domingo, fevereiro 28, 2010

No afã de ‘justificar’ Cuba, Lula ‘esquece’ Honduras-

Josias de Souza, folha on line



Ricardo Stuckert/PR

 

  Lula Marques/Folha
Houve um tempo em que as ideologias, quando ficavam bem velhinhas, vinham morar no Brasil.

 

Hoje, dá-se coisa diferente. O Brasil visita as ideologias moribundas em seus habits naturais.

 

Na bica de completar oito anos de gestão, Lula acaba de realizar sua quarta viagem a Cuba. Dessa vez, deu azar.

 

Desembarcou em Havana no dia em que morreu Orlando Zapata, levado ao cárcere por ter cometido o crime de discordar do regime.

 

Nesta sexta (26), de passagem por El Salvador Lula fez uma nova tentativa de explicar o que a oposição cubana chamou de "silêncio cúmplice".

 

"Aprendi a não dar opinião sobre as atitudes de outros governos porque muitas vezes metemos a colher onde não deveríamos", disse Lula.

 

Curioso, muito curioso, curiossímo. No afã de explicar a inação de Cuba, Lula "apaga" da memória o colheraço que acaba de meter em Honduras.

 

Melhor que Lula tivesse imitado o seu "chanceler do B", Marco Aurélio Garcia, clicado pelo repórter Lula Marques na sequência de fotos ao lado.

 

Esquerdista de mostruário, Marco Aurélio reagira à morte de Zapata de modo mais singelo: "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".

 

Absurdo por absurdo, o auxiliar de Lula, por conciso, pelo menos soou mais curto que o chefe.

 

Mais um pouco e Marco Aurélio alcançaria a perfeição do personagem dostoievskiano da velha Rússia: "Se Deus não existe, tudo é permitido".

 

Lula, porém, preferiu esmiuçar o que lhe vai na alma: "Não podemos julgar um país ou a atividade de um governante em função da atitude de um cidadão que decide fazer uma greve de fome".

 

De fato, não se deve julgar Cuba apenas pela morte de Zapata. A ditadura cubana, velha de mais de cinco décadas, já produziu atrocidades infindas.

 

É mais cômodo julgar o morto: "Um cidadão que entra em greve de fome está fazendo uma opção que, na minha opinião, é equivocada".

 

Zapata desceu à cova aos 42 anos. Detido em 2003, cumpriria 32 anos de cana. Deixaria o cárcere em 2035, aos 67. Optou pela morte.

 

Os repórteres mudaram de assunto. Perguntaram a Lula o que achara da decisão de Hugo Chávez de abandonar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos depois da divulgação de relatório que questiona a violação às liberdades na Venezuela.

 

Lula agarrando-se de novo ao silêncio companheiro: "Não vou comentar a decisão de Chávez e não é correto que um chefe de Estado faça uma avaliação sobre uma decisão de outro chefe de Estado sem estar bem informado".

 

Perguntou-se a Lula sobre a viagem que fará ao Irã. Algo que animou a secretária de Estado Hillary Clinton, dos EUA, a visitá-lo na semana que vem.

 

E o presidente, em timbre altaneiro: "Não vejo nenhum problema em eu visitar o Irã e não terei de prestar contas a ninguém, a não ser ao povo brasileiro".

 

Para sorte de Lula, o povo brasileiro está em outra. Submetido a um cenário em que a socialdemocracia brinca de roda com o DEM e o socialismo operário pula amarelinha com o PMDB, o povo se liga emCazuza.

 

À procura de uma ideologia pra viver, prefere suar a camisa e obter a pecúnia que enche a geladeira e assegura a preservação da rotina pequeno-burguesa de comer três vezes ao dia.


A morte de Zapata e a omissão de Lula

EDITORIAL Correio Braziliense - 28/02/2010




Horas antes da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba, quarta-feira, o dissidente político Orlando Zapata Tamayo, um pedreiro de 42 anos, morria em uma das masmorras do regime fidelista. Ele estava em greve de fome havia 85 dias para clamar por tratamento mais humano a 200 presos políticos que com ele dividiam o cárcere. Zapata foi condenado a 25 anos de reclusão. Quais os delitos que cometeu? "Desacato, desordem pública e resistência", imputações penais que justificam a prisão de quem dissente da ditadura castrista.

Não seria razoável passar ao presidente Lula atestado de alienação ideológica, espécie de intoxicação sectária que poderia explicar a omissão diante daquela bárbara violação de direitos humanos. Lula tem plena noção de que a ilha caribenha está submetida a feroz despotismo stalinista há 51 anos. Então o apoio aos carrascos do povo cubano e a solidariedade ao Estado truculento são atitudes fundadas em avaliação consciente.

Com evidente contrariedade, o presidente Lula se viu compelido pela imprensa a pronunciar-se sobre o trágico destino de Zapata. Esperava-se que fizesse, no mínimo, alguma conclamação em favor do respeito aos direitos humanos. Mas, de forma espantosa, que mais tarde colheria repercussão mundial, criticou o ativista morto: "Lamento que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome", disse. Superou em desfaçatez o próprio Raúl Castro, o irmão de Fidel guindado à presidência do país, que declarou: "São dos Estados Unios a culpa" (da morte de Zapata).

Em reunião com enviados de Cuba, as autoridades espanholas haviam, dias antes, manifestado preocupação com a situação de Zapata. Há muito, porém, a Anistia Internacional colocou-o na lista dos "prisioneiros de consciência". A relação anota as pessoas recolhidas a enxovias políticas por delitos de opinião, fenômeno comum em países de governo tirânico. Mas a greve de fome não resultaria em morte, pelo menos dentro do prazo de 85 dias, se a vítima da brutalidade houvesse sido alimentada por via endovenosa. "Foi um assassínio com roupagem judicial", explicou o líder da ilegal Comissão Cubana de Direitos Humanos, Elizardo Sánchez.

Raúl Castro chegou a informar que o prisioneiro "foi levado aos nossos melhores hospitais". Soube-se, porém, que o socorro veio apenas um dia antes do falecimento por inanição. Explicações do déspota cubano não importam. Permanece, porém, sob severa censura da consciência democrática a conduta de Lula. Presidente de um país alçado ao topo da respeitabilidade internacional, não lhe cabe converter simpatias com governantes discricionários a ponto de não se indignar com a eliminação de opositores e o silêncio imposto pela força às opiniões divergentes.

Apoiar assassinos, e não ter remorsos

Publicado por Cassio Curvo em 28/02/2010 às 13:02 hs.

(Cassio Curvo) Este país passou dos limites.Se a chegada de Lula ao poder desmoralizou o roubo e a corrupção, dando-lhes outros nomes, como “recursos não contabilizados”, a mentira e dissimulação também foram desmoralizadas. Enquanto o mundo se revolta pelas palavras ditas por Lula sobre a morte do preso político cubano Orlando Zapata, aqui elas são admitidas como algo aceitável, permissivas quando ditas por ele.
Ao se ver encurralado pela reação mundial, como reação às declarações de apoio ao governo cubano e também ao apoio à proliferação nuclear do Irã, disse que deve satisfação apenas ao povo brasileiro. Se ele diz e o povo aceita passivamente, o mundo deve entender que nosso povo também entende assim.

Por isso, a declaração de Lula sobre a morte do preso político cubano, quando praticamente condenou o morto pela própria morte, representa a completa falta de consciência e princípios da nação em relação aquele ser humano.

Zapata, após quase uma década preso, de uma sentença de 36 anos, condenado apenas por se opor àquele governo, não sofreu apenas por ter sua liberdade cerceada, sofreu fome, humilhações, espancamentos, quando teve que ser operado, e ainda convalescendo da cirurgia, foi espancado novamente. Ao entrar em greve de fome, seus carcereiros ameaçaram-no, dizendo que se bebesse água, esta estaria com detergente. Deixou de beber água também, e teve que usar a própria morte como arma. Desesperado por todo sofrimento, viu que só conseguiria a liberdade tendo a morte como fuga.

E o que dizem aqui os defensores daquela ditadura? Ainda usam o embargo econômico como discurso. Empobrecidos nos argumentos, não vêem como é possível apagar a carnificina realizada na ilha. Os defensores de Fidel lembram os que na idade média entravam em transe ao ver a santa inquisição queimar na fogueira os que eram contra a igreja. A morte é parte da conquista do paraíso, e por ele tudo é possível.

Certamente o remorso não faz parte de suas consciências, mas saibam que tanto as mãos de Lula, quanto as deles, estão sujas de sangue por defenderem quem mata apenas para manter o poder. Que no futuro o remorso lhes pese.

Celso Ming - Lições da austeridade

O Estado de S. Paulo - 28/02/2010

Enquanto países de alta renda, especialmente os Estados Unidos, afundam em seus próprios rombos, desta vez o Brasil está relativamente bem na foto como a tabela está mostrando. E isso tem boas consequências políticas.

Os resultados das contas públicas divulgados na semana passada pelo Banco Central apontaram para um excelente janeiro, o melhor resultado em 15 meses, quando foi apurado um superávit primário (antes de deduzidas as despesas com juros) de R$ 2,2 bilhões.

Por algumas razões, não é ainda um resultado que garante a meta prometida de um superávit de 3,3% do PIB (cerca de R$ 115 bilhões ao final do ano).

Basta pinçar duas dessas razões. Primeira, o governo empurrou para fevereiro e março despesas que, em princípio, teria em janeiro e esse procedimento dificilmente poderá se repetir.

E, segundo, este é o último ano da administração Lula, circunstância que torna mais complicado o controle sobre a máquina gastadeira de sempre.

O superávit primário, mesmo num país de enormes necessidades sociais e carente de investimentos, não é capricho de economistas turrões. Não é só a melhor maneira de pavimentar a economia em direção ao crescimento futuro, da produção e do emprego. É também a melhor condição para que um governo possa conduzir suas políticas.

Embora a atual administração fiscal do governo federal esteja cheia de buracos por onde se perdem os recursos públicos, neste particular a situação do Brasil é bem mais confortável do que era há alguns anos e especialmente melhor do que a de um grande número de países que eram apontados como paradigmas de boa administração.

Um dos principais fatores pelos quais o presidente Obama vem tendo tanta oposição para aprovar seu projeto de universalização dos planos de saúde é o rombo fiscal do governo federal projetado para 2010, de 10,7% do PIB, e o crescimento insustentável da dívida pública, que vai para 65,2% do PIB.

Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Reino Unido e Itália estão com suas finanças vulneráveis e sujeitas a enormes ataques de predadores porque gastaram demais, endividaram-se demais e agora têm suas gestões públicas paralisadas pela crise.

Houve um tempo em que, no Brasil, a austeridade fiscal era considerada imposição dos países centrais e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ou, então, um objetivo inútil e politicamente descabido. Em 1986, por exemplo, o presidente José Sarney pôs a perder a estabilização temporária obtida pelo Plano Cruzado porque acreditou mais em mágicas e no voluntarismo do controle artificial de preços do que na disciplina fiscal sugerida por seus assessores. No ano seguinte, o País já estava quebrado, decretou a moratória, ficou patinando e não se reergueu a não ser em 1994, com o Plano Real.

Pela primeira vez depois de tantos anos de vida dura e complicações de todo tipo, a sociedade brasileira (e não só o governo) está em condições de perceber que a preservação do equilíbrio orçamentário não é um capricho de ortodoxos; é o único caminho que garante independência e o pleno exercício do poder. E, contra a mentalidade de tantos gastadores, é também precondição para o sucesso eleitoral duradouro.

JOAQUÍN MORALES SOLÁ La amenaza de un virtual cierre del Congreso

LA NACION

La deserción de un solo senador opositor le permite ahora al oficialismo guillotinar al Senado. La deslealtad de dos o tres diputados de la oposición le habilitaría al oficialismo la posibilidad de inmovilizar la Cámara de Diputados. La Argentina podría convertirse, así las cosas, en una República sin Congreso. El poder no está ya en poder de los Kirchner, pero tampoco está en manos de sus opositores. El poder está vacante , describió con dureza uno de los principales líderes parlamentarios.

Tan vacante está el poder, que el oficialismo comenzó a negociar en las últimas horas con la oposición (sobre todo, con el jefe de los diputados radicales, Oscar Aguad) la redacción de un proyecto de ley que reemplazaría al decreto de necesidad y urgencia de Cristina Kirchner sobre las reservas nacionales. El interlocutor enviado fue el líder del bloque oficialista, Agustín Rossi. El proyecto debe ser del Ejecutivo y no debe disponer de plata contante y sonante , le replicó el radical.

Barajaron distintas formas. Una de ellas fue la creación de una especie de fondo fiduciario que garantizaría el pago de la deuda, pero sin sacar los recursos del Banco Central. Otra forma sería la autorización al Gobierno para que pueda negociar la garantía de otros países sobre el pago de la deuda argentina. Hablaron de Brasil.

Otros bloques opositores creen que, antes que nada, el Gobierno debe derogar el decreto de necesidad y urgencia o éste debe ser rechazado por el Congreso. El camino se bifurca en la oposición, entonces. O nos convertimos en un partido único en el Congreso o moriremos . La frase la lanzó Felipe Solá, no sin cierta desesperación, ante los otros jefes opositores de la Cámara de Diputados. Solá y Elisa Carrió son los que mejor se llevan entre esos caudillos opositores. En cambio, Carrió desconfía de sus viejos correligionarios, los radicales.

Ambos, Carrió y Solá, le temen también al constante zigzagueo de la centroizquierda y, sobre todo, al bloque que conduce el ex arista Eduardo Macaluse. Sin la centroizquierda, la oposición puede contar sólo con 130 diputados, uno más de los necesarios para el imprescindible quórum del miércoles próximo, cuando se reúna la Cámara baja en su primera sesión con la nueva composición. Debería aprobar o rechazar el decreto de necesidad y urgencia que ordenó la transferencia de parte de las reservas nacionales a las cuentas del Ejecutivo. Es posible, no obstante, que Cristina Kirchner anuncie mañana, en el discurso ante el Congreso, su intención de buscar un proyecto de ley.

El presidente de Diputados, el kirchnerista Eduardo Fellner, fue más leal que el senador Miguel Pichetto: ya les anticipó de manera indirecta a los opositores que el quórum es responsabilidad de ellos. Es decir, el oficialismo no bajará al recinto si la oposición no logra sentar en las bancas a los 129 diputados propios. Solá hace gala de un escéptico optimismo y Carrió cree, puesta a elegir, más en las deserciones de última hora que en las lealtades irreversibles. No estoy segura de nada , reconoció. Aguad sostiene que sólo la adhesión de la centroizquierda podría darles seguridad. Sin ella, tengo muchas dudas , se resignó.

Hay líderes de la izquierda entrelazados con sindicatos que, a su vez, responden a los Kirchner. Hay gobernadores (como el cordobés Juan Schiaretti) que a veces está con los opositores y otras veces no está. Hay un choque cultural en la discusión entre los opositores. Así como Carrió y Solá tienen una misma manera de entender la política y el poder (y, por lo tanto, de predecir al kirchnerismo), los radicales prefieren no gastar el prestigio institucionalista de su partido para ganar pequeños combates. ¡No son pequeños! , estalla Carrió. La embrionaria negociación entre Rossi y Aguad podría abrir otra fisura en los opositores.

¿Ha ganado el kirchnerismo? El Gobierno perdería cualquier votación tanto en el Senado como en Diputados, pero tiene el recurso del quórum. De hecho, la reunión abortada en el Senado hubiera significado, aun sin Carlos Menem, la derrota del kirchnerismo por 36 a 35, pero no estaba en la oposición el senador número 37, indispensable para que el cuerpo pueda votar. Lo mismo sucedería en la otra Cámara si la oposición no sentara al diputado opositor número 129. El caso de Menem podría repetirse con otros senadores: el francotirador necesita abatir sólo a un senador opositor.

La pregunta que debe hacerse es qué solución habría para conflictos importantes si el Congreso fuera virtualmente cerrado. La Corte Suprema de Justicia debió rechazar varias presiones de los últimos días (la hicieron el procurador Joaquín Da Rocha y el secretario legal y técnico de la presidencia, Carlos Zannini) para que el tribunal suspendiera los fallos que inmovilizaron las reservas. La Cámara en lo Contencioso Administrativo, que dejó firme esas sentencias, deslizó en su resolución que sólo el máximo tribunal de justicia podía acceder a la suspensión reclamada por el Gobierno.

El Gobierno cayó en el acto sobre la Corte como una cuadrilla de desesperados para que suspendiera temporalmente los fallos que preservaron las reservas. Ninguna de las siete puertas de la Corte se les abrió a los enviados oficiales. La Corte les dijo que no.

La oposición tiene número en el Congreso como para modificar la coparticipación del impuesto al cheque, para reformar el Indec y para cambiar la composición del Consejo de la Magistratura. Varios senadores oficialistas están, incluso, con un pie fuera del kirchnerismo; son cuatro. El cambio del impuesto al cheque sería la primera experiencia de una importante deserción de oficialistas, que no podrán oponerse a un mayor envío de recursos a sus provincias.

Los cambios en el Indec derrumbarían el paraíso artificial en el que se mueven los Kirchner y un nuevo Consejo de la Magistratura debilitaría al Gobierno ante los jueces, que son los que más temores producen entre los que mandan. El quórum es el último y más eficiente recurso que les queda para paralizar a la crucial institución que ya han perdido.

Rastros de la debilidad oficial pueden encontrarse hasta en el discurso. ¿Hubiera criticado Cristina Kirchner a Barack Obama si supiera que es una jefa de Estado considerada por Washington? No. Sabe, consciente o no, que su gobierno importa poco en el mundo. Recientemente, los gobernantes argentinos armaron un escándalo de proporciones porque un subsecretario norteamericano, Arturo Valenzuela, dijo que había escuchado quejas de algunos empresarios sobre la seguridad jurídica en la Argentina. Resulta que ahora una presidenta de la Nación destrató en público al presidente de los Estados Unidos como si esas cosas no tuvieran consecuencias. Las tendrán. Fue el propio Valenzuela el encargado de replicarle a Cristina con el suficiente énfasis como para que aquí se sepa que Washington tomó nota de sus dichos.

La Presidenta habla de un presidente al que alabó y, sin embargo, no dijo nada de la muerte de un prisionero de conciencia en Cuba, Orlando Zapata Tamayo, que perdió la vida en las cárceles del castrismo, entre denunciados tormentos y luego de una larga huelga de hambre. Cuba ni los Castro serán los mismos después de la muerte de Zapata Tamayo; los Kirchner no se notificaron de esa crucial novedad.

Los renovadores Kirchner se aferran como ningún otro al pasado. Al final de siete años de proclamados cambios, la política del peronismo la terminan definiendo Menem, Adolfo Rodríguez Saá y Eduardo Duhalde. Con la bandera de los derechos humanos, ellos consienten indirectamente que dos ancianos sigan gobernando Cuba con los métodos de una insoportable tiranía. ¿No son ellos también, al fin y al cabo, los que plantean en su propio país la inviable y vieja posibilidad de una República sin Congreso?

MARIANO GRONDONA El día en que todos nombraron al "Innombrable"

LA NACION

El miércoles último parecía destinado a ser el día en el cual la oposición tomaría el control del Senado del mismo modo como el 3 de diciembre de 2009 había tomado el control de la Cámara de Diputados. Pero no resultó así. El miércoles último fue, al contrario, el día de Carlos Menem. Mientras el ex presidente jugaba al golf en La Rioja, en efecto, por su inesperada ausencia la oposición quedó en el Senado a un voto de la mágica cifra de los 37 votos que necesita para asegurar su mayoría contra los 35 votos que aún responden a Kirchner. No bien se supo que la oposición sólo vencía al oficialismo por 36 votos contra 35 y no por 37 a 35 como se había presumido, el jefe del bloque de senadores kirchneristas, Miguel Angel Pichetto, quebrando al parecer una promesa que había ofrecido a cambio de la reelección del senador José Pampuro como presidente provisional del Senado (y segundo después del vicepresidente Julio Cobos en la línea de la sucesión presidencial), ordenó a los suyos retirarse de la sesión y dejó a los perplejos antikirchneristas sin quórum propio.

Se tejieron de inmediato diversas conjeturas sobre el "faltazo" de Menem. Algunos, los más suspicaces, imaginaron que había "arreglado" su imprevisto ausentismo contra la promesa de Kirchner de remover las causas judiciales que aún pesan sobre él. Otros, quizá demasiado ingenuos, suponían que sólo algún inconveniente logístico, que será fácil de corregir el próximo miércoles, había impedido transitoriamente el viaje de Menem a Buenos Aires. Finalmente, una tercera hipótesis comenzó a tomar cuerpo: que Menem estaba ofendido, pero no ya con Kirchner, a quien considera irrecuperable, sino con sus compañeros de bancada del "peronismo federal", mientras el ex presidente se encerraba en un enigmático mutismo que en las últimas horas parecía inclinarse hacia un voto contra el Gobierno.

La hipótesis sobre el supuesto "arreglo" con Kirchner y la consiguiente "traición" de Menem poseen poco asidero si se tiene en cuenta que el desempate de Cobos en la madrugada del 17 de julio de 2008, cuando cayó en el Senado la famosa resolución 125 mediante la cual el kirchnerismo pretendió en vano el despojo al campo, no habría sido posible sin el voto de Menem, que, para concretarlo, había desafiado la neumonía que en ese tiempo lo aquejaba. Tampoco la hipótesis del "arreglo" se sostiene ante un Poder Judicial que está recobrando gradualmente su independencia, aunque en un postrer intento el kirchnerismo apostaría a lograr el inmediato arresto de Menem para que no pueda votar en el senado el próximo miércoles. Si dejamos de lado la explicación pueril de un supuesto inconveniente técnico debido a la lluvia, todavía nos queda por analizar, como causa posible del enredo, el enojo de Menem con sus compañeros de bancada.

La autoestima de Menem

Durante diez años, de 1989 a 1999, Menem fue presidente elegido y reelegido por los argentinos. Parece ecuánime recoger en tal sentido muchas de las críticas que recibió por su polémica gestión, pero no parece razonable tenerlo en cambio por un mero oportunista sin desconocer los rasgos más salientes de su carácter, entre los cuales cuenta su altísima autoestima. Ya en la famosa madrugada de julio de 2008 que venimos de recordar, al votar contra Kirchner pese a una seria enfermedad, Menem demostró ante propios y extraños su acendrado antikirchnerismo. Pero ¿qué pasó después de la presidencia de Menem? Que los que venían del menemismo se dividieron entre dos actitudes: en el lugar más bajo de la escala de valores, están aquellos, como el propio Pichetto, que se pasaron sin más del menemismo al kirchnerismo por razones que, para ser benévolos, llamaríamos "pragmáticas", y, en un lugar más discreto, están aquellos que, sin abandonar del todo su pasado menemista, abrieron las puertas a una suerte de "menemismo vergonzante". Desde este momento, la bancada del peronismo federal siguió aceptando el apoyo "externo" del ex presidente, pero sin concederle la participación relevante a la que éste creía tener derecho.

Su razonamiento parecía ser, en tal sentido, que Menem, en virtud de su oposición frontal al kirchnerismo, siempre apoyaría a sus compañeros de bancada, aunque no recibiera de ellos más que un discretísimo acompañamiento. Esta es la hipótesis que el miércoles último se quebró. El "golf político" de Menem vino a recordarles a sus aliados presuntamente "vergonzantes" que, para repetir el famoso verso atribuido a Zorrilla, aquel a quien todos daban por muerto "goza de buena salud". El mensaje que Menem acaba de enviarles a sus compañeros de bancada es que, para seguir acompañándolos, necesita pruebas fehacientes, si no de su fervorosa adhesión, al menos de su invariable respeto. Del miércoles pasado al próximo miércoles podremos apreciar en qué medida este mensaje ha sido aceptado.

Angeles y demonios

Como acaba de mostrarlo anteayer Santiago Kovadloff en LA NACION, el maniqueísmo -esto es, la división del mundo entre los "buenos", es decir "nosotros", y los malos", es decir, "ellos"- ha sido una constante argentina. Esta hendidura entre los "buenos" y los "malos" cavó el abismo entre unitarios y federales, radicales y conservadores, peronistas y antiperonistas, y montoneros y militares, que una y otra vez frustró la reconciliación de los argentinos. Según Kovadloff, Kirchner, a quien no considera auténtico sino oportunista, se montó hábilmente sobre este antiguo vicio argentino para apoderarse del noble ideal de los derechos humanos y para alentar también la demonización de la década menemista. Pero la demonización del menemismo no fue exclusiva del kirchnerismo, ya que fue acompañada por casi todo el espectro político hasta afectar al fin a los propios aliados de Menem en el Senado.

Habría que preguntarse de dónde proviene esta antigua vocación por la enemistad política que hoy caracteriza al kirchnerismo y que sus opositores buscan exorcizar ahora después de las decisivas elecciones del 28 de junio, en las que el pueblo ha dado un fuerte indicio, producto de un largo aprendizaje, en dirección del espíritu de una auténtica república. ¿Será necesario subrayar, en este sentido, que en nuestra historia no ha habido ángeles y demonios, sino simplemente hombres y mujeres plagados de errores pero también habitados por el idealismo? ¿Cómo haremos en todo caso para derrotar, a partir del 28 de junio, este vicio ancestral del encono entre los argentinos, que aún demora el advenimiento de nuestra grandeza?

Reconociendo, por lo pronto, que también es posible reconstruir nuestra memoria colectiva para darle a cada etapa sus méritos al lado de sus defectos, y asumiendo a partir de aquí que cada etapa dejó, aparte de sus errores, las bases de su superación. Por tomar un solo caso: admitiendo, por ejemplo, que el propio Rosas, que fue sin duda un dictador, aseguró pese a ello la unidad territorial que les permitiría a Alberdi y Urquiza organizarnos como esa república progresista y estable que fuimos desde 1853 hasta 1930. Los mismos juicios matizados podrían emitirse en torno de figuras tan controvertidas como Yrigoyen, Justo y Perón, y asimismo en torno de la incipiente república que supimos establecer a partir de 1983 y que hoy se mantiene en pie, abierta a la posibilidad del consenso al que tantas veces nos hemos negado. Tampoco podríamos excluir a Menem de este salvador recuento. Nos guste o no, incluso él es parte de nuestra historia, y la grandeza que aún se nos demora consistirá en alojarlo, junto con aquellos otros nombres, en la atribulada lista de la argentinidad.

Miriam Leitão Refúgio dos ricos

O GLOBO

Dos empréstimos concedidos no ano passado pelo BNDES, as grandes empresas representaram 9,7% das operações e ficaram com 83% do dinheiro. Há casos espantosos, como o do frigorífico JBS Friboi, do qual o BNDES comprou 99,9% das debêntures emitidas. O maior desembolso foi para o projeto que tem contestação do TCU, mas que o governo resolveu manter assim mesmo: a refinaria Abreu e Lima.

O BNDES é um velho canal pelo qual o Brasil transfere dinheiro para a elite empresarial. O dinheiro é mais barato do que o custo pago pelo Tesouro por sua dívida, ou seja, é subsidiado.

Nunca antes na história desse BNDES houve tantas operações de grande volume para empresas grandes por motivos discutíveis.

Nesta crise, o banco voltou a ser hospital de empresas, um papel que havia sido renegado na década passada pelos prejuízos que provocou.

No começo do ano passado, logo após receber R$ 100 bilhões do Tesouro, o banco liberou R$ 2,4 bilhões para capitalizar a Sadia, para que a empresa fosse assumida pela Perdigão, formando a BR Foods. A Sadia estava em encrenca justamente por erros dos seus acionistas e administradores na especulação com o câmbio.

E, se não comprasse, o que aconteceria? Nada, a empresa acabaria sendo comprada por um preço mais baixo por qualquer concorrente interessado nos ativos.

O fato é que com operações assim, o que o BNDES preservou foi o patrimônio dos acionistas. Foi mais uma vez o refúgio dos ricos.

O caso do Friboi é espantoso.

Primeiro, porque é descarada a preferência pelo frigorífico e o financiamento total ao seu projeto de internacionalização.

A imprensa fala em R$ 7,5 bilhões aplicados pelo banco na empresa em dois anos. Até o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, Péricles Salazar, em entrevista ao "Estado de S. Paulo", disse o seguinte: "O grande pecado do BNDES é o excesso. O país tem outras prioridades. Por que jogar tanto dinheiro numa empresa só?" O BNDES admitiu ter posto R$ 3,2 bilhões e mais R$ 2,5 bi no Bertin, comprado pelo JBS.

O Friboi tem quase 80% da sua receita fora do país. Na operação para a compra do Pilgrim's Pride, um frigorífico americano, a empresa lançou debêntures de R$ 3,4 bilhões, e o BNDES comprou 99,9%. A família Batista, dona da empresa, comprou meros 0,05%. Consultado, o JBS alegou que não tinha técnico disponível para responder às nossas perguntas.

Quando a Aracruz também se complicou com derivativos cambiais, a Votorantim a comprou por R$ 5,4 bilhões, mas o negócio só foi possível porque o BNDES fez um aporte de R$ 2,4 bilhões na VCP, 40% do valor do negócio, deixando assim a família Ermírio de Moraes e as famílias donas da Aracruz com seus patrimônios preservados e engordados. Essas operações de compra de ativos não geram emprego, muito menos a compra no exterior, como fez o JBS Friboi.

O dinheiro dado à Telemar para a compra da Brasil Telecom foi uma extravagância.

E, de novo, era um negócio que significava mais concentração e nenhum emprego.

Só duas das parcelas foram: R$ 2,6 bilhões, anunciada em 2008, e R$ 4,4 bilhões, em 2009. Consultada, a empresa disse que está em período de silêncio que antecede a divulgação de balanços.

O BNDES afirma que só participou com R$ 2,6 bilhões na compra pela Telemar da Brasil Telecom. No balanço de 2009, há R$ 4,2 bi em empréstimos para a Telemar e Brasil Telecom.

O pior empréstimo do BNDES foi para o frigorífico Independência, porque a operação de injeção de R$ 450 milhões no capital foi feita em novembro de 2008. Com esse capital, o banco ficou sócio do frigorífico, do qual 100% das ações pertenciam à família Russo. O banco subscreveu R$ 250 milhões de ações e em março faria outra operação de R$ 200 milhões, mas aí a empresa quebrou e entrou em recuperação judicial.

Hoje, vários bancos estão na Justiça, inclusive o JP Morgan, para tomar os bens de acionistas. O BNDES nos respondeu que encaminhou o assunto ao departamento jurídico. O que precisa ser explicado é como ele colocou tanto dinheiro num frigorífico às vésperas de quebrar.

O BNDES montou também uma acrobacia fiscal para tentar garantir a aparência de cumprimento do superávit primário. Transferiu R$ 3,5 bilhões para o Tesouro comprando dividendos da Eletrobrás.

Tradicional financiador de projetos de longo prazo, o banco hoje em muitas operações se distancia desse perfil. Virou sócio de empresas com dificuldades e, além disso, empresta recursos para as mesmas empresas das quais é sócio. Faz operações de alto risco, como a do Frigorífico Independência, e participa de manobras fiscais para edulcorar as contas públicas.

Para as pequenas empresas, o banco destinou 5% do capital; para as micro, 4%; e para as médias, 7%. Pessoa física ficou com 1%. O resto, 83%, foi para as grandes, que são apenas 9,7% das operações.

No site da instituição, está registrado que os maiores empréstimos foram para a Refinaria Abreu e Lima, R$ 10 bilhões; Petrobras, com outros R$ 10 bilhões; alguns grandes projetos como Santo Antônio; Jirau; e grandes empresas mesmo estrangeiras como General Motors. No ano passado, na área industrial, o JBS está como a maior operação, com R$ 3,5 bilhões a título de "internacionalização da empresa". A segunda é de compra de ações da BR Foods, de "até" R$ 1 bilhão.

E houve várias operações apenas de concessão de capital de giro, como a de R$ 200 milhões para a Camargo Corrêa, mesmo valor destinado à Positivo Informática.

Para as Lojas Americanas, R$ 150 milhões; para a TIM, duas operações de R$ 200 milhões cada. Capital de giro não costuma ser financiamento de longo prazo.

Digamos que tudo isso foi feito numa ação anticíclica.

E agora que a crise passou? O BNDES vai manter o mesmo tipo de atuação?

Rubens Ricupero Paz perpétua

FOLHA DE S. PAULO

Como se pode condenar golpe como o de Honduras e legitimar regimes onde presos políticos morrem em greve de fome?

Amanhã completa o Brasil 140 anos de paz ininterrupta com seus dez vizinhos, que já foram 11 no passado. O 1º de março original marcava o fim da Guerra do Paraguai nesse dia de 1870 (morte de Francisco Solano López).

O fato é notável, sem precedentes nem paralelos. Desconheço um grande país com tantos vizinhos com igual tradição de paz. Basta olhar para a história da Rússia, da China, da Índia, da Alemanha, da França, países de muita vizinhança. Ou para os Estados Unidos, de poucos vizinhos, mas em situação oposta à nossa: vivem em estado de guerra permanente.

Uma das consequências de quase um século e meio de paz é que se apagou no inconsciente coletivo a mais vaga lembrança das ameaças externas. Isso explica por que se mostra tão difícil convencer os brasileiros de que o país necessita gastar fortunas em armamentos dispendiosos. Não é à toa que dos quatro Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) ou dos cinco "países-monstros" -aqueles que combinam território continental com população gigantesca-, isto é, os quatro Brics e os Estados Unidos, o Brasil é o único que não é nem potência nuclear nem, a rigor, potência militar convencional.

Não nascemos assim. Logo depois da Independência, tivemos a guerra contra a Argentina devido à incorporação da Cisplatina, o atual Uruguai. Após 1850, foram diversas as intervenções brasileiras nos países platinos, culminando com a "maldita" Guerra do Paraguai, que, no dizer do barão de Cotegipe, atrasou-nos 50 anos. Como escapamos dessa sina?

Os diplomatas do passado seguiram caminho simples, no fundo com três metas:

1ª) em vez de perder tempo com diplomacia sem objetividade, protagônica e mirabolante, resolveram por negociações, de modo paciente e sistemático, como fez o barão do Rio Branco, todas as questões de limites ou outras pendentes;

2ª) defenderam os direitos e os interesses do Brasil com firmeza e fé na única ideologia que se lhes pode atribuir, a da confiança não na força ou no poder mas no Direito internacional;

3ª) obedeceram de forma estrita ao princípio de não ingerência em assuntos de terceiros.

Os que hoje pensam que esses princípios são obsoletos e devem ser substituídos por diplomacia intervencionista e ideológica enganam-se duplamente. Velha era a tendência de meter-se na casa alheia, que nos valeu guerras, ódios e ressentimentos dos que pretendíamos "redimir". Ao usar a Embaixada do Brasil em Honduras como santuário de "putsch" gorado contra autoridades locais, ao querer ditar à Colômbia o que é melhor para sua segurança, voltamos à perigosa política das ingerências.

Além de pôr em risco as bases de 140 anos de paz, a seletividade ideológica compromete a coerência na defesa de princípios. Como se pode condenar um golpe de opereta como o de Honduras e oferecer legitimidade a regimes onde presos políticos morrem em greve de fome ou que negam o Holocausto e mandam enforcar opositores?

É por isso que amanhã, data também do bicentenário de Chopin, ao ouvir os Noturnos que embalaram a agonia do poeta, deveríamos meditar a lição de Rio Branco: "O Brasil nada mais tem a fazer na vida interna das nações vizinhas (...) o Brasil do futuro há de continuar a confiar acima de tudo na força do Direito e (...) a conquistar a consideração e o afeto de todos os povos vizinhos em cuja vida interna se absterá de intervir".

Ferreira Gullar Pega mal

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se já sabe que não era?

Como pode uma senhora de mais de 60 anos -que em breve será avó- dizer mentiras? E em público, para a nação inteira, sabendo que as pessoas honestas e informadas do país saberão que ela está dizendo mentiras e, ainda assim, o faz em altos brados, para que todos ouçam! Pergunto, sem maldade: pode alguém confiar numa senhora que mente?

E ela mesma, esta senhora que mente, terminado o ato público, a solenidade ou o comício, ao voltar para casa e deitar a cabeça no travesseiro, que dirá a si mesma?

Imaginemos a cena: ela sozinha no quarto, troca de roupas, deita-se na cama e apaga a luz. Foi um dia agitado, passou a noite a ouvir discursos no congresso de seu partido, à espera do momento em que faria seu próprio discurso, por todos esperado. Dali a alguns momentos, ela seria aclamada candidata à Presidência da República e, então, faria seu pronunciamento à nação.

E, nesse pronunciamento, iria mentir, iria afirmar coisas que sabia não serem verdadeiras, com o propósito de desacreditar os adversários políticos e futuramente derrotá-los nas urnas. E então mentiu, mentiu diante de seus companheiros de partido, que sabiam que ela mentia; mentiu perante o presidente da República, o inventor de sua candidatura, que ali estava a exaltar-lhe os méritos e sabia que ela mentia. E, agora, sozinha, no silêncio do quarto, que diria a si mesma?

Não pode dizer a si mesma que não mentira. Isso o mentiroso poderá dizer a alguém que o acuse de ter mentido: finge estar ofendido, faz-se de indignado e chega até a insultar quem o acusou de mentir. É parte do papel do mentiroso. Mas consigo mesmo, não consegue fazê-lo. Enganar os outros é possível, ou pelo menos ele acredita que consegue, mas enganar a si mesmo é bem mais difícil, se não impossível.

Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se sabe que não era? Com a cabeça no travesseiro, sozinha consigo mesma, será que lhe vem à mente a confissão dolorosa?

Será que, contra sua vontade, uma voz interior, que só ela ouve, lhe dirá: "Como teve a coragem de dizer esta noite, para o país inteiro ouvir, tantas inverdades? Acha certo enganar as pessoas? E pior ainda, enganá-las ao mesmo tempo em que se propõe governar o país?".

Não posso garantir que isso tenha ocorrido, pois há casos de pessoas mentirosas que terminam acreditando nas próprias mentiras. Se bem que esses que acreditam no que inventam são outro tipo de mentirosos, que necessitam, sobretudo, enganar-se a si mesmos, mais do que enganar os outros.

Esse gênero de mentira é diferente da mentira política, quando o cara afirma coisas que não aconteceram, que todas as pessoas informadas sabem que não aconteceram e, mais que todos, o próprio mentiroso o sabe e sabe que todos o sabem.

Pelo que li nos jornais e vi na TV, no 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, o que não faltou foi mentira. Creio que a ministra Dilma Rousseff é essencialmente honesta, tanto que sempre que afirma certas coisas, percebe-se hesitação em sua voz. Não se sente à vontade, como Lula, que, ali mesmo, afirmou ter sido o mensalão uma conspiração contra seu governo. Uma conspiração da qual deve ter participado o procurador-geral da República, uma vez que, em sua denúncia, falou de "uma quadrilha", chefiada pelo chefe da Casa Civil do Lula.

No segundo turno das eleições de 2006, o PT inventou que Geraldo Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Isso nunca havia sido dito nem cogitado pelo PSDB, nem por seu candidato nem por ninguém.

Uma pura e simples calúnia, com o objetivo de minar a candidatura adversária.

O primeiro a dizer isso foi Lula, num debate na televisão. Alckmin o desmentiu, no mesmo instante. Lula se calou, mas, já no dia seguinte, a propaganda do PT insistia na mentira, que enganou muita gente e garantiu a vitória de Lula. Agora, mal começa a campanha, Dilma retoma a afirmação mentirosa, deixando claro qual será o nível em que o PT pretende conduzir a disputa.

Na verdade, durante o governo FHC, foram feitas várias privatizações, com resultado altamente positivo para o país, a começar pela telefônica, cuja privatização tornou o celular um bem comum a qualquer brasileiro; a CSN, privatizada, passou a dar lucro em vez de prejuízo aos cofres públicos; e a Vale do Rio Doce se tornou uma das maiores empresas do mundo.

Dilma cala sobre essas privatizações que deram certo e mente sobre as "privatizações" que nunca ninguém pensou fazer. Para uma senhora já de certa idade, ainda que petista, pega mal.

MERVAL PEREIRA Palpite infeliz

O GLOBO - 28/02/10


O presidente Lula deve estar convencido de que sua popularidade lhe permite fazer o que quiser, dizer o que lhe vem à cabeça, sem necessidade de ter a mínima coerência. Só assim se explica a série de despautérios que andou distribuindo em seu mais recente périplo internacional nos últimos dias.

Apanhado em flagrante pela comunidade internacional em contradição fundamental ao não criticar a ditadura de Cuba pela repressão política que, para seu azar, culminou desta vez com a morte de um dissidente que fez greve de fome exatamente no dia em que chegou à ilha de seu amigo Fidel Castro, Lula disse ter aprendido "a não dar palpite no governo dos outros".

Uma desculpa frouxa e sem base na realidade. Se o ditador de plantão, Raul Castro, foi grotesco ao culpar os Estados Unidos pela morte, Lula foi quase cruel ao criticar a greve de fome como instrumento político. E exigir uma carta protocolada na embaixada para receber os dissidentes cubanos.

Uma formalidade que um presidente realmente democrata não exigiria de uma oposição sabidamente perseguida numa ditadura.

Mas analisemos a desculpa de Lula para não fazer comentários sobre a ditadura cubana. Para começar, é através dele mesmo que sabemos que ele se mete no governo dos outros, até mesmo dos Estados Unidos.

Lembram daquele dia em que ele disse que acordou invocado e ligou para o Bush? Em outro momento, no auge da crise financeira, Lula contou que ligou duas vezes para o presidente Bush.

"Eu liguei para ele para falar: 'Bush, o problema é o seguinte, meu filho: nós ficamos 26 anos sem crescer, agora que a gente está crescendo você vem atrapalhar? Resolve a sua crise'. E depois, o Brasil tem knowhow para salvar banco, é só criar um Proer", disse durante discurso no Fórum Empresarial Brasil-México, em Recife.

Pode ser apenas uma bravata, mas está registrado.

Quando é para defender Cuba, Lula também não se incomoda de se meter no governo dos outros.

Já contou que disse ao presidente Barack Obama que ele deveria ter a mesma audácia dos eleitores que o colocaram na Casa Branca, e acabar com o bloqueio