quarta-feira, agosto 31, 2011

Três espantos - Míriam Leitão


O Globo - 31/08/2011


O político que na Presidência cometeu a maior violência econômica já feita ao país, que foi deposto por impeachment e perdeu direitos políticos, está agora com poder de decidir como a sociedade terá acesso a informações públicas. O Brasil não se espanta com fatos estarrecedores, como o de que Fernando Collor, hoje senador, é relator do projeto que decidirá sobre a divulgação de dados oficiais.

Não é o único fato bizarro da vida brasileira atual. Falemos de três. No Congresso, políticos nos quais a população tem cada vez menos razão para confiar conspiram para que o voto brasileiro deixe de ser no candidato, para passar a ser em uma lista que os líderes dos partidos fazem. As direções partidárias ficariam com nosso direito de escolha. Quem estiver nos primeiros lugares da lista tem mais chance de ser eleito, e quem faz a lista são eles. Uma alternativa confusa está sendo pensada. Merval Pereira a chamou de "jabuticaba". Elio Gaspari a definiu como uma "jararaca de muitas bocas". O eleitor tem que votar duas vezes, no candidato e na lista, e aumenta-se o dinheiro público que os partidos recebem. "A choldra pagará a conta, mas só escolherá metade dos candidatos", escreveu Elio na coluna do dia 21 de agosto. O problema da democracia brasileira não é como se vota, é como se comportam os políticos que recebem a honra do nosso voto; não é uma questão de dar mais dinheiro público do que já é dado para as campanhas, mas sim como ter mais transparência sobre quem contribui e como o dinheiro é usado.

O GLOBO de ontem trouxe reportagem de Evandro Éboli informando que o grupo criado em 2009 para tentar localizar restos mortais de desaparecidos políticos encontrou mais uma ossada na região do Araguaia. O grupo tem feito esforços de arqueologia dos crimes políticos, e o governo se comporta como se seres incorpóreos é que tivessem matado as pessoas desaparecidas. A presidente Dilma é avisada de cada passo da apuração, e o assunto é guardado a sete chaves. Assim, secretamente, o país procura ossos da verdade histórica. A presidente é a Comandante em Chefe das Forças Armadas. Tem o poder para determinar que a informação seja prestada por quem a detém, e pode recusar, por absurda, a desculpa de que todos os documentos foram queimados. Não há oração sem sujeito numa organização hierarquizada. Alguém mandou queimar. Que país é este que aceita vasculhar de forma quase clandestina as informações sobre seu passado, tendo direito a elas?

Collor nomeou-se relator do Projeto de Lei de Acesso à Informação Pública, o PLC 41, de 2010. O projeto passou pela Câmara, está no Senado, atravessou três comissões e parou na Comissão de Relações Exteriores. Lá, o senador Collor mudou integralmente o projeto. Há, segundo o jornalista e blogueiro Fabino Angélico, mais de 90 países com leis de acesso à informação que permitem ao cidadão buscar dados do setor público com facilidade. O Brasil não terá uma lei assim se prevalecer a proposta de Collor. Com supressão de parágrafos, rejeição de ideias inovadoras e alterações no texto, Collor está minando o avanço democrático brasileiro. Uma das propostas da lei era a de obrigar o setor público a prestar informações, pôr à disposição de qualquer cidadão os dados necessários à fiscalização do governo. O parecer retira a expressão "independentemente de solicitações", sob argumento de que custa caro prestar contas, que o governo ficaria "sobrecarregado". No artigo sétimo, Collor excluiu vários itens simplesmente dizendo que não deveriam estar na lei. Ele retira a obrigatoriedade de divulgação de informações do governo pela internet, "transformando-a em uma possibilidade", como o próprio senador explica em seu parecer.

Leis como esta têm sido fundamentais para que qualquer cidadão, seja da imprensa ou não, requeira informações ao governo, ou possa fiscalizar atos das autoridades públicas. Nos Estados Unidos, a Freedom of Information Act tem sido acionada em casos importantes de informação ao público. Na Inglaterra, parte do que se soube do escândalo do grupo de Murdoch foi conseguido através dessa lei. Nos EUA, no caso mais recente, o Fed confirmou que concedeu empréstimos secretos para os bancos que pertencem à aristocracia de Wall Street. Aqui, o projeto foi descaracterizado na atual versão por Collor de Mello.

O que há de comum nos três casos é que o Brasil terá menos informação do que tem direito de ter. Collor está criando obstáculos ao acesso de dados sobre como funcionam os governos municipal, estadual e federal. As Forças Armadas continuam impondo sobre o poder civil uma humilhante procura às cegas de rastros dos crimes da ditadura. Os políticos querem impor aos eleitores menos transparência sobre quem nós estamos elegendo. Os três casos apequenam a democracia e com estes três absurdos temos convivido.

Muita sede ao pote Dora Kramer


O Estado de S. Paulo - 31/08/2011


A declaração da presidente Dilma Rousseff de que não aceitará "presentes de grego" do Congresso, referindo-se à possível aprovação de novas fontes de despesa para a saúde e salários de agentes de segurança em todo o País, é a manifestação externa de uma preocupação que ela vem transmitindo aos auxiliares.

Dilma tem dito internamente que o Congresso não pode absorver todas as atenções do governo. Ela quer manter uma boa relação com o Parlamento - até por consciência de que do contrário não governa - e acha que começou a fazer isso quando mudou a sistemática cotidiana e passou a receber os partidos aliados para reuniões de trabalho e até encontros de caráter social.

Mas considera também que tudo tem um limite. A frase que traduz esse estado de espírito e que tem sido repetida por ela é a seguinte: "As relações entre Executivo e Legislativo são importantes, mas os problemas do País não se resumem a isso".

A presidente observa em conversas com um ou outro ministro que priva mais amiúde de sua convivência que os aliados têm sido particularmente implacáveis em suas demandas. Mais do que eram, por exemplo, com o antecessor.

E até mais do que seria natural. Pela análise dela, os parlamentares não têm sequer respeitado a tradição do que chama de "ciclos da política".

Por eles, o normal é que os políticos tendam a ser mais generosos com o dinheiro público em períodos pré-eleitorais e arrefeçam os ânimos na época da entressafra.

"Comigo isso não aconteceu. A eleição acabou e o Congresso não reduziu o ímpeto de fazer bondades com o Orçamento", comentou Dilma com um ministro, acrescentando que não está disposta a passar o mandato apagando incêndios.

A presidente até tem razão, mas se esquece de que a maioria congressual foi formada justamente na base da expectativa da exacerbação dos ganhos e da redução das perdas.

Os jogadores. Pode ser que Fernando Henrique e Aécio Neves estejam sugerindo a Dilma Rousseff que faça um pacto geral em prol do combate à corrupção apenas para expor a falácia da faxina, cientes que estão da impossibilidade da aceitação de tal proposta.

Pode ser que estejam se oferecendo para conversar apenas para testar a disposição da presidente de convidar.

Pode ser também que estejam apostando na tática de incensar Dilma para alimentar uma comparação negativa com Lula, investindo em um improvável distanciamento entre os dois.

Pode haver várias razões, mas o que parece mesmo aos mortais desprovidos de raciocínio sofisticado é que estão loucos para aderir e que a oposição no Brasil entregou de vez os pontos.

Paralelas. Não bastasse Lula despachando com ministros em seu instituto em São Paulo, Dilma está bem (mal) arranjada com José Dirceu e seu "shadow gabinet" em hotel de Brasília.

Segundo quem sabe das coisas no governo, Lula influencia Dilma, mas José Dirceu não tem passagem com ela. A força dele é no PT.

No Planalto identifica-se nessa ascendência a origem de rebeldias entre parlamentares do partido. Três deles fotografados pela reportagem da revista Veja que relata o entra e sai de figuras importantes da República na sala de despachos hoteleiros de Dirceu.

Deixa estar. Sentado em seu gabinete, um ministro do PT explica assim o trânsito dos colegas no "escritório" de José Dirceu: "Se ele me convidar para conversar vou fazer o que, chamar aqui? É melhor ir lá".

Ou, por outra, era. Antes de Veja estourar o aparelho.

Ajuste. Convenhamos, governo que quer cortar gastos de verdade não é governo que possa manter 38 ministérios e ainda pense em criar mais um. Com a anunciada pasta das Micro e Pequenas Empresas, serão 39.

Em 2002, antes de Lula assumir, eram 24.

Agora nem confissão condena malfeitor José Nêumanne


O Estado de S. Paulo - 31/08/2011



Ao pretender livrar-se de um questionamento insistente sobre a faxina que andou fazendo em seu primeiro escalão, demitindo às pencas funcionários de dois ministérios, dos Transportes e da Agricultura, os ministros inclusive, a presidente Dilma Rousseff decretou para pôr fim à conversa: "Combater a corrupção não pode ser programa de governo". Trata-se, ao mesmo tempo, de uma obviedade e de um truísmo. Seria, de fato, absurdo tornar a demissão de gatunos no governo um objetivo estratégico programado. Lutar contra a corrupção, contudo, é uma rotina que nunca deve ser abandonada por um bom gestor. A cada descoberta de qualquer malfeito, o malfeitor tem de ser punido com rigor, para impedir que a exceção se torne regra e o intolerável passe a ser inexorável. A prioridade, ela garantiu, será sempre "combater a miséria". A menos que a miséria à qual se referiu seja a pobreza de quem ocupa cargos públicos para se locupletar, uma coisa nada tem que ver com a outra: a probidade administrativa não é inimiga da exclusão social. Ao contrário, quanto menor for a rapina do Tesouro, mais recursos públicos haverá para financiarem programas de inclusão social.

Sua Excelência só deveria ter feito tal afirmação se pudesse apoiá-la não na confiança ou na esperança, nem mesmo na convicção, mas na certeza de que os focos de furto de seu governo se limitassem às áreas que se pensa que ela saneou expulsando da Esplanada dos Ministérios Alfredo Nascimento, do PR, e Wagner Rossi, do PMDB, na companhia de vários asseclas. Tudo indica que não é bem assim. Seu ministro do Turismo, Pedro Novais (PMDB-MA), aquele que pagou uma conta de motel com dinheiro público em São Luís, encontrou uma boa justificativa para fazer vista grossa ao que se faz de errado nas proximidades de seu gabinete, ao reconhecer num de seus depoimentos no Congresso a probabilidade de haver irregularidades na gestão orçamentária de sua pasta sem que ele saiba. Acatou, com isso, o exemplo do macaquinho que não vê, não ouve nem fala e radicalizou a convicção do antecessor e padrinho da presidente, Lula da Silva, que nunca soube e, por isso, jamais puniu. A lei Novais é mais abrangente: nenhum subordinado cometeu delito algum se o chefe dele não tomou conhecimento.

Mas - como, infelizmente, tem ocorrido no Brasil nesta quadra - a sentença de Novais logo perdeu sentido quando assomou à cena o baiano Mário Negromonte, correligionário do paulista Paulipetro Maluf. Ele trava uma encarniçada luta pelo poder não nos corredores palacianos, como se deveria esperar num regime presidencialista que um dia já foi qualificado de monárquico, mas, sim, nos intestinos da bancada de seu partido governista, o PP. Acusado publicamente de ter criado uma versão pepista do episódio alcunhado de "mensalão", ou seja, de propor cargos ou mesada de R$ 30 mil a colegas da bancada federal em troca do apoio deles a seu pleito de impedir que seus adversários internos lhe arranquem da mão a pasta conquistada, o ministro não se limitou à óbvia negação como defesa: partiu para o ataque em entrevista a O Globo na qual recorreu ao exemplo bíblico de Caim contra Abel, avisando que, "em briga de família, irmão mata irmão e morre todo mundo" e profetizando: "Isso vai virar sangue". Pior ainda: acusou vários colegas de partido de não terem currículo ou carreira, mas "folha corrida".

Ninguém protestou ou desmentiu o desabafo do ministro, que se esqueceu de uma premissa básica: ele não foi convocado para a pasta por seu notório saber sobre urbanismo nem pela eventual admiração de Dilma, tida como "gerentona" e assim vendida por Lula ao eleitorado, por sua capacidade de gestor. Nada disso. Negromonte é mais um dos frutos do pomar da governabilidade. Ele está no primeiro escalão do governo para que a chefe deste possa contar com seus colegas de partido nas votações de projetos que interessem ao governo federal no Congresso. Em nosso presidencialismo de coalizão, o ilustre baiano representa exatamente aqueles seus companheiros que ele acusa de serem fichados pela polícia. Não será, por isso, fora de propósito considerar a afirmação de Sua Excelência uma confissão. Ainda assim, contudo, a chefe não o demitiu. Nem sequer lhe puxou as orelhas.

