e na agressão a outro que captava imagens em manifestação em defesa do tatuador por cujas mãos passou o rojão e que terminou mentindo descaradamente à polícia ao pedir delação premiada. E advogados menos empenhados em defendê-los do que em aparecer não prestam serviço à lei, mas trabalham pela impunidade de meros quadrilheiros.

      Esta não é hora de caçar bruxas. Mas, sim, de tirar a máscara de quem esconde o rosto para delinquir e ficar impune.


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      Pecado original - ALEXANDRE SCHWARTSMAN



      FOLHA DE SP - 12/02

      É fácil ver paralelos entre o Brasil de hoje e a Argentina há 10 anos; a crise se origina da recusa em lidar com a inflação


      Tempos atrás um dos luminares da heterodoxia econômica no país argumentava, um tanto cinicamente, é verdade, que a tarefa de controlar a inflação não podia ser deixada exclusivamente a cargo do Banco Central, mas deveria envolver o "governo todo".

      Era, contudo, outra época; suas sugestões foram devidamente ignoradas e seu potencial destrutivo ficou limitado a outras áreas de atuação. Mais recentemente, porém, essas ideias voltaram a ganhar força.

      Em meados de 2011, apostando na desinflação que viria do frio, o BC embarcou num programa temerário de redução da Selic apesar das claras tensões inflacionárias então existentes. Desprezando décadas de estudos, cortou a taxa de juros mesmo com expectativas crescentes de inflação, dando a entender que seu compromisso com a meta já não existia. Perdeu, portanto, a capacidade de "ancorar" as expectativas inflacionárias, isto é, de convencer agentes econômicos de que o melhor "palpite" para a inflação seria a própria meta.

      Não bastasse o descaso do BC, o governo federal adotou uma política fiscal extraordinariamente expansiva, mal e mal disfarçada por uma contabilidade criativa facilmente detectável por qualquer analista com um mínimo de experiência no assunto. Os gastos federais, sem contar as transferências a Estados e municípios, saltaram de R$ 795 bilhões (17,8% do PIB) em 2010 para R$ 927 bilhões (19,0% do PIB) em 2013, já descontada a inflação do período.

      Em outras palavras, as políticas que deveriam agir no sentido de reduzir a inflação atuaram na direção oposta, agravando o problema. E foi aí que as ideias descartadas em tempos mais sérios começaram a voltar. Assim, em vez de tratar as causas da inflação, o governo ("como um todo") passou a se concentrar nos sintomas. Reduções localizadas de impostos e controles de preços substituíram as políticas monetária e fiscal.

      Apenas o subsídio ao consumo de energia custou pouco menos de R$ 8 bilhões ao Tesouro no ano passado (outros R$ 2 bilhões vieram de contas de reservas), o que se adiciona a perdas não reveladas da Petrobras, originadas da desastrosa iniciativa de manter os preços domésticos de combustíveis inferiores aos internacionais. Isso para não mencionar a renúncia fiscal dos impostos sobre, por exemplo, a cesta básica.

      Agora, devido à situação precária dos reservatórios e, portanto, ao uso mais intenso da energia termelétrica, já se fala na necessidade de mais R$ 18 bilhões em 2014 para indenizar as empresas, impedidas de repassar os custos mais altos por receio dos efeitos sobre a inflação.

      Com as contas de reservas esgotadas, trata-se de recursos do Tesouro que beneficiarão os maiores consumidores de energia, não exatamente a parcela mais pobre da população. E o governo ainda vem acenar com promessas de moderação fiscal...

      A verdade é que, como ocorrido em outros países, a tentativa de engajar "o governo todo" na tarefa de controlar a inflação para "ajudar o BC" implica exatamente o oposto.

      Em primeiro lugar desestimula a expansão da oferta, como ficou claro, por exemplo, na redução do volume de investimentos do setor elétrico após a edição da MP 579, em setembro de 2012, ao mesmo tempo em que incentiva o aumento do consumo, agravando o problema setorial. Do ponto de vista macroeconômico, adiciona ao deficit fiscal, fator que impulsiona a inflação à frente, depois de passado o alívio transitório sobre os índices de preços.

      Quem teve a oportunidade de seguir o padrão de política econômica argentina pós-2004 não há de ter dificuldade de achar paralelos entre o Brasil de hoje e a Argentina há dez anos. Os desequilíbrios fiscais e cambiais, assim como as várias instâncias de controles de preços que puseram a economia platina de joelhos, tiveram origem precisamente na recusa em lidar com o problema inflacionário. Sabemos o fim do filme, mas ninguém parece interessado em mudar o roteiro.


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      Antiga forma - DORA KRAMER



      O Estado de S.Paulo - 12/02

      Dia de aniversário no PT é sempre um acontecimento. Em fevereiro de 2013, com dois anos de antecedência, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva lançou a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição durante a comemoração de uma década dos petistas no poder.

      Anteontem, na festa de 34 anos de vida do partido, estava previsto que Lula lançaria Dilma de novo. Mas, mudou os planos, viajou para os Estados Unidos segundo consta para "melhorar o humor" de um grupo de investidores.

      Enquanto o chefe animava o auditório por lá, aqui Dilma e os companheiros faziam um ensaio geral do discurso eleitoral pintados para a guerra com a oposição. Pelo que se depreendeu do tom, aquele modelo 'paz e amor' que levou à vitória em 2002 está de novo trancado no armário.

      Foi substituído pelo figurino mais adequado aos embates de vale-tudo. Vale inclusive - ou melhor, principalmente - adaptar radicalmente a realidade para que ela atenda da forma mais adequada às conveniências.

      Embora não tenha sido essa a intenção, de maneira invertida os oradores acabaram fazendo uma reflexão no espelho. A presidente Dilma Rousseff chamou seus opositores de "caras de pau". Ou seja, cínicos, dados à desfaçatez, a afirmar coisas que não são verdadeiras, que agridem os fatos. Mentirosos, pois.

      Vamos deixar de lado águas passadas - aquelas em que um partido de oposição navegava atacando a política econômica para incorporar a mesmíssima política e ainda chamá-la de sua assim que virou governo - para nos atermos ao discurso atual do presidente do PT, Rui Falcão.

      "Neopassadismo" e "novovelhismo" foram os neologismos inventados para emoldurar em sarcasmo as candidaturas adversárias, apresentadas como "farinha do mesmo saco". Ambas, na análise de Falcão, escoradas em "dinossauros" da política, todos integrantes das "velhas oligarquias" às quais os oponentes estariam enfeitando com "paetês" e "falsas alegorias" a fim de apresentarem-se ao eleitorado como representantes da renovação.

      Bem, farinha por farinha, dividiam até meses atrás do mesmo "saco" o PT e o PSB de Eduardo Campos, o destinatário "novovelhismo" no dizer da novilíngua. O tucano Aécio Neves seria o "neopassadista".

      Quanto aos dinossauros, às oligarquias e aos balangandãs nelas pendurados, se Falcão referiu-se aos avós dos dois candidatos, Miguel Arraes e Tancredo Neves, respectivamente, fez homenagem póstuma a dois personagens que fizeram cada qual à sua maneira, História.

      Diferente das maneiras com que Paulo Maluf, Fernando Collor, José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros e companhia protagonizam muitas histórias sob os olhares embevecidos e as palavras sempre agradecidas do PT.

      Antes de finalizar mais uma vez atacando o Supremo Tribunal, no que seria acompanhado com entusiasmo pela plateia em saudação aos "guerreiros do povo brasileiros" presos na Papuda, Falcão criticou os adversários por fecharem os olhos a denúncias de corrupção.

      A presidente Dilma tem razão, o caradurismo grassa.

      Vantagem nenhuma. O governo trata as críticas do empresariado com desdém. Aqueles que não são qualificados como pessimistas, são incluídos na lista dos politicamente engajados em candidaturas presidenciais da oposição.

      Fica faltando, porém, uma justificativa para as reiteradas recusas de empresários simpáticos ao Planalto em assumir a pasta do Desenvolvimento no lugar de Fernando Pimentel. Dois exemplos mais recentes, Josué Gomes da Silva e Abílio Diniz.

      O último empresário de grande porte a participar do governo, Jorge Gerdau, ficou falando sozinho quando apontou a impossibilidade de se administrar o País com 39 ministérios.


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      Terrorismo em debate - MERVAL PEREIRA


      O Globo

      O Brasil corre o risco de realizar uma Copa do Mundo de futebol, dentro de cerca de quatro meses, sem ter uma legislação que tipifique o crime de terrorismo, embora nossa Constituição se refira a esse crime em várias situações e diversos tratados internacionais obriguem o país a se posicionar sobre o tema. Mas, como vários assuntos, este também não foi regulamentado, e, portanto, não existe lei para combatê-lo, a não ser a Lei de Segurança Nacional do tempo da ditadura, que não se quer utilizar em tempos de democracia.

      A questão chegou ontem ao plenário do Senado, oriunda justamente de um grupo de trabalho para tratar de assuntos que, embora incluídos na Constituição de 1988, ainda não saíram do papel por falta de regulamentação. A primeira coisa que se tentou fazer foi dissociar a discussão do combate ao terrorismo do trágico assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes no Rio, embora o texto original tenha sido impulsionado pelos acontecimentos de junho do ano passado.

      Mas o que emperrou mesmo a discussão foi a preocupação do Palácio do Planalto em não criminalizar as ações dos chamados movimentos sociais . O Projeto de Lei em discussão, cujo relator foi o senador Romero Jucá, define terrorismo da seguinte maneira: Provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa .

      O projeto inclui previsão de pena maior quando há emprego de explosivo, fogo, arma química, biológica ou radioativa, ou outro meio capaz de causar danos ou promover destruição em massa . Esse texto enquadra perfeitamente a ação de vandalismo de black blocs nas manifestações de protesto desde junho, e em especial o assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade.

      Mas surgiu um movimento, insuflado pelo gabinete do ministro Gilberto Carvalho e liderado pelo PT, para incluir no texto da lei uma ressalva que já existe no projeto do novo Código Penal, que está sendo debatido há um ano, mas que não entrará em vigor tão cedo.

      O relator da comissão especial do Código Penal foi o senador Pedro Taques (PDT-MT), que inseriu em seu texto final um capítulo que trata dos crimes contra a paz pública e estabelece penas que podem chegar a 20 anos para os casos mais graves de terrorismo. No projeto relatado por Jucá, as penas são mais pesadas, variam de 15 a 30 anos de reclusão.

      Mas o projeto do Código Penal tem um item denominado Exclusão de crime , assim redigido: (...) Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade .

      Alega o senador Pedro Taques que atos como o que matou o cinegrafista no Rio de Janeiro não são o objetivo da manifestação, e que quem desvirtuou seu sentido deve ser enquadrado no Código Penal de acordo com as circunstâncias de cada caso.

      O senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, mesmo que concorde que no caso do cinegrafista da Bandeirantes não foi caracterizada uma ação terrorista, mas um homicídio, rejeita a ressalva do novo Código Penal, dizendo que não existe terrorismo do bem .

      Há, no entanto, um temor dos políticos num ano eleitoral de serem acusados pelos movimentos sociais de perseguição política. Até mesmo o senador Renan Calheiros, que nas manifestações de junho levou adiante a discussão sobre o Projeto de Lei sobre o terrorismo, ontem fazia questão de separar os dois temas.

      Já o petista Jorge Viana considerava que a lei antiterrorismo seria um sinal concreto à sociedade de que crimes como o que resultou na morte de Santiago Andrade vão ser punidos com mais de 30 anos de cadeia . Ele estava trabalhando para compatibilizar os dois textos, a fim de que o consenso no Senado permita a aprovação do projeto.

      No entanto, é quase impossível que se chegue a um acordo que inclua a blindagem dos chamados movimentos sociais . O governo terá que mobilizar sua base para aprovar a legislação a seu modo se quiser ter uma lei antiterrorismo antes da Copa do Mundo. Mas de que servirá essa lei se os black blocs e que tais estiverem protegidos?


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      terça-feira, fevereiro 11, 2014

      Celso Ming -Modelo esgotado

       O Estado de S.Paulo
      O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, desqualificou as críticas que o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos, fez à política econômica. Afirmou que estão "contaminadas pela disputa eleitoral".

      As declarações de Passos foram publicadas no Estadão de domingo. Ele entende que a política econômica de incentivos ao consumo é um modelo esgotado, que falta rumo, que falta clareza nas metas, que o empresário não tem mais confiança no governo, que a indústria emperrou porque está protegida demais, que é preciso inserir as empresas brasileiras no sistema produtivo global e foi por aí.
      O Iedi é uma instituição que até recentemente defendeu ardorosamente a política empreendida pelo governo Dilma. Pregava reservas de mercado, farta distribuição de subsídios, alta proteção alfandegária e câmbio fortemente desvalorizado, como se a indústria tivesse nascido prematura e ainda precisasse de incubadeira. Por esse ponto de vista, os juros devem ser baixos, não porque o tamanho dos juros básicos (e, portanto, o volume de moeda na economia) devesse ser calibrado de acordo com o nível de inflação a ser tolerado, mas porque o custo financeiro baixo é do interesse imediato da indústria e do interesse nacional.
      Por isso, é encorajador que este organismo de análise dos empresários sugira movimentos de política econômica consistentes com um modelo que também garanta o desenvolvimento e o futuro da economia.
      É uma pena que o ministro Pimentel não avalie o mérito das críticas e das sugestões feitas pelo empresário Pedro Passos. E é incompreensível que as desqualifique. Se não servem porque feitas no contexto do debate eleitoral, então as próprias afirmações do ministro também devem ser igualmente desqualificadas, na medida em que ele também é candidato ao governo do Estado de Minas e vem sendo motivado por interesses eleitorais.
      Nas ocasiões em que alguém do governo Dilma admitiu mudanças sempre foi na direção de mais do mesmo - do mesmo que se esgotou. Quando, por exemplo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu a existência de travas no crescimento econômico, não foi além de apontar para a necessidade de mais desvalorização do real, como se a falta de competitividade da indústria se resumisse a câmbio atrasado; e a desbloquear o crédito livre, como se a estagnação da oferta se devesse ao baixo consumo que, ademais, cresce o dobro do que cresce o PIB.
      Mantega também vem afirmando que as críticas à política econômica provêm dos perdedores do mercado financeiro e não do setor produtivo, que estaria satisfeito com o que está aí, apesar do baixo investimento e da falta de mobilização do espírito animal do empresário brasileiro. Se Pedro Passos não está falando coisa com coisa no interesse maior da indústria, que as entidades que a representam se manifestem.
      Ou, então, se o caminho para a superação das atuais mazelas do setor produtivo passa longe dessas sugestões, então que o governo ou alguém em seu nome o aponte, especialmente em período eleitoral, que é o período mais adequado para rediscutir o que o brasileiro quer do Brasil.

      Dora Kramer -O encaixe

       O Estado de S.Paulo
      O deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), denunciado pela Procuradoria-Geral da República por peculato e lavagem de dinheiro, reivindica tratamento igual ao do ex-presidente Luiz Inácio da Silva no tocante ao processo do mensalão.
      Defende Lula e diz ser tão inocente quanto ele. O PT, por sua vez, diz que não deseja o mal para o tucano e clama pelo amplo direito de defesa ao adversário político.
      Pura encenação. Tudo o que o PT mais deseja é que o infortúnio se abata sobre o PSDB. Fala em "direito de defesa" só para dar a impressão de que os seus não tiveram essa prerrogativa.
      Quanto à reivindicação de Azeredo, ele não pode ser tratado como Lula, pois o ex-presidente não foi incluído na denúncia do mensalão. Em boa medida porque o PSDB, partido do acusado ora em tela, concordou em tirar o pé de acelerador nas investigações quando o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido dinheiro "por fora" para fazer a campanha presidencial de 2002.
      Os tucanos não resolveram aliviar por acreditar que Lula nada tivesse a ver com o esquema de financiamento de partidos de sua base de sustentação, mas por imaginar que fosse estrategicamente mais eficaz deixá-lo "sangrar".
      Na ocasião, aliás, já tinham perdido a moral para tratar do assunto, porque resolveram firmar fileiras em defesa de Azeredo (à época presidente do PSDB) com argumentos semelhantes aos usados pelo PT.
      Ou seja, eram infundadas as acusações de que a campanha do então governador de Minas Gerais havia se valido dos préstimos de Marcos Valério de Souza para desviar recursos públicos e maquiá-los mediante empréstimos fraudulentos.
      Para o Ministério Público, nos dois casos as denúncias têm fundamento. O primeiro já foi julgado e o segundo começa a andar. Há que se estabelecer diferenças entre os dois. No do PT houve amplitude nacional e envolvimento da direção do partido, bem como da Presidência da República no processo representada pelo titular da Casa Civil.
      No do PSDB, o alcance foi local e limitou-se à campanha. Azeredo foi derrotado naquela eleição (1998). Mas, guardadas as proporções, o crime na essência foi o mesmo: o uso do Estado para fins partidários.
      Saudação trabalhista. "Partido, é dos Trabalhadores!". É assim que o PT gosta de se autodefinir em palavra de ordem bastante usada em encontros do partido para reiterar a posição de origem. A defesa dos interesses trabalhistas, contudo, não encontra ressonância no programa Mais Médicos, uma das joias da coroa para a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
      Pelas regras impostas aos trabalhadores da área de saúde vindos de Cuba, o PT como partido do governo patrocinador, na realidade está na contramão dessa rota.
      Os médicos cubanos são mantidos longe da família, são vigiados e obrigados a trabalhar por menos de R$ 900 mensais.
      Morte anunciada. O cinegrafista Santiago Ilídio Andrade não foi vítima de um acidente. Morreu assassinado pelas mãos do mascarado que atirou um rojão a esmo incentivado pela glamourização dos atos de vandalismo, cuja repressão vem sendo sistematicamente condenada por uma parte da sociedade que enxerga na violência uma forma legítima de protesto e não reconhece que o uso da força é dever do Estado quando em risco está a ordem pública.
      Se esse é um raciocínio tido como conservador, queira o bom senso que a banalização da vida não seja vista como um pensamento progressista.
      Na escalada de depredações, incêndios, barbárie a torto a direito que assistimos como se fosse uma decorrência natural da tensão nas grandes cidades, um homicídio era inevitável.