Nos últimos dias especulou-se muito sobre a possibilidade de nas hostes do lulismo explícito reinar a desconfortável sensação de que a propalada faxina de Dilma, cujo ímpeto de limpeza despertou o apaixonado apoio do senador Pedro Simon (PMDB-RS) e de mais alguns gatos-pingados no Congresso, causaria danos à imagem do paraninfo da presidente. Algumas evidências explicavam a futrica: três dos quatro ministros demitidos este ano por suspeitas de corrupção, Antônio Palocci, da Casa Civil, além de Alfredo Nascimento e Wagner Rossi, foram herdados do padrinho pela afilhada. Aliás, o quarto, que não foi acusado de furto, mas de excesso de sinceridade, ou seja, escassez de hipocrisia, Nelson Jobim, da Defesa, também fazia parte do mesmo legado.

Fosse futrica ou verdade, certo é que o súbito abandono da vassoura surpreende. E aponta para um avanço nefasto. Muito se furtou em governos anteriores a Lula, inclusive nos que se apresentaram como faxineiros, Jânio Quadros, Fernando Collor e os generais do Almanaque. Mas "nunca antes na história deste país" nenhum chefe de governo se atribuiu com tanto entusiasmo o papel de "perdoador-geral da República" como o fez o ex-dirigente sindical. Se Negromonte não for demitido, ficará a impressão de que a gestão de Dilma tornará inócua a única atitude que tem levado delinquentes à condenação. Antigamente só os réus confessos eram condenados. Tendo Negromonte confessado de forma indireta ao acusar seus pares, agora nem mesmo a confissão levará alguém para trás das grades. É a impunidade plena, geral e irrestrita?

Cafezinhos e parábolas Roberto Damatta



O Globo - 31/08/2011



Visitei uma grande empresa no Rio Grande do Sul. Palestrei, aprendi e descobri. Sinto-me feliz ao ser recebido em Manaus do mesmo modo com que sou acolhido no extremo sul do Brasil. Na minha primeira vida, quando estudada sociedades tribais brasileiras, ficava abismado quando, nos mais humildes lares sertanejos e mesmo entre alguns indígenas, a conversa era interrompida em nome de um cafezinho hiperdoce com a seguinte observação: que não reparasse na xícara nem no bule - eram de pobre - mas tomasse a bebida feita com gosto e amizade. O cafezinho é a prova de hospitalidade mais pungente da nossa sociedade. Ele é também o obséquio mais trocado entre pessoas no Brasil.

Nesta ultramoderna empresa do Sul não foi exceção. Cheguei e, ato continuo, ofereceram-me um cafezinho fresco e quente, que tomei com o sentimento de estar usufruindo algo que faz o brasil, Brasil. O calor do café forte e doce sinaliza o afeto de quem o oferece. O doce tira do negrume da bebida o seu ar de mistério, dando-lhe o toque de inocência característico das coisas benévolas. O amor e a compaixão são doces como doces são a compreensão, a paz e a concórdia.

Na friorenta manhã dia seguinte, vou para o aeroporto muito cedo. Sou o primeiro a chegar. Meu pai, Renato, fazia o mesmo. Ele nos obrigava a sair de casa e seguir para as rodoviárias e estações de trem, quando viajávamos de Juiz de Fora e São João Nepomuceno para Niterói, nas férias de verão, muitas horas antes da partida. Ficávamos, meus irmãos e eu, brincando entre as malas, enquanto papai bufava de nervoso, olhando o seu relógio Omega de ouro ou acertando o seu chapéu que, como dizia meu amigo Maurício Macedo, dava-lhe um ar de detetive de cinema.

No espaço público administrado pela Agência Nacional de Aviação Civil, fiquei a experimentar contrastes. O aeroporto é um mero nome, pois ele nada tem a ver com a modernidade dos aviões que despejam no seu espaço ridiculamente pequeno, dotado de algumas cadeiras desconfortáveis, um banheiro pífio e uma sala de embarque minúscula e sem forro, centenas de passageiros famintos (que como condenados comem uma sacolinha de biscoitos com gosto de creme de barbear), aturdidos pelo confinamento e pela ineficiência vergonhosa do lugar. Como tenho o tempo do pai, observo a chegada dos passageiros morrendo de frio. Numa sala de espera sem forro e com poucas cadeiras, tenho uma boa visão da pista e dos empregados que carregam malas e pacotes. Tudo realizado a braço - os carrinhos sendo empurrados pelos peões tal como faziam os escravos de um Brasil que continua tão presente quanto o meu iPhone que desligo. O que testemunho, protegido pelos vidros, é o trabalho desses mesmos escravos fazendo seu velho trabalho braçal em contraste com o moderno pássaro voador que estava para pousar vindo de fora e do céu.

Pavoroso e exemplar contraste entre a esfera privada onde tudo correu perfeitamente bem e a pública onde o tal "Estado" faz, mais uma vez, prova de um estilo de gerenciamento emperrado, partidarizado, sectário, ineficiente e, sobretudo, corrupto. Onde foram parar as tais "verbas" dos tais "planos" e "projetos" que são parte destes governos lulopetistas? Somem pelo ralo dos laços de partido, família e amizade que sempre consumiram a esfera do poder público à brasileira...

Milan Kundera conta o seguinte: uma comunista militante é julgada por crimes que não havia cometido. Sustentou sob tortura a sua verdade demonstrando uma extraordinária coragem diante dos seus algozes. Condenada, cogita-se sobre seu enforcamento mas, mesmo numa Praga stalinista, há misericórdia e ela segue para a prisão perpétua. Findo o comunismo, seu caso é revisto e, depois de 15 anos, ela sai da prisão e vai morar com o filho com quem, por toda a cruel separação, tem um apego desmesurado. Um dia, Kundera visita sua casa e a encontra chorando copiosamente. Apesar de ter 20 anos, ele é preguiçoso, diz. Kundera argumenta que esses são problemas menores. Mas o filho, indignado, defende a mãe com veemência: ela está certa, sou egoísta e desonesto, espero mudar... Moral da história: o que o partido jamais havia conseguido fazer com a mãe, ela realizou com o filho.

Num país em forma de presunto, grassa a praga de um estilo peculiar de corrupção. Não se trata de roubar somente pela "mais-valia" ou pelo engodo do mercado e da ganância. Isso também ocorre no país de Jambom, mas aqui o que explode como bombinha de São João é algo paradoxal: o roubo desmedido dos dinheiros públicos realizado precisa e legalmente pelas autoridades eleitas para gerenciar esses recursos. Trata-se do assalto ao Estado pelos seus funcionários mais graduados, que loteiam suas repartições em nome de uma antigovernabilidade, pois como governar com os escândalos e as suspeitas de enriquecimento ilícito de ministros? Quando eu era inocente e de esquerda, a nossa luta era contra o "feudalismo brasileiro" encarnado pelos "coronéis". Com o PT veio a esperança de liquidar a corrupção. Afinal, eu testemunhei o então presidente do PT, José Genoino, repetir com orgulho: "O PT não rouba e não deixa roubar!" Era, vejo bem hoje, apenas um belo mantra que se desfez no mensalão e no que se seguiu.

Moral da história: o que a "direita" jamais havia conseguido fazer no Brasil - coalizão, distribuição de favores, aparelhamento do estado, elos imorais entre instituições e pessoas, populismo em nome dos pobres -, a "esquerda", acomodada no poder, institucionalizou.

Embromação 29 Rolf Kuntz



O Estado de S. Paulo - 31/08/2011

É pura embromação. O governo federal não precisa de mais impostos para a saúde, nem é necessário vincular verbas quando se quer, de fato, dar prioridade a uma política pública. Há um embuste por trás da controvérsia sobre a regulamentação da Emenda 29. Deputados tanto da base quanto da oposição defendem a votação do projeto em setembro. A presidente Dilma Rousseff propõe uma condição: se quiserem votar, inventem uma fonte de financiamento para as novas despesas. Governadores apoiam, porque desejam receber uma fatia do novo tributo - provavelmente a tal Contribuição Social para Saúde (CSS), uma versão ligeiramente aguada, mas igualmente ruim, do velho e extinto imposto do cheque, também conhecido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A embromação básica, matriz de todo o resto, está embutida na própria Emenda Constitucional n.º 29, de 13 de setembro de 2000, um enorme trambolho adicionado ao já defeituoso processo orçamentário.



Essa emenda tornou ainda mais emperrada a gestão das finanças públicas, aumentando a vinculação de recursos. A União ficou obrigada, até 2004, a destinar a "ações e serviços públicos de saúde" o montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Distrito Federal, Estados e municípios seriam obrigados a aplicar certa parcela de recursos, mas seriam beneficiados pelo repasse de verbas federais. Na falta de uma lei complementar, essas normas continuariam em vigor a partir de 2005 - e esta é a situação atual.

Um projeto de regulamentação só foi apresentado em 2007, por iniciativa do senador Tião Viana (PT-AC). A matéria foi aprovada rapidamente e em 2008 começou a tramitar na Câmara. O deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator na Comissão de Finanças e Tributação, apresentou um substitutivo com a proposta de criação da CSS. Foi a primeira tentativa de recriação da CPMF, extinta no fim do ano anterior. A presidente Dilma Rousseff já apoiou a instituição desse tributo, mas, neste momento, parece pouco disposta a sustentar essa posição. Se os congressistas assumirem o custo político, tanto melhor. Afinal, até governadores formalmente oposicionistas, como o paulista Geraldo Alckmin, apoiam a ideia. Por que não aproveitar?

Em vez de regulamentar a Emenda 29, políticos de fato interessados na qualidade e na eficiência da gestão pública deveriam batalhar pela extinção dessa e de outras normas de vinculação orçamentária. Vinculações tornam o Orçamento pouco flexível, dificultam a gestão racional de recursos, favorecem a inércia de maus administradores e criam ambiente propício ao desperdício e à corrupção.

Verbas carimbadas não impediram, nos últimos anos, uma gestão historicamente ruim no Ministério da Educação, com trapalhadas nas avaliações periódicas do ensino, vazamentos de provas, financiamento de livros e kits educacionais contestados até pela presidente da República e erros evidentes na escolha de prioridades, como confirmam os dados assustadores sobre a formação nos níveis fundamental e médio. É inútil procurar no setor de saúde qualquer justificativa para verbas carimbadas.

Ao contrário: com mais planejamento, melhor seleção de objetivos e maior competência na administração de pessoal e de recursos financeiros, ministros poderiam fazer muito mais sem depender de verbas garantidas pela Constituição. Além disso, o fim das vinculações obrigaria cada ministro a mostrar serviço, apresentando planos e resultados, e a batalhar pelo dinheiro necessário ao seu trabalho.

A mesma observação vale para os governos estaduais e municipais. Governadores e prefeitos têm a vida facilitada por transferências federais. Muitos não têm sequer o incômodo da prestação de contas. A baixa qualidade dos controles, atribuível à omissão ou à incompetência dos Ministérios, é atestada com frequência pelo Tribunal de Contas da União.

Líderes aliados indicaram à ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, a disposição de criar um tributo para custear os gastos com a saúde. Uma fonte extra é necessária e a CSS continua na mesa, segundo o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza. Mas para que dinheiro extra, se a arrecadação cresce, normalmente, mais do que o PIB? A resposta é simples: qualquer novo dinheiro carimbado aumenta o bolo e deixa mais verbas para o governo e a companheirada gastarem alegremente. O objetivo não é a boa gestão. É manter e, se possível, expandir a gastança para atender a interesses pessoais e partidários. Se as verbas já disponíveis para educação e saúde tivessem sido usadas com um pouco de competência e decência, o Brasil estaria em condição muito melhor.

Falta de respeito Merval Pereira


O Globo - 31/08/2011


Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, com o voto decisivo do recém-nomeado ministro Luiz Fux, que a Lei da Ficha Limpa só valeria para a eleição de 2012, não podendo ser aplicada na de 2010, a senadora Marinor Brito, do PSOL, considerada eleita porque dois candidatos - Jader Barbalho e Paulo Rocha - foram enquadrados na nova lei, perguntou, indignada, temendo perder o mandato: "A Constituição diz que pode ser corrupto em 2010 e não pode em 2012?"

A mesma pergunta pode ser feita hoje, diante da decisão da Câmara de não cassar a deputada Jaqueline Roriz, flagrada em fita de vídeo recebendo dinheiro em 2006 do esquema do ex-governador José Roberto Arruda em Brasília.

O que os senhores deputados decidiram, em última instância, é que um político pode ter matado ou roubado antes de ser eleito que estará protegido pelo seu mandato se tiver conseguido esconder o crime até ter sido eleito.

Foi uma decisão de uma Câmara que não respeita o eleitor. E não se respeita.

Marinor Brito, do PSOL, continua sendo senadora, graças aos diversos recursos que podem ser feitos, entre a Justiça do Pará e a Federal, subindo até o Supremo Tribunal Federal, em mais um exemplo de como nossa Justiça pode ser manipulada para o bem e para o mal.

A votação de ontem na Câmara colocou de maneira inequívoca uma estaca no coração da Lei da Ficha Limpa, que corre o risco de não valer também para a eleição de 2012 e nem para qualquer outra.

O Supremo vai debater brevemente se a lei está de acordo com a Constituição, mesmo que, na votação anterior, nenhum dos ministros - mesmo os que entenderam que ela não poderia valer na eleição de 2010 por não ter sido editada um ano antes do pleito - tenha questionado sua legalidade.

Mas, como bem lembrou o ministro Ricardo Lewandowski, "o Supremo não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei."

Essa constitucionalidade, em relação aos seus vários artigos, será debatida durante o julgamento conjunto de três processos: duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) e uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin).

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional e o PPS pedem que o tribunal determine a constitucionalidade da lei. E a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) quer que o STF declare inconstitucional o dispositivo que determina que são inelegíveis as pessoas excluídas do exercício de profissão em razão de "infração ético-profissional".

Há também diversos outros questionamentos, como por exemplo a velha discussão de que não se pode punir um candidato com a inelegibilidade antes de uma condenação definitiva da Justiça, o chamado "trânsito em julgado", pois estaria sendo ultrapassado o princípio constitucional da presunção da inocência.

Para além da discussão técnica sobre prazos para a aplicação da lei, os cinco juízes que votaram pela imediata vigência da Ficha Limpa se utilizaram do princípio da moralidade que deve reger o serviço público, previsto na Constituição, para aprovar a nova legislação.

Se não bastasse representar um avanço democrático fundamental, por ter nascido de uma petição pública com milhões de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa teve uma qualidade suplementar, a de ultrapassar a exigência do "trânsito em julgado" dos processos, prevista na lei complementar das inelegibilidades e que protegia os candidatos infratores eternamente, na miríade de recursos que a Lei brasileira permite.

Desde 2006, há um consenso entre os presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país, de fazer prevalecer a interpretação de que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais.

E sempre esse princípio era derrubado pelo Tribunal Superior Eleitoral por uma margem mínima. O voto do ministro Carlos Ayres Britto naquela ocasião é exemplar dessa posição. A certa altura, disse ele que "o cidadão tem o direito de escolher, para a formação dos quadros estatais, candidatos de vida pregressa retilínea", ressaltando a importância do artigo 14 da Constituição Federal, que prega a moralidade na vida pública.

Outro ponto levantado contra a Lei da Ficha Limpa é de que a Constituição estabelece que nenhuma lei pode retroagir no tempo, a não ser para beneficiar o réu, isto é, ninguém pode ser condenado com base numa lei aprovada depois da data em que o crime foi cometido.

A Lei da Ficha Limpa fixou limites à elegibilidade, ampliando o alcance da punição de crimes que tornam um candidato inelegível pelo prazo de oito anos, até mesmo a renúncia ao mandato para escapar da cassação torna-se motivo para tornar esse candidato inelegível, e em muitos casos fazendo com que ele não possa concorrer até o fim do mandato a que renunciou.

O Supremo pode entender que uma lei de 2010 não pode retroagir no tempo para punir um candidato por crimes cometidos no passado, e esse é um dos argumentos, por exemplo, do ex-senador e ex-governador Joaquim Roriz, de Brasília, que está tentando se tornar elegível para 2012.

Roriz, como se sabe, é pai de Jaqueline. Ambos tentam limpar as respectivas fichas e estão tendo êxito. O que diz bem de nosso estágio político.

A hora dos juros Celso Ming


O Estado de S. Paulo - 31/08/2011

Não vai ser de um dia para o outro que um pouco mais de aperto nas finanças públicas permitirá a derrubada dos juros básicos (Selic) no Brasil. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem reunião agendada para hoje para calibrar os juros.

É verdade que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, justificou o reforço no superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida pública) deste ano como manobra necessária "para abrir espaço para a queda dos juros". Mas essa simples declaração não libera automaticamente a pista de pouso para a ação do Banco Central.

Talvez seja preciso uma explicação sumária para quem não sabe como essas coisas funcionam. Não são apenas excessivas emissões de moeda que provocam inflação. Pode ser provocada também por expansão das despesas do governo, ainda que coberta com emissão de títulos. É que o simples aumento da dívida para cobrir contas públicas cria renda e consumo e estes, por sua vez, puxam pela inflação se a oferta de bens e serviços não acompanha - como vem acontecendo.

O inverso também é verdadeiro. O combate à inflação pode ser feito tanto pela retirada de moeda da economia (alta dos juros) como pela redução ou estancamento das despesas públicas (política fiscal mais apertada). Se o governo gasta muito ou fornece créditos demais por meio dos bancos oficiais, sobrecarrega a política de juros. Assim, na medida em que for reforçada a área fiscal de modo consistente, o Banco Central pode iniciar o processo de redução dos juros porque, ao menos em parte, o Tesouro terá feito seu papel.

Por motivos cuja exposição não cabe hoje neste espaço, o momento é especialmente favorável para a derrubada dos juros - que, no Brasil, assumem proporções assustadoras. A economia mundial está em crise, há encalhes de mercadoria nos países ricos e, por toda parte, os juros básicos (os que os bancos centrais pagam pelas reservas dos bancos) oscilam perto de zero por cento ao ano. Não é uma situação sujeita a rápidas mudanças, como há poucos meses alertavam alguns economistas.

O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), por exemplo, anunciou dia 9 que seus juros básicos (Fed funds) ficarão nesse patamar "pelo menos até meados de 2013". Desse modo, está praticamente descartado nos próximos dois anos um impacto importante da inflação externa sobre os preços da economia brasileira. Ou seja, o Banco Central do Brasil tem um prazo suficientemente longo e uma oportunidade única para baixar os juros - que teimam em estar entre os mais altos do mundo -, desde que o governo federal faça a sua parte por meio da política fiscal e não siga sobrecarregando a política monetária.

Isso posto, convém examinar o que deve acontecer hoje na reunião do Copom. Muito provavelmente, a decisão será manter os juros, hoje nos 12,50% ao ano, até dia 19 de outubro, data do encontro seguinte, para só aí começar a derrubada, caso as condições continuem favoráveis.

O Banco Central deve dar, ainda hoje, algum sinal de que os passos seguintes serão de afrouxamento da política de juros. E bastará isso para que os juros futuros praticados no mercado financeiro também caiam; processo, aliás, já iniciado.

CONFIRA

Abatedouro
Não é verdade que a produção de energia eólica não provoca danos ambientais. Ontem, o Washington Post, um dos mais importantes diários dos Estados Unidos, publicou matéria dando conta de que as fazendas eólicas estão sob ataque dos ambientalistas. Levantamentos feitos há um mês no complexo eólico da Serra de Tehachapi, Sul da Califórnia, identificaram pelo menos seis águias douradas abatidas pelas pás das turbinas.

Qual a conta certa?
A ONG US Fish and Wildlife Service calcula, apenas nos Estados Unidos, em cerca de meio milhão por ano as aves derrubadas pelos gigantescos cata-ventos. Mas a Associação Americana de Energia Eólica vê exagero nesse número. Para ela, a mortandade não passa de 150 mil por ano, relata o Washington Post.

Ainda assim...
Apesar dos estragos na população de aves e morcegos, a produção de energia eólica ainda é considerada uma das menos prejudiciais ao meio ambiente.

terça-feira, agosto 30, 2011

Boa promessa MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30\08\11

O corte de gasto anunciado ontem pelo governo é menor do que a receita extraordinária que ele teve com pagamentos do Refis e da Vale. O valor também é metade da renúncia fiscal que o governo fez para ajudar a indústria. O ajuste de R$ 10 bilhões só pode ser entendido como uma promessa de que a Fazenda não vai, desta vez, aumentar mais ainda os gastos para enfrentar a crise externa.

O economista Fernando Montero, da Convenção Corretora, acha que cortar R$ 10 bilhões é o mesmo que evitar gastar um dinheiro que o governo recebeu a mais. Só a Vale pagou antecipadamente um imposto, que ainda estava em contestação, no valor de quase R$ 6 bilhões. Não gastar essa receita é o mais sensato, porque ela é do tipo que só acontece uma vez.

Mas isso não é um verdadeiro ajuste nas contas públicas. Este ano os gastos públicos são maiores do que os do ano passado; que já tinham aumentado em relação ao ano anterior. O superávit primário é feito basicamente em cima de elevação de receita.Segundo Montero, as receitas aumentaram R$ 29,5 bilhões, em termos reais, quando se compara o bimestre junho-julho com o mesmo bimestre do ano passado.

O próprio governo anunciou que a arrecadação aumentou 13,8% de janeiro a julho, comparado com o mesmo período de 2010. Os impostos pagos pelo País no período foram de R$ 555 bilhões. Ontem, o anúncio foi de corte de R$ 10 bilhões. O próprio governo calculou em R$ 24 bilhões o que deixará de arrecadar com o Plano Brasil Maior, pelos subsídios à indústria.

Durante o anúncio, ontem, o ministro Guido Mantega disse que o corte de gastos poderia abrir espaço para a queda dos juros, mas frisou inúmeras vezes que apenas quando o Banco Central achar adequado. Repetiu, para eliminar o ruído que ficou na semana passada com a notícia de que o BC estaria sendo pressionando por um conjunto de ministros a baixar os juros. A queda da taxa é desejável e necessária; só não pode ser decidida pelo ministro da Fazenda. Se ficar entendido que o BC decide sob pressão, isso pode elevar a expectativa de inflação.

O verdadeiro dilema do governo não é a taxa de juros, nem o tamanho do corte de ontem, mas como evitar as pressões que estão diante do Tesouro.

O primeiro impacto não dá para evitar, porque vem da fórmula aprovada pelo salário mínimo de 2012: os 14% de elevação. De acordo com o economista Raul Velloso o reajuste do salário mínimo elevará em R$ 12,15 bilhões as despesas da União, já descontada a inflação.

Mas há no Congresso várias outras propostas que, se aprovadas, representarão impacto considerável. A emenda 29 aumenta o percentual de receitas vinculadas para a Saúde. A PEC 300 dá aumentos salariais a bombeiros e policiais civis e militares. Há o aumento do funcionalismo do Judiciário. Tudo isso junto é um rolo compressor sobre o Orçamento. Isso sem falar no risco de o Congresso aprovar o fim do Fator Previdenciário, cuja proposta é da base parlamentar e o próprio governo Dilma já defendeu. Além desses problemas que podem se tornar concretos no futuro, o governo tem o passado que o condena: ele perdeu o melhor momento para o ajuste.

O economista Raul Velloso fez um cálculo da média do crescimento real do PIB em três anos - para tirar a sazonalidade - e da média do superávit primário de três anos. De 2005 para frente o resultado primário fica estagnado, enquanto o País acelera. Quando houve o salto, o governo deveria ter feito um ajuste sério. Fez o oposto: elevou gastos, maquiou dados, diminuiu superávit.

"No ano que vem haverá uma desaceleração das receitas por causa da queda do crescimento deste ano. As receitas estão aumentando agora porque no ano passado o crescimento do PIB foi forte. Há tributos, como Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, que são pagos com defasagem", diz Raul.

Montero registra o esforço feito pelo governo: os gastos primários subiram 9,% em 2010 e agora estão crescendo 4%. Já Raul alerta para o fato de que nos últimos anos tem havido aumento explosivo de restos a pagar. O governo empurra despesas para o ano seguinte, mas isso não é ajuste verdadeiro.

Quando se olha dentro dos números deste ano o que se vê é: aumento forte da arrecadação, em grande parte com receitas extraordinárias. O governo continua elevando as despesas ainda que em um ritmo menor. Tem cortado em investimento, que não deveria cortar, e mantido dois projetos que podem virar bombas fiscais: trem-bala e Belo Monte. Ninguém pode dizer com segurança quanto vai se gastar em qualquer um desses dois projetos. Mesmo assim, eles são os projetos ícones do governo Dilma.

Governo poupa a loteria federal VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 30/08/11

Dilma toma a medida certa de poupar os excessos de receita, o que ajuda ainda na redução da taxa de juros

O governo Dilma Rousseff resolveu enfim anunciar e assinar oficialmente um decreto, digamos, de controle adicional de gastos para este ano. Mas, considere-se:
1) Ontem, o governo apenas foi claro mesmo a respeito dos gastos deste ano; foi nebuloso sobre 2012; 2) O governo decidiu não gastar o aumento extra de receita, mais ou menos inesperado. Melhor assim, claro. Mas a despesa federal continua a aumentar.
Parece um tanto espírito de porco cobrar do governo definições a respeito de 2012, ainda mais num momento econômica e financeiramente tão enrolado e mais incerto que o de costume. Mas um bom programa fiscal, para valer, deveria ter pelo menos a duração de um mandato presidencial e ir além do controle de gastos na boca do caixa.
Esse método "da mão para a boca" é ineficiente (atrapalha investimentos em curso, por exemplo), desorganiza rotinas de governo, não lida com os excessos essenciais da despesa (previdência dos servidores, previdência "rural", salários e desperdícios por imensidão e irracionalidade da máquina pública). Neste ano, por exemplo, o talho relativamente maior cai sobre a despesa de investimento. Enfim, esse método torto não ajuda a formar expectativas positivas de médio prazo, o que pode facilitar o trabalho da política econômica, em especial de juros.
Mas passemos, porque provavelmente não vamos ver um programa fiscal desses no governo Dilma. No curto prazo, "da mão para a boca", fez muito bem o Ministério da Fazenda ter convencido a presidente a embolsar os excessos de receita. Há uma disputa política no governo sobre o gasto. O entorno político de Dilma (ou ela mesma) quer atender "demandas da sociedade" (investimento, assistência social e pedidos do Congresso).
Esses assessores da presidente não querem ver o mesmo aperto no ano que vem, o que poderia, segundo eles, diminuir demais o crescimento, impedir a implementação de programas que seriam "marcas do governo Dilma" e, por último, mas muito importante, poderia criar problemas em ano de eleição e tumulto ainda maior no Congresso.
Quanto aos números, não haverá revolução fiscal, digamos. O superavit primário do setor público (governo federal, Estados, municípios) deve ficar em torno de 3,2% do PIB (receita menos despesa, afora o gasto com juros). O deficit para valer, o nominal, com juros e tudo, deve ficar abaixo de 2%, num mundo em que rombos de 5% a 10% do PIB hoje são comuns. Dá uma "lustrada" na imagem.
Quanto ao tamanho do esforço, lembre-se que a receita do governo federal cresceu 13,3% (em termos reais, descontada a inflação) nos sete primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A despesa, muito menos: 4,2%. Ou seja, a despesa vai aumentar ainda um tico mais do que o PIB, que deve crescer algo em torno de 3,5% neste ano. Sim, é um resultado melhor que o de 2010, quando o governo ainda gastava como se estivéssemos à beira de um precipício recessivo (estávamos apenas à beira da eleição).
Nesta altura do ano, em 2010, a receita e a despesa do governo haviam crescido uns 10%. Ou seja, o governo vinha torrando toda a arrecadação adicional.

É o novo mix Celso Ming


O Estado de S. Paulo - 30/08/2011


O discurso é novo entre os economistas de esquerda e o passo dado está na direção correta.

Cabem apenas três críticas. A primeira: se esta é a política adequada, o governo do PT deveria ter enveredado por esse caminho bem antes. Segunda crítica: se é para tirar proveito do espaço aberto pela crise externa, então caberia carregar na dose, até porque este reforço fiscal pode ser insuficiente. Terceira: não garantir o mesmo compromisso para 2012 sugere que o governo voltará à gastança para financiar o jogo eleitoral de suas bases políticas.

Há sete dias, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisava no Congresso que a decisão do governo Dilma é mudar o mix da política econômica. Em vez de insistir em expansão das despesas públicas e em contração da política monetária (política de juros), agora a determinação é fazer o contrário. Ou seja, a resposta para o agravamento da crise externa é adotar uma política anticíclica oposta à adotada em 2008 e 2009.

O ministro Mantega apresentou justificativas sensatas, o que lembrou os tempos em que a Fazenda era comandada por Antonio Palocci: (1) é preciso impedir a expansão das despesas correntes do governo e elevar o superávit primário (sobras de arrecadação para pagamento da dívida), de maneira a dar espaço para o corte dos juros pelo Banco Central; (2) a redução das despesas com juros abrirá caminho para o aumento do investimento público; e (3) a ordem é enfrentar a crise não com crescimento das despesas públicas, mas com estímulos monetários (baixa dos juros).

O reforço ao superávit primário deste ano é de R$ 10 bilhões, algo entre 0,25% e 0,30% do PIB. Traz o defeito de ser garantido apenas pelo aumento da arrecadação e não (também) pela compressão das despesas correntes do setor público.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) já garantiu juros básicos próximos de zero por cento ao ano por mais dois anos (até, pelo menos, meados de 2013) por enxergar crise braba nesse período. O governo Dilma não precisaria de mais horizontes para esticar o alcance da decisão ontem anunciada. Se essa é a melhor atitude a tomar para enfrentar a crise externa, então deveria estendê-la para 2012 e 2013. Mas aí apareceu o vício antigo: 2012 é ano eleitoral e tal...

Em todo o caso, a principal novidade está em que o governo do PT parece ter entendido que os tais juros escorchantes vigentes no Brasil têm a ver com gastança federal. Se forem sinceros, os economistas de esquerda no governo Dilma terão admitido que equilíbrio fiscal é bem mais do que conversa fiada de neoliberal.

E parecem ter renunciado à pregação do falso keynesianismo em voga - o uso do argumento de que é preciso aumentar os gastos públicos para garantir o investimento e o crescimento econômico. Mantega está dizendo o contrário: menos dívidas públicas e menor pagamento com juros darão mais condições de investimento para o governo.

Em todo o caso, quem sabe este seja somente o começo. O governo Dilma, aparentemente, entendeu o tamanho da enrascada dos países ricos que, em nome da segurança social, deixaram rolar as despesas públicas e, hoje, estão atolados em dívidas e em juros a pagar.

Parece ter, enfim, percebido que o fator que garante crescimento sustentado, mesmo em tempos de crise, é o equilíbrio das finanças públicas - o contrário do que foi feito nos três últimos anos.

CONFIRA

Deixa pra lá
A administração anterior do Banco Central, sob a presidência de Henrique Meirelles, evitava críticas à gastança federal para não melindrar a área da Fazenda. Agora fica reconhecido pelo ministro da pasta que a leniência fiscal bloqueia a queda dos juros básicos (Selic) conduzidos pelo Banco Central.

É muito mais
O governo da presidente Cristina Kirchner aprovou um reajuste de 25% no salário mínimo da Argentina. É o reconhecimento implícito de que o índice oficial da inflação é manipulado. Nenhum governo concordaria em dar aumento real (descontada a inflação) de 14,5% no mínimo e nas aposentadorias se a inflação fosse de somente 10,5%, como apontam os números oficiais.

Multa neles
Há alguns meses, consultorias independentes como a Abeceb, do ex-secretário da Indústria Dante Sica, foram multadas por projetar uma inflação muito acima da admitida pelo governo de Cristina Kirchner.

Ilegal legitimado Dora Kramer


O Estado de S. Paulo - 30/08/2011


Na semana passada, quando um grupo de 20 senadores entregou ao presidente da Câmara a proposta aprovada no Senado de mudança na tramitação das medidas provisórias, o deputado Marco Maia quis logo saber: "O governo está a favor ou contra?"

A pergunta evidencia a razão pela qual o instituto da medida provisória se transformou em instrumento de abuso por parte do Poder Executivo e no sinal mais expressivo da subserviência do Poder Legislativo.

Assim como a preocupação principal de Marco Maia foi com a posição do Palácio do Planalto e não com a tarefa que delegavam à Câmara os senadores, as maiorias congressuais de todos os governos desde a Constituição de 1988 ignoraram e manipularam o que diz a Carta para atender aos interesses do Executivo: praticamente governar por decreto.

Originalmente, as MPs deveriam ser examinadas pelo Congresso que nomearia comissão mista para examinar os preceitos de urgência e relevância. Se não fossem atendidos, a medida não seria admitida e simplesmente não prosperaria.

Isso nunca aconteceu. Em 2001 modificou-se o rito, a tramitação passou a ser separada, na Câmara e no Senado, foi proibida a reedição, mas instituída a paralisação dos trabalhos do plenário sempre que houvesse uma MP na pauta.

O problema não se resolveu porque o exame prévio da admissibilidade jamais foi posto em prática. "A mudança de rito apenas permitiu que o Executivo determinasse a pauta e o funcionamento do Congresso", aponta o deputado Miro Teixeira.

Para ele, a solução está na retomada do texto original e na disposição do Legislativo de cumprir a Constituição, examinar e devolver MPs não urgentes nem relevantes.

Responsável pelas modificações de 2001, quando era presidente da Câmara, o senador Aécio Neves foi relator da proposta aprovada pelo Senado e concorda em parte com o deputado.

Está convencido de que a proibição das reedições representou um avanço, mas reconhece que o Congresso se transformou em um "apêndice" do Executivo, abriu mão de sua função de legislar e se deixa manobrar pelo Planalto a fim de se beneficiar dos favores governamentais.

De onde o senador conclui que a Câmara tentará barrar as recentes alterações propostas pelo Senado: determinação de prazo fixo para cada Casa votar a medida provisória, obrigatoriedade de as Comissões de Constituição e Justiça examinarem cada uma durante 10 dias, proibição de que tratem de mais de um assunto e veto à edição de nova MP sobre tema que tenha sido recusado anteriormente.

Qual a vantagem dessas mudanças? Segundo Aécio, se forem aprovadas haverá a possibilidade de recurso ao Supremo quando, e se, o governo resolver incorporar vários assuntos numa só MP, os chamados "contrabandos".

Além disso, ao passar pelas Comissões de Constituição e Justiça as medidas provisórias ao menos terão de ser submetidas a um processo prévio de discussão, antes da chegada ao plenário. "A base vai precisar se manifestar."

No Senado, como todos os partidos apoiaram, o PT viu-se obrigado a apoiar. Mas, na Câmara, a expectativa é a de que haja a tentativa de barrar. Porque, respondendo à pergunta de Marco Maia, o governo evidentemente é contra as alterações importantes.

A oposição tem duas armas: vai tentar jogar com a insatisfação da "base" para isolar o PT e vai cobrar do presidente do Senado, José Sarney, uma promessa feita aos senadores: se a Câmara não votar a mudança no rito das MPs até setembro, Sarney não receberá mais nenhuma medida do palácio.

Nada disso seria necessário se o Congresso cumprisse a Constituição.

Rodolfo Fernandes. Amigo que a covardia de alguns separou, mas a generosidade de outros reaproximou mesmo a distância, Rodolfo deixa como legado a essência que a implacável doença não conseguiu lhe roubar.

Natureza substantiva traduzida no título de primeira página do jornal O Globo, que dirigiu até a véspera da despedida.

O "Suave Guerreiro" guerreou para além do limite da existência, sem delegar à crueza do destino o comando do próprio desfecho.

A jabuticaba explicada Merval Pereira


O Globo - 30/08/2011


Na coluna de domingo chamei de "jabuticaba" a proposta do deputado petista Henrique Fontana de um duplo voto proporcional, o de lista fechada e o de lista aberta, e critiquei também o fato de seu relatório admitir o financiamento privado das campanhas políticas, tanto de empresas quanto de pessoas físicas, quando a base da proposta de mudança é o elogio ao financiamento público.

Continuo com minhas dúvidas, considerando o duplo voto proporcional uma confusão inexplicável, mas acolho as explicações do relator da Comissão Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados. Ele defende o duplo voto proporcional porque "o sistema inova ao proporcionar a valorização do seu voto sob uma perspectiva programática e partidária, sem retirar sua prerrogativa de votar nos candidatos de sua preferência".

Ele esclarece que sua proposta exclui a possibilidade de financiamento privado diretamente a partidos e candidatos, permitindo apenas doações para o Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais que será gerido pela Justiça Eleitoral com base no financiamento público das campanhas.

"A transformação das campanhas em engrenagens caras e sofisticadas empobrece o debate político e praticamente fecha o caminho da representação para setores sociais com menos acesso a recursos financeiros", comenta o deputado.

Mais do que isso, ele lembra que com o financiamento público teremos um teto de gastos para cada nível de eleição, "o que torna a disputa mais equânime, barata e mais fácil de ser fiscalizada".

O deputado considera o financiamento público "uma das armas mais potentes para combater a corrupção".

Fontana defende ainda o voto em lista fechada, alegando que a ordem nas listas partidárias, "ao contrario de ser decidia pelos dirigentes, será feita através de votação secreta dos filiados ou convencionais".

Para ele, essa proposta "valoriza a representação proporcional e estimula o fortalecimento da vida partidária".

O deputado Alfredo Sirkis, do PV, considera que os três mecanismos alternativos de seleção prévia nos partidos "atenuam bastante, embora não eliminem, o campo de manipulação dos direções partidárias".

São eles: as eleições primárias dos filiados; a convenção onde cada convencional deve votar em 4 nomes; e as disputas de lista, que levam ao preenchimento da lista final de forma proporcional aos votos alcançados.

O relator Henrique Fontana ressalta que a mudança constitucional que acaba com as coligações cria as "federações partidárias", que devem ter funcionamento por um período mínimo de três anos, "evitando, dessa forma, coligações com caráter meramente eleitorais".

A federação atuará como se fosse uma única agremiação partidária, inclusive no registro de candidatos e no funcionamento parlamentar, com a garantia da preservação da identidade e da autonomia dos partidos que a integrarem.

O deputado Alfredo Sirkis destaca que como a tônica do relatório é o financiamento público e o fortalecimento dos partidos, Fontana pode favorecer indiretamente "o partido mais organizado de sigla mais popular", mas alega que "se formos por esse caminho não há como mudar o que quer que seja e a jabuticaba atual é o pior sistema de todos".

Mesmo apoiando o relatório, Sirkis considera que "é inviável o financiamento público no componente proporcional de lista aberta", sendo esse o ponto fraco da sua proposta.

Sua proposta é um sistema misto "que mantém uma forte proporcionalidade, mas funciona como um voto distrital misto plurinominal: metade dos candidatos seria eleita pela lista, e metade por grandes distritos numa eleição majoritária".

No seu exemplo, no Rio teríamos a eleição de 23 deputados federais e 35 estaduais "por grandes distritos, cada um elegendo de 3 ou 4 federais e um número um pouco maior correlato de estaduais".

Os eleitos em cada grande distrito seriam os mais votados. Sua votação seria somada a obtida para a lista para calcular o quociente partidário e o número restante de cadeiras no componente lista fechada pelo qual se elege a outra metade dos deputados.

Sirkis diz que a vantagem desse sistema seria introduzir "um componente de regionalização, fortalecendo os partidos sem prescindir da possibilidade do eleitor manifestar sua preferência para políticos individuais e essa preferência aos mais votados influencia também no número de eleitos pela lista fechada".

O financiamento público exclusivo se tornaria viável para esse componente de voto personalizado, pois seriam poucos os candidatos nos distritos, o que "fortalece moderadamente os partidos e consagra quem tem voto de fato".

Perderiam, no raciocínio de Sirkis, "os políticos eleitos na rabeira e que acabam formando o chamado baixo clero".

Por outro lado, avalia Sirkis, esse sistema elimina a influência do poder econômico, e, ao manter os três tipos de prévia partidária previstos pelo Fontana para formar as listas e escolher os candidatos para os grandes distritos, democratiza minimamente os partidos.

Sirkis acha que o problema maior para a adoção de um sistema distrital misto uninominal, como na Alemanha, não é, como ponderei domingo, a questão de proporcionalidade, "embora de fato seja difícil fazer no Brasil o que os franceses chamam de le découpage para chegar nos distritos".

A grande questão, na opinião de Sirkis, é ter que numa mesma campanha trabalhar simultaneamente com dois formatos de distrito pelo fato de termos eleições para deputado federal e estadual.

"No Rio teríamos que ter, se o voto fosse misto, 23 distritos para federal e 35 para estadual. Se fosse o distrital puro, 46 e 70. Isso criaria uma confusão tremenda na cabeça do eleitor e caos nas campanhas".

Já o sistema de grandes distritos permitiria a eleição, por hipótese, de 3 federais e 5 estaduais, num mesmo distrito, sem problemas.

Bom, bonito... e barato? Adriano Pires


O Globo - 30/08/2011



Todo mundo gosta do bom, bonito e barato. Com o produto energia não poderia ser diferente, ainda mais num país como o Brasil, onde esses preços são em sua grande parte determinados pelo governo. O que todos sabem ou muitas vezes fingem não saber é que tarifas populistas não podem ser confundidas com tarifas competitivas. E propostas de tarifas populistas muitas vezes vêm por parte da iniciativa privada. Isso vem ocorrendo no atual debate sobre como proceder com a renovação das concessões do setor elétrico.

As concessões de energia elétrica foram realizadas com base na Lei nº 9.074/95. Dessa forma, os contratos de geração firmados teriam validade de 35 anos, com direito de prorrogação por igual período. Em 2004, a Lei nº 10.848 estabeleceu que concessões de geração de energia elétrica anteriores a dezembro de 2003 passariam a ter o prazo de 35 anos, a partir da assinatura do contrato, prorrogáveis por 20 anos. A transmissão e a comercialização permaneceram com prazo de 30 anos, com prorrogação por igual período. Ao término do contrato, os ativos referentes às concessões retornam à União que deverá licitá-los e compensar os antigos concessionários em caso de investimentos não amortizados completamente.

As concessionárias estatais, cujas concessões foram outorgadas antes da Constituição de 1988, assinaram em 1995, ano da reestruturação do setor elétrico, a prorrogação dos seus contratos. Dessa forma, entre 2015 e 2017, vence uma série contratos de concessões no setor de energia elétrica.

Com relação às unidades de geração de energia elétrica, as concessões vincendas totalizam uma potência de aproximadamente 21 mil MW. A Chesf, a Cesp, a Eletrobras Furnas e a Cemig equivalem juntas a 94% da capacidade instalada em concessões com vencimento entre 2015 e 2017.

Segundo o governo e as concessionárias, a manutenção das atuais concessões, através da prorrogação, pode favorecer a redução do preço da energia elétrica, ao considerar que parte dos investimentos realizados já foi amortizada.

Nesse caso, será necessária a estimativa do percentual de redução no valor da tarifa, de modo a viabilizar o cumprimento das obrigações, os investimentos na modernização dos ativos existentes e a obtenção de rentabilidade adequada. A preocupação das concessionárias, em particular da Cesp, que o governo de São Paulo já manifestou o interesse em vender, seria o governo exigir uma tarifa muito baixa para prorrogar a concessão, o que reduziria o valor da empresa.

Caso se opte pela licitação, não há fórmula definida para o cálculo da indenização aos antigos concessionários por investimentos realizados e não amortizados ou depreciados. Nesse caso, se torna necessária uma avaliação contábil dos custos de operação, manutenção e investimentos realizados por cada empresa.

A Fiesp, em particular, defende a realização de novas licitações com dois argumentos. O primeiro é que a atual legislação deve ser cumprida, e o segundo é que com isso seria possível alcançar uma grande redução nas tarifas de energia e assim resgatar a competitividade na indústria.

Todos nós somos favoráveis a termos tarifas de energia que permitam uma maior competitividade da indústria. Porém, não podemos confundir tarifas competitivas com tarifas populistas, que adotadas levaram a uma diminuição de novos investimentos e trarão de volta o fantasma do apagão.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Dize-me com quem andas Paulo Brossard

ZERO HORA

Conversa é que não tem faltado no tocante à "faxina" anunciada pela senhora presidente visando a enfrentar a corrupção, que ultimamente compareceu em nível exagerado; foi notícia nos meios de comunicação, provocou editoriais, até alguns faxineiros teriam se organizado para prestigiar a inovação presidencial, e subitamente a mesma autoridade esclareceu que o endereço da faxina passava da corrupção à fome. Aliás, a faxina não se acomoda com a fome, nem a fome se elimina com faxina, mas com robusto plano alimentar. Não se trata de questão de palavras, mas de objetivos, desde que a corrupção não se beneficie com a mudança; de resto, é oportuno lembrar que graças à faxina alguns resultados foram visíveis em desfavor da corrupção e em benefício da higiene administrativa. E ninguém censurou a senhora presidente por esta limpeza.

Não faz muito e a propósito dessa querela ministerial observei que em matéria de ministros não se espera deles, em princípio, sejam sábios e santos, mas, em primeiro lugar, "homens bons" ou "homens de bem"; o bom nome é pressuposto em qualquer caso; depois desse requisito, o preparo para exercer a função. Ora, esse problema está nas mãos da senhora presidente, pois, no regime presidencial, a ela compete, em caráter privativo, nomear e demitir livremente os ministros de Estado. É o que dispõe a Constituição. De modo que, se não fizer boa escolha, a responsabilidade será sua e de ninguém mais. Dir-se-á que, sendo 37 ou 39 os ministérios, não é fácil prover tantos cargos. Mas a presidente tem assessores idôneos que a esclarecem; se não for bem-sucedida na escolha de bons assessores, dispense-os; permanecendo o embaraço, examine a hipótese de extinguir dois, três ou mais ministérios que ninguém sentirá falta, ressalvados os candidatos a candidatos.

Não ignoro que o atual governo foi organizado a quatro mãos e isto pode ter trazido problemas a tiracolo. Ainda aí sua responsabilidade é intransferível. A alguns dos ministros as referências que circulam não são lisonjeiras como a presidente não ignora; se elas tiverem fundamento, seja agradável ou penosa a operação, a responsabilidade é sua e é inerente à condição de chefe do governo; e, não o fazendo, pode até estimular uma espécie de justiça canibal, que também é um flagelo tão perigoso como uma infração grave. A verdade é que na autoridade presidencial está inserido o poder de livremente nomear e demitir os ministros de Estado.

Assumindo ou renunciando a ele, exercendo-o ou entregando-o ao anonimato irresponsável, a responsabilidade continua a ser sua. O problema pode ser delicado, mas não é insolúvel. E está em suas mãos. E não se esqueça da observação de Rui Barbosa, faz mais de século: "Vive a nossa energia de paroxismos e colapsos. Dormimos largos anos de indiferença, para acordar em excesso de frenesi, ou terror". Os abusos que se tornaram públicos provocaram reação nacional. Não perca a oportunidade, seria em seu desfavor.

É incontável o número de livros lançados todos os dias em todas as partes do mundo. Não estranha, por conseguinte, seja natural e mesmo inevitável que, em todas as áreas do conhecimento, apareçam continuamente livros excelentes, bons, regulares e maus. Pois entre nós, na área jurídica, vem de ser publicada obra de alto quilate, "Da execução do contrato", de autoria do magistrado e professor Ruy Rosado de Aguiar. Integra a série de "Comentários ao Novo Código Civil". A longa experiência do advogado, procurador de Justiça, desembargador, ministro do STJ e agora advogado outra vez lhe permitiu oferecer aos frequentadores desse segmento do saber humano obra harmoniosa, rica, fundamentada em bibliografia opulenta, sem dispensar adequada contribuição jurisprudencial; tem o timbre da editora forense. Nota-se ter sido escrita sem pressa, isto é, para durar.

Nova liderança no etanol EDITORIAL O ESTADO DE SÃO PAULO

- 29/08/11

Se dependesse apenas dos planos do governo do PT e dos discursos do ex-presidente Lula, o Brasil deveria ser há muito tempo o principal fornecedor de etanol para os Estados Unidos. Na realidade, porém, o Brasil passou a grande importador do produto americano. E, justamente por causa do aumento das importações brasileiras, os EUA devem tornar-se, neste ano, o maior exportador mundial de etanol.

Dois relatórios divulgados nos últimos dias por instituições dos EUA - uma associação de produtores de combustível de fontes renováveis e o Departamento de Energia - mostram que, neste ano, as exportações de etanol americano poderão alcançar de 1,9 bilhão a 2 bilhões de litros, superando pela primeira vez as vendas externas do produto brasileiro, que devem totalizar de 1,2 bilhão a 1,6 bilhão de litros. Embora tenham problemas para abastecer o mercado doméstico, os produtores brasileiros precisam manter as exportações para cumprir contratos firmados com seus clientes.

Há uma ironia nessa mudança no comércio mundial de etanol. Ela ocorre no momento em que o mercado que mais arduamente o ex-presidente Lula tentou conquistar para o produto brasileiro começa a se abrir para o etanol estrangeiro - mas o Brasil não pode aproveitar essa oportunidade, pois não produz o suficiente nem para abastecer o mercado interno, daí a necessidade de importação. Neste ano, o Brasil deve importar 1,6 bilhão de litros de etanol, mais do que a importação recorde de 1995 (1,4 bilhão de litros).

O governo não parece preocupado com essas mudanças. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, minimizou o impacto da quebra da safra de cana-de-açúcar da Região Centro-Sul, cuja produção foi afetada pelas chuvas intensas de 2009, pela seca de 2010 e pelas geadas de 2011. "Houve uma pequena quebra de safra, conjuntural, episódica, e que acontece sazonalmente com todos os produtos do mundo", disse o ministro na sexta-feira passada, durante a inauguração de uma destilaria em Colina, no interior de São Paulo.

O descompasso entre a demanda e a produção, que tem forçado a importação de etanol em volumes crescentes, também é visto como uma situação natural pelo governo. "Importamos etanol suficiente para manter o mercado abastecido, e a garantia que o governo pode dar é que não haverá falta do produto nas bombas", completou Lobão.

Considerados pelo governo brasileiro como ineficazes - por utilizarem o milho subsidiado como matéria-prima para a produção do álcool, de qualidade inferior do ponto de vista ambiental ao etanol produzido a partir da cana -, os produtores americanos ficarão muito satisfeitos com a disposição das autoridades de assegurar a normalidade do abastecimento interno por meio da importação.

Para o governo, o aumento da importação é uma questão passageira. O ministro citou medidas já anunciadas para o aumento da produção em ritmo suficiente para assegurar o abastecimento interno e o crescimento das exportações, considerando-as suficientes para afastar o risco de crise futura. Uma dessas medidas é a imposição, à Petrobrás, do aumento de sua participação na produção de etanol. Se os planos do governo e da estatal forem executados de acordo com o cronograma, em 2015 a fatia da Petrobrás na produção doméstica poderá alcançar 12% (atualmente, é de 5%).

Lobão citou também a existência de linhas de financiamento disponíveis no BNDES e no Banco do Brasil para investimentos em canaviais. Não deixou de citar também a criação de um estoque regulador do combustível, medida citada por produtores e economistas do setor como indispensável para evitar a escassez e os movimentos bruscos do preço do etanol para o consumidor. Mas é preciso que esse estoque deixe de ser apenas um plano.

O que a sucessão de problemas de abastecimento doméstico e, agora, as mudanças no comércio de etanol deixam claro é que de nada adianta promover o produto brasileiro se não estiverem asseguradas as condições necessárias para o crescimento contínuo da produção.

Democracia e moralidade DENIS LERRER ROSENFIELD


O ESTADÃO - 29/08/11

A democracia caracteriza-se por ter regras que asseguram a pluralidade de opiniões. Toda tentativa de coibir a liberdade de imprensa e de expressão de modo geral acaba por tornar inviável essa pluralidade, que é sua condição mesma de existência.

O Brasil tem convivido, nestes últimos anos, com uma série de iniciativas que têm como objetivo cercear essa liberdade. O caso do Estadão é o mais notório, pois continua sob censura, decretada por decisão judicial. O País, no entanto, tem crescido precisamente por ter uma imprensa livre, capaz de denunciar todos os desmandos e descalabros no tratamento da coisa pública. O atual governo já mudou vários ministros e a cúpula de diversas pastas ministeriais graças à sensibilidade da opinião pública, que erigiu a moralidade na política em princípio da vida republicana. E sua condição é a liberdade de imprensa.

O caminho, contudo, não tem sido fácil. No governo anterior presenciamos diversas iniciativas, mediante audiências públicas e conferências nacionais, como as de Comunicação e Cultura, que tinham como propósito um controle do conteúdo jornalístico sob o manto de uma suposta "democratização dos meios de comunicação". No caso, a democratização, numa deturpação evidente do seu sentido, teria o significado de controle desses mesmos meios de comunicação. Note-se o papel desempenhado por audiências públicas e conferências nacionais para, em nome da democracia, restringir uma condição própria de sua existência, que é a liberdade de imprensa e de expressão.

Tudo indica que o atual governo está agora trilhando um novo caminho, distinguindo a modernização da legislação do setor de comunicações, uma regulação que se faz necessária pelo avanço tecnológico das últimas décadas e o controle de conteúdo. Não esqueçamos que a legislação atual, ou melhor, as várias legislações datam dos anos 70 do século passado, quando a internet nem existia. Nossas regras do setor são anteriores à revolução digital.

Entretanto, muito menos atenção é dada a uma caracterização igualmente importante, a de que a democracia se define pela pluralidade de valores, pela coexistência, em seu seio, de várias noções do bem. Um bem maior, apenas, se situa acima de todos os demais: o de que a pluralidade de bens é um princípio que deve ser assegurado, sob pena de que as escolhas individuais de bens se tornem inviáveis. A liberdade de escolha é um valor que não é, nem pode ser, objeto de uma decisão "democrática".

Um dos pressupostos de uma sociedade democrática é o de que cada cidadão possa escolher livremente o que considera melhor para si, sem que o Estado lhe imponha um padrão de comportamento. A pluralidade de bens situa-se na perspectiva da escolha individual, e não num suposto bem que seria imposto pelo Estado. A condição da cidadania é que o indivíduo não seja servo, ainda que a servidão possa ter uma aparência voluntária.

A contraposição que se estabelece aqui é entre o exercício da pluralidade de bens, pelos cidadãos que escolhem livremente, e uma forma de poder estatal que procura impor a cada um o que considera o bem coletivo. Neste último caso, o bem supostamente coletivo terminaria usurpando progressivamente o bem individual.

O terreno é muitas vezes pantanoso, as fronteiras aparecem como de difícil delimitação, pois, dependendo do que esteja em questão, se dá ou não a aquiescência dos indivíduos a um bem estatalmente imposto. Quando o governo, por exemplo, estabelece regras que ditam como deve ser o comportamento individual relativo à saúde, pode acontecer que as pessoas aceitem de bom grado tal diretriz, sem se dar conta de que ela invade o que deveria ser uma prerrogativa estritamente pessoal.

Ocorre aqui um processo semelhante com a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, a saber: a existência de audiências públicas, ou até eventualmente de conferências, tendo como objetivo regulamentar o comportamento individual. A iniciativa, no entanto, é mais insidiosa, pois feita em nome do bem dos indivíduos. Alguns caem na armadilha, muito frequentemente, porque compartilham algumas dessas iniciativas, como certas opções particulares relativas ao que cada um entende por bem, ou por sua saúde, mais especificamente. A imposição estatal do bem pode ser, então, percebida como se fosse fruto de uma escolha individual. Aqui reside o perigo.

Há, por assim dizer, uma coincidência entre uma ideia individual e uma certa iniciativa governamental. A imposição surge disfarçada de moralidade. O valor moral é o seu disfarce. Acontece, porém, que essa coincidência é ilusória, pois o "bem" compartilhado tem um fundamento distinto: um provém da esfera estatal e outro, da liberdade de escolha individual. Dito de outra maneira, uma sucessão de imposições governamentais, cada uma em acordo com certas ideias de comportamentos individuais, pode acabar tornando a pluralidade das noções de bem inviável. O pressuposto de ambas é completamente distinto, mesmo que isso apareça sob a forma aparentemente democrática e legal da audiência pública.

A opinião pública é mais naturalmente propensa a se insurgir contra restrições à liberdade de imprensa e de expressão do que contra restrições governamentais que impõem condutas quanto ao que cada um considera o seu próprio bem. O problema, porém, é da mesma natureza.

O risco consiste precisamente em que as fronteiras entre a democracia e a moralidade começam a se apagar, com o Estado se elevando à posição daquele que sabe o que é melhor para o cidadão. E também está em que o Estado se coloque como uma potência moral, destituindo os cidadãos de sua capacidade de discriminar racionalmente o que é melhor para si.

Não tem nada de mais CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 29/08/11

O título acima inaugura uma série que é, na origem, patrocinada pelos políticos, especialmente pelos governantes que, apanhados em situações no mínimo embaraçosas, saem com esta: qual o problema? Não tem nada de mais.

Reparem no caso da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que levou uma boa indenização ao ser demitida da Itaipu Binacional, em março de 2006. Parece uma história simples, mas convém reparar um pouco mais.

Gleisi Hoffmann foi nomeada diretora financeira da Itaipu no início do governo Lula, em 2003, por indicação obviamente política. Não se está discutindo sua competência, mas está claro que a empresa, uma estatal, não a selecionou como grandes companhias privadas selecionam seus principais executivos (com agências especializadas em recursos humanos, entrevistas, discussão no conselho e na diretoria, etc.). Se ela não fosse política militante no partido do presidente da República, não teria sido recrutada para o cargo.

Pela mesma razão política, Gleisi Hoffmann decidiu sair candidata a senadora em 2006, pelo que precisaria deixar a diretoria de Itaipu. O que deveria fazer? Demitir-se, certo?

Errado.

Ela foi demitida, para que pudesse embolsar as indenizações devidas em casos de demissão sem justa causa. Foi um acerto com o presidente da estatal, Jorge Samek, que confirmou a história em entrevista à CBN. Contou o que disse a Gleisi: "Eu vou exonerar você. Você sai, levanta teu fundo de garantia e vai, vai para tua campanha".

Só com a multa de 40% do FGTS, a ministra levou pouco mais de R$ 41 mil.

No mundo privado, é costume premiar com gordas indenizações os executivos que deixam suas companhias numa boa. Mas reparem: são executivos selecionados no mercado e remunerados com dinheiro privado. Já Gleisi Hoffmann estava exercendo uma função política antes de técnica e numa empresa do governo.

Perguntada a respeito, a ministra mandou resposta pela assessoria de imprensa. Disse que, sim, foi "exonerada" e indenizada nos termos da lei, tudo publicado no Diário Oficial.

Que quer dizer isso? Que saindo no Diário Oficial não tem nada de mais? Há uma óbvia questão política e ética: por que concordou com uma demissão arranjada? Pois está claro que ela não foi mandada embora por vontade da empresa. Ela quis sair para disputar uma eleição. Faz sentido receber uma indenização assim providenciada de uma empresa pública?

Nem uma palavra. Qual é o problema?

Negromonte. O ministro das Cidades, Mário Negromonte, também trouxe preciosa contribuição à série. Conforme reportagem levantada por este jornal, na campanha para deputado federal no ano passado, ele pagou despesas de aluguel de táxi aéreo com "verba indenizatória" da Câmara dos Deputados. Perguntado, caprichou na resposta. Disse que era tudo "legal, moral e constitucional".

Verba indenizatória é uma mamata que a Câmara dos Deputados inventou para aumentar indiretamente os vencimentos dos parlamentares e driblar o teto constitucional. Bem vista a coisa, é uma maracutaia. Mas precisava ter um mínimo de, digamos, decência e lógica. Assim, a verba paga despesas do parlamentar em atividades para o exercício do mandato. Ou seja, uma ação pública.

Logo, não pode ser usada numa campanha eleitoral, que é uma empreitada pessoal. Ou seja, o uso da verba para pagar táxi aéreo só é legal e moral se tiver sido usada para atividade parlamentar. Negromonte diz que foi esse o caso.

Mas e a circunstância, digamos assim, dessa empresa de táxi aéreo ter sido a mesma utilizada pelo deputado durante a campanha?

Foi nesse momento que, perguntado, se saiu com sua versão do "qual é o problema?". E ainda ficou bravo.

O ministro também enriqueceu a série com outro episódio. Acusado de patrocinar um tipo de mensalão, respondeu com outra acusação. Disse, em entrevista, que os membros do seu partido estavam numa guerra sangrenta e que muitos deles têm "ficha corrida".

Quem tem ficha corrida é bandido condenado. Logo, se o ministro sabe que há esse tipo de gente no partido e no Congresso, não deveria apresentar uma denúncia formal?

Nada disso. Preocupado com a repercussão da entrevista, Negromonte disse que havia tropeçado nas palavras, não na ética. E, se não estivesse tudo o.k. com ele, ele não estaria ali, na vida pública e ministro.

Mas ele não havia dito que tem muita ficha corrida no seu próprio partido?

Campeão. Mas o campeão da série até aqui é o senador José Sarney. Flagrado num helicóptero da Polícia Militar (PM) do Maranhão, aparelho comprado para transporte de doentes, e na companhia de um empreiteiro que tem negócios com o governo maranhense, fazendo um voo de São Luís para sua ilha particular, em fim de semana, Sarney reagiu bravo: por ser chefe de poder, tem direito à segurança e ao transporte de representação em todo o território nacional, em qualquer circunstância, mesmo a lazer.

Na mesma semana passada, apareceu outra história envolvendo o senador, a questão dos supersalários, acima do teto constitucional. Parece que o chefe do poder está nesse caso. O site Congresso em Foco perguntou diretamente a ele. Sarney respondeu que não diria - "resguardado pelo direito constitucional à privacidade sobre os meus vencimentos, que tenho como qualquer cidadão brasileiro".

Repararam? Para voar no helicóptero da PM é autoridade, uma pessoa não comum. Para esconder quanto ganha dos cofres públicos é cidadão qualquer.

Nota: na sexta-feira, a ministra Gleisi Hoffmann entregou carta ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em que se diz disposta a devolver o dinheiro da indenização, caso o Ministério Público entenda que o pagamento foi lesivo ao erário.

Adeus à faxineira RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 29/08/11

Uma vez que Dilma se elegeu na base do “votem em mim que Lula não pode ser candidato de novo”, era preciso em seguida — e para seu próprio bem — conferir-lhe atributos e pretensões de modo a distingui- la do seu padrinho político. Afinal, governo de continuidade não deve ser necessariamente igual a governo que passou. Mais imaginação, senhores!

Diferenças de método, de estilo e de temperamento foram então exaltadas para beneficiar a primeira mulher eleita presidente da República do Brasil. Nada mais justo.

Lula falava demais. Dilma, de menos. Silêncio é ouro. Palavra é prata. Quem fala pouco costuma
refletir melhor sobre o que diz. Ponto para Dilma. Lula viajava além do necessário. E não tinha paciência para estudar com atenção os principais gargalos do governo. Sóbria, contida, Dilma preferia governar para dentro. O governo espetáculo não lhe fazia a cabeça. Ai de quem despachasse com ela sem estar devidamente preparado. Novos pontos para Dilma.

Tudo corria mais frouxo no governo anterior. Foi assim até que Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. No governo ora em curso, a mão pesada de Dilma evitava a anarquia. Quem não se enquadrasse por bem acabaria enquadrado de qualquer jeito. Ponto para a presidente. Nada como ter no comando uma boa executiva.

O discurso de posse de Dilma levara os mais entusiasmados a concluírem que muita coisa mudaria de fato. A política externa, por
exemplo. Celso Amorim deixara o Itamaraty. Doravante, o respeito aos direitos humanos seria cobrado com rigor. Ditaduras antes consideradas amigas passariam a sofrer um bocado. Ave, Dilma!

Quanto ao destempero da presidente... Como negá-lo? O general empalideceu ao ser despejado do elevador privativo do Palácio do Planalto. Os olhos aflitos do então ministro Antonio Palocci temeram a aproximação ameaçadora dos dedos indicadores de Dilma. Sem tempo de chegar ao banheiro, uma assessora dela fez pipi na roupa.

O destempero virou coragem. Histórias de uma presidente
que não teme ninguém e que todos temem acabaram turbinando a imagem da zeladora intransigente com o erro e a roubalheira. Foi aí
que as circunstâncias e o marketing pariram a “faxineira ética”. Muitos pontos para Dilma. Até que...

Até que a faxineira se aposentou sob a pressão de aliados enfurecidos. Constatou- se que a política externa permanece a mesma.
E que a executiva centralizadora serve antes de tudo para frear a iniciativa de sua equipe. Que Dilma queira ser um Lula com autoridade redobrada, nada a opor. Que tente ser Lula e Dilma ao mesmo tempo...

Menos! Dilma lembra a presidente executiva de uma grande empresa recém-promovida a presidente. Não tem mais de meter a mão na
massa como antigamente. Não deve meter. Cabe-lhe tomar as decisões mais importantes e desenhar o futuro da empresa. Ninguém
poderá substituí-la nessa tarefa. Nas outras há candidatos à beça.

Não em nome do Brasil JOSÉ SERRA


O Globo - 29/08/2011

As últimas semanas mostram o atual governo às voltas com múltiplos aspectos da herança maldita recebida do período Lula-Dilma. Não são coisas novas, mas tudo foi obscurecido na campanha eleitoral do ano passado. Fechadas as urnas e computados os votos, a verdade pôde aparecer.

Para os grupos que estão no poder, o risco maior na tentativa de superação do passado é os exércitos da varrição atolarem, perderem velocidade diante das circunstâncias políticas, eventualmente batalhando entre si. Nenhum governo rompe impunemente com a estrutura econômica e política que o fez nascer.

Um exemplo do atoleiro é o front externo. O governo anterior, como foi tantas vezes assinalado, cultivou a opção preferencial pelas ditaduras e ditadores alinhados com os interesses do PT. Os críticos foram acusados de querer empurrar o Brasil para uma posição subalterna, como se soberania fosse sinônimo de fechar os olhos às violações aos direitos humanos.

Antes mesmo de tomar posse, a nova presidente anunciou uma guinada de 180 graus: a defesa dos direitos humanos seria prioridade nas relações externas - os direitos humanos passariam a ser inegociáveis. Rompendo a tradição instituída por Lula, o Itamaraty chegou a votar contra o governo do Irã na ONU.

A largada comoveu, mas foi tudo. No Conselho de Segurança, onde ocupamos no momento uma cadeira, o governo brasileiro tem sistematicamente contribuído para a blindagem política do ditador da Síria, Bashar Al Assad. Como noticiou este jornal (19/8/11), o Itamaraty não se une àqueles que defendem a saída de Assad - EUA e Europa -, opõe-se a sanções e nem sequer aceita repreendê-lo. Ao contrário, trabalha ativamente para encontrar uma solução que favoreça o ditador amigo.

Antes, a presidente Dilma já havia se recusado a receber a Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi. Há espaço para fotos ao lado de pop-stars, mas não houve a generosidade de acolher em palácio essa batalhadora dos direitos das mulheres iranianas. Entre honrar a tradição diplomática brasileira e não contrariar o amigo ditador de Teerã, vingou a segunda opção.

Na Síria, os tanques e outros blindados vão às cidades rebeladas abrir fogo contra os que reivindicam banalidades democráticas, como liberdade de organização e expressão e eleições limpas. Há o temor de que a oposição política síria tenha, ela própria, raízes potencialmente autoritárias, mas esse é um assunto que diz respeito aos sírios, que não podem ter negado o seu direito à democracia.

O regime sírio e sua performance repressiva parecem, de fato, não incomodar o governo do PT. Pesará o fato de o partido ter firmado, em 2007, um espantoso acordo de "cooperação" com o Partido Baath, de Assad? Há palavras que dizem tudo. Neste caso, "cooperação" é um termo preciso para qualificar esse acordo, celebrado numa viagem a Damasco do então presidente do PT, Ricardo Berzoini. O texto é suficientemente anódino para parecer defensável aos incautos. Limita-se a listar irrelevâncias. Mas efeito simbólico foi e é um só: oferecer legitimidade a uma facção ditatorial que monopoliza o poder em seu país e impede a livre manifestação de quem se opõe. Foi também uma cooperação entre partidos que levou o Brasil a ser indulgente com Kadafi?

Já passou da hora de o Itamaraty virar essa página. O Brasil não tem por que continuar como avalista de Bashar Al Assad e do Partido Baath. Se o PT deseja apoiá-los, que o faça, mas não em nome do povo brasileiro.

Os defensores de um certo pragmatismo afirmam ser inviável uma política que, a um só tempo, defenda os direitos humanos, respeite a soberania das demais nações e proteja os nossos interesses comerciais. Mas é possível, sim. Nossos diplomatas são capazes de encontrar um caminho soberano, de defesa do Brasil, e, ao mesmo tempo, fortemente vinculado às conquistas da civilização. Até porque a Síria é também um pedaço do Brasil.

Aqui, muitos imigrantes eram chamados de "turcos", dado o passaporte que carregavam à época do Império Otomano. As raízes familiares dos descendentes, raízes sentimentais e culturais, essas são legitimamente sírias - sírias e protegidas pelos valores universais da democracia.

domingo, agosto 28, 2011

A sustentável leveza dos setentões GAUDÊNCIO TORQUATO


O ESTADÃO - 28/08/11
A questão está na ordem do dia, sob tiroteio de combatentes e defensores dos dois lados: a aposentadoria compulsória do servidor público aos 70 anos deve ser mantida ou estendida para 75 anos? Os defensores da posição garantida pelo artigo 40 da Constituição federal amparam-se na tese da renovação de quadros e oxigenação das estruturas, reforçada pela crescente pressão dos grupamentos que o País incorpora a cada ano à massa de trabalho e que enxergam na administração pública larga via de acesso. Sob esse argumento, que deixa transparecer algum resíduo de civismo (é preciso acreditar nesse sentimento louvável), embutem-se traços do ethos nacional, particularmente os que explicam a acomodação e o gosto brasileiro de se amamentar nas tetas do Estado. Por isso a aposentadoria, quanto mais precoce, cai bem. Quando isso não ocorre, os exércitos setentões são barrados na vanguarda da administração pela espada compulsória. Cheios de vitalidade, dão meia volta e se integram rapidinho aos batalhões que lutam na arena do mercado. São poucos os que recolhem suas armas. Em alguns espaços - altas Cortes do Judiciário e universidade - a batalha pela aposentadoria mais retardada, aos 75 anos, ganha relevo por abrigar componentes conceituais e valorativos de monta. Merece maior atenção.

O arsenal argumentativo parte da leitura de que no auge do vigor intelectual, quando exibe densa bagagem jurídica, domínio pleno das técnicas processuais e vívida identificação com a alma social, o magistrado é retirado de sua "casa", abrindo um vácuo cujo preenchimento se dá apenas quando o substituto adquire a experiência do antecessor.

Depois de certo tempo, preenchido o vazio e reposto o acervo da Corte - pelo entendimento de que o exercício do debate e do convívio é fundamental para a elevação do discurso de seus componentes -, chega-se, novamente, ao ponto de quebra: outro setentão chega ao final da jornada. Final? Sim, por conta da determinação constitucional. Certas leis, porém, não respiram o cheiro do tempo, caindo na obsolescência. Ora, aos 70 anos os magistrados ascendem àquele patamar onde Bacon os homenageia com respeitosa expressão: "Instruídos, sábios, reverendos, circunspectos, íntegros, preparam o caminho para a justa sentença, como Deus costuma abrir o seu caminho elevando os vales e abaixando as montanhas".

Demonstração cabal da vitalidade de juízes que se aposentam no ápice da vida profissional é o reingresso no mercado do trabalho pela porta da advocacia, por onde muitos começaram a trajetória.

A troca da toga pela beca tem sido comum entre nós, a denotar que o percurso do magistrado poderia durar mais uns aninhos. Retirar de campo parcela da plêiade da Justiça quando esta brilha no ponto mais alto de sua carreira parece uma medida desprovida de bom senso. Um luxo desnecessário. Alguém poderá objetar: nada se perde porque os magistrados continuarão a prestar serviços ao País em outros campos. Em termos. As instâncias superiores do Poder Judiciário são, por excelência, as que mais carecem de quadros de invulgar cultura jurídica para fazer correta interpretação das leis e exercer, de maneira exemplar, a sagrada liturgia de aplicação da justiça. Portanto, estender a obrigatoriedade da aposentadoria ao limite de 75 anos seria decisão condizente com o figurino de um país que zela pelo patrimônio do saber acumulado.

Compreende-se a necessidade de dar oportunidade aos mais jovens e abrir os pulmões das instituições. Mas na esfera mais alta do Judiciário a balança pende para a carga da sapiência, que não pode ser deixada de lado.

A par dessa abordagem, há o fator científico, que põe em relevo a taxa crescente de expectativa de vida dos cidadãos - no caso brasileiro, estimada em 73 anos em 2008, e com possibilidade de atingir em 2015 quase 75 anos (em 2050 a projeção é de 81,2 anos de vida). Em dez anos, entre 1998 e 2008, esse indicador cresceu 3,3 anos, segundo o IBGE, a denotar que os avanços tecnológicos, ao esticarem a régua da vida, contribuem para alongar os ciclos profissionais. Assim, o tempo para um servidor público entrar na compulsória, sob as conquistas da ciência da longevidade, é diferente do espaço de duas décadas atrás, ou, para ser mais claro, da baliza gerada pela Carta de 88. Se considerarmos que a taxa de mortalidade infantil, no Brasil, declina há bom tempo - caiu quase 30% de 1998 para 2008 - e a população idosa continua a se expandir, poderemos prever o impacto da "bomba-relógio" que se arma nas imediações do sistema da Previdência.

Esse, porém, é um capítulo à parte nessa história.

Voltemos aos danos causados ao País pela aposentadoria compulsória de servidores com 70 anos. Estudo da Fiesp mostra que o Brasil economizaria R$ 1,4 milhão/ano por trabalhador se o período de trabalho fosse estendido para 75 anos.

Em cinco anos, a economia na esfera federal seria de R$ 2,4 bilhões. Jogando a planilha nos Estados e municípios, a conta chegaria aos R$ 5,6 bilhões em cinco anos. Sob esse dado, ganha força a PEC 457/05, aprovada no Senado e tramitando na Câmara, que propõe alterar a idade para a aposentadoria compulsória do servidor. A trombeta corporativa de grupos que lutam para galgar a escada do poder fará muito barulho. Espera-se, contudo, que o argumento racional não seja engolfado pelo adjetivo emocional.

Vale, por último, um rápido olhar na nação que se esforça em proclamar a força de suas instituições democráticas: os Estados Unidos da América. Ali os juízes da Suprema Corte podem permanecer no cargo até a morte. São inamovíveis. Enquanto tiverem boa saúde, física e mental, permanecem na ativa. Contam-se na mais alta Corte americana juízes com quase 80 anos.

A conclusão é irretorquível: os setentões daqui e de lá, do alto de seu vigor, escrevem as páginas mais memoráveis dos livros de sua vida. Não são dispensáveis. Ao contrário, são plenamente sustentáveis em seus postos.

Noivas em fuga MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 28/08/11

O machismo virou problema econômico. Sempre foi uma trava no progresso, mas agora ganhou até capa de revista econômica pelos dilemas que está criando na sociedade asiática, que tem sido a mais refratária aos avanços. As mulheres asiáticas, que estão no mercado de trabalho e trabalham dez vezes mais em casa que seus maridos, estão fugindo do casamento e não tendo filhos.

Com maior ou menor intensidade, é mundial a ideia de que o trabalho em casa e os cuidados com os filhos é obrigação da mulher. O homem - quando quer - "ajuda". Se no Ocidente isso está mudando, no mundo oriental o problema é pior e produziu equações difíceis de serem resolvidas do ponto de vista econômico e social.

A Economist tratou disso na semana passada: o movimento das asiáticas de fuga do casamento representa uma queda mais rápida da população, que pode representar envelhecimento ainda mais rápido, criando dificuldades maiores ao sistema previdenciário.

Um terço das mulheres nos seus trinta e poucos anos na Ásia não se casaram; e no Japão 21% delas encerraram o período reprodutivo sem se casar. Em Tóquio, a taxa chegou a 30%. Em Cingapura, 27% das mulheres com curso superior entre 40 e 44 anos não se casaram. Essas taxas estão subindo também na Tailândia, Coreia e até na China, entre mulheres mais escolarizadas e com renda maior. Lá, há muito preconceito contra nascimentos fora do casamento, porque a Ásia não passou pela revolução de costumes que houve no Ocidente. Por isso, não casar significa não ter filhos.

No Ocidente, é alta a taxa de crianças nascidas fora do casamento tradicional. Na Suécia, 55% das crianças nascidas em 2008 foram fora do casamento; na Islândia, 66%. Na Ásia, a média é 2%. O problema é que a carga a se carregar no casamento é pesada demais para uma asiática, diz a revista. Uma mulher asiática que trabalhe 40 horas semanais tem, em média, mais 30 horas de trabalhos domésticos. Os homens dedicam, em média, 3 horas a esse serviço. Além disso, considera-se que a mulher é responsável pelo cuidado das crianças e também dos idosos da família. Normalmente, a mulher por lá é responsável pelos cuidados do sogro e da sogra. Por isso, muitas asiáticas, principalmente as de alta escolaridade, estão preferindo apostar na carreira.

Aumenta também o que era inaceitável tempos atrás: relacionamento sem casamento, sem filhos e sem compromisso. As taxas de mulheres no mercado de trabalho estão aumentando rapidamente. Na Coreia do Sul, a taxa de mulheres empregadas na faixa dos 20 anos superou a de homens. Com opções e independência financeira, elas impõem os termos: ou a sociedade muda por uma divisão mais igualitária do peso da vida familiar ou elas continuam solteiras. "Por que mudaria minha vida para preparar sopa de tofu como minha mãe?" disse uma entrevistada à revista.

Na Índia e China, há outro problema: o aborto seletivo que impede o nascimento de meninas. Em 2050, haverá nestes dois países 60 milhões de homens a mais que mulheres em idade de se casar, diz a Economist . Já há cálculos mostrando aumento do porcentual de homens que não vão conseguir se casar por falta de mulheres na China nas próximas décadas.

O interessante da reportagem é que normalmente as matérias sobre casamento apresentam a versão de que mulheres querem muito se casar e os homens fogem. É como se o casamento fosse um sonho compulsivo feminino. O texto da Economist , naquele estilo sóbrio e fundamentado em estatísticas, sustenta o contrário: elas é que estão dizendo não e justamente na sociedade asiática, que, até recentemente, proclamava-se a região do mundo que era superior por ter valores e princípios familiares mais arraigados.

A reportagem diz que esses valores eram na verdade a visão conservadora e ultrapassada de que cabe apenas à mulher carregar o peso da renovação da população e ainda ser o amparo dos mais velhos.

"As mulheres estão rejeitando o casamento na Ásia e isso tem sérias implicações sociais", diz o subtítulo do editorial da revista. "Os governos asiáticos têm há muito tempo a visão de que a superioridade de seus valores familiares era uma das grandes vantagens que tinham em relação ao Ocidente. Isso não está mais garantido. Eles precisam acordar para as profundas mudanças sociais que acontecem em seus países e pensar em como podem enfrentar as consequências", alerta a Economist .

Na visão da revista, é difícil uma política pública acabar com o preconceito que produz essa distribuição desigual dos pesos na família, mas os governos têm algo a fazer. Ela sugere licenças-paternidades, para que homens se envolvam mais com os recém-nascidos e as crianças em crescimento, e subsídio ou oferta de serviços que facilitem o cuidado da criança.

Em alguns países europeus e nórdicos, a ideia de licença-maternidade evoluiu para a "licença para cuidar da criança", que é concedida à pessoa da família que se dispõe a fazer o trabalho. Após o fim do período de amamentação, essa pessoa não tem de ser necessariamente a mãe. Numa nova sociedade, com outros valores, é preciso pensar em novas políticas públicas atualizadas aos novos desafios.

A César o que é de César SERGIO AUGUSTO


O ESTADÃO - 28/08/11

Jaques Wagner é um homem lúcido. Diante da queda de mais um ministro, o terceiro a deixar o governo sob acusações de corrupção, o governador da Bahia comparou o estilo da presidente Dilma ao de seu antecessor: "Ela é dura, o sistema dela é um pouco brutal". Já Lula seria "mais ‘palanqueiro’, talvez mais tolerante com as coisas".

Wagner chegou perto de dizer a verdade, mas não a disse por inteiro. A verdade inteira é que foi Lula quem construiu a coalizão de forças que está aí; quem deu passe livre para que seus integrantes, a começar pelo PT, usassem o Estado brasileiro como se fosse propriedade sua, acobertando o malfeito e dando proteção política aos malfeitores.

É frequente o comentário político de que os vícios que agora se revelam são resultado inevitável do funcionamento do presidencialismo brasileiro.

Atribui-se a culpa ao sistema, para isentar de responsabilidade o ex-presidente Lula. Não é verdade, porém, que um presidente esteja condenado a fazer o que fez o antecessor de Dilma Rousseff. Se o fez foi porque escolheu fazer.

No início de seu primeiro mandato, Lula recusou-se a aceitar um acordo preferencial com o PMDB, costurado por José Dirceu. Temia ficar refém de um grande partido e pôr em risco a hegemonia do PT na aliança. Preferiu armar sua base parlamentar com a adesão de pequenos partidos, anabolizados com a transferência de parlamentares e recursos financeiros, sob o patrocínio do Palácio do Planalto.

Cresceu assim o Partido da República (PR), então chamado Partido Liberal, agremiação controlada por Valdemar Costa Neto, cujas estripulias são hoje bem conhecidas.

Para encontrar espaço para enfiar tamanho saco de gastos no Executivo, Lula ampliou, de pouco mais de 20 para 35, o número de postos ministeriais e abriu as portas de empresas estatais e agências regulatórias ao loteamento político. No Congresso Nacional, mais especificamente na Câmara dos Deputados, seu governo passou a operar o esquema que viria a ser conhecido como "mensalão". Que Lula tenha alegado nada saber sobre o esquema não é moralmente desculpável, mas é da lógica política. Ter decidido travesti-lo com a roupagem de caixa 2 e se empenhado na proteção e posterior reabilitação política de boa parte dos envolvidos foi escolha sua.

Diante do susto do "mensalão", Lula resolveu dar ao PMDB o lugar de sócio privilegiado na aliança governista. O cuidado para não enfraquecer a posição do PT explica o zelo demonstrado na proteção política a "aloprados" de variada natureza e dimensão. Seria de esperar que reforçasse os mecanismos de controle dentro de seu próprio governo. Esses não são apenas institucionais. São também políticos e dependem fundamentalmente da autoridade do presidente e de como ele a utiliza.

Mas, como disse Jaques Wagner, que o conhece bem, Lula é "palanqueiro" e "tolerante".

A tolerância pode ser uma virtude política, e Lula a tem: não é homem de perseguir os adversários nem de se negar ao diálogo. Pode ser, porém, um enorme defeito, quando significar complacência com o mau uso dos recursos públicos. Palco de escândalo no primeiro mandato, a Empresa de Correios e Telégrafos foi entregue em seguida ao PMDB. Este deitou e rolou na estatal a ponto de exigir uma intervenção de emergência ao apagar das luzes do segundo mandato, já em plena campanha eleitoral, em face da iminência de um colapso em seus serviços. Outros partidos deitaram e rolaram em outras estatais (Infraero, por exemplo) e agências reguladoras (vide ANP).

Com a economia "bombando", em pleno "espetáculo do crescimento", Lula não pensava senão naquilo: agregar e manter apoios políticos para eleger a sua sucessora, empenhando-se pessoalmente na empreitada, não raro infringindo a legislação eleitoral e debochando de juízes que, cumprindo o dever, lhe aplicavam multas por transformar cerimônias oficiais em palanques eleitorais.

Dilma não se pode dar ao luxo de não ver ou aceitar prazenteiramente o modus operandi da coalizão de forças que a elegeu. Faltam-lhe as grandes qualidades e os defeitos superlativos de Lula. A economia não está mais "bombando". E "bombará" menos ainda, até onde a vista alcança, por mais que seja atenuado o impacto da crise internacional sobre o Brasil. Por ora, não há faxina alguma. Observam-se, sim, umas sapatadas aqui e acolá à medida que uma barata aparece na sala, na feliz imagem do jornalista Fernando Barros e Silva. E elas estão aparecendo não porque a presidente se tenha posto a caçá-las pela casa, mas porque há uma briga de punhais dentro da aliança governista - ou não foi o irmão do senador Roberto Jucá, líder do governo no Senado, quem primeiro acusou o recém-caído ministro da Agricultura? - e porque a imprensa e alguns órgãos de Estado estão cumprindo o seu papel. Conseguirá a presidente rearticular a sua base de apoio político sem coonestar o modus operandi da aliança que foi funcional para a sua eleição, mas ameaça gravemente a qualidade do seu governo?

Uma coisa é certa: o rei está nu. Lula não inventou o sistema político brasileiro, não criou o fisiologismo nem deu origem à corrupção. Tudo isso já existia antes de ele assumir a Presidência. Mas nada do que se está vendo - na escala, na extensão e na profundidade que se revelam - deixa de ter a sua marca registrada.

A honestidade intelectual me impede de dizer sobre o governo Lula o que ele próprio e seu partido disseram sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. O antecessor de Dilma Rousseff e seu governo têm qualidades. Deixaram-nos, porém, esta, sim, uma herança maldita: a corrupção sistêmica e disseminada no setor público federal; o aparelhamento do Estado, em níveis que há muito não se viam, incluindo ministérios cruciais, agências regulatórias e empresas estatais; a desmoralização do sistema partidário; e o debilitamento do próprio PT, agora tutelado por sua "majestade".

Ou nos livramos dessa herança ou seremos tragados por ela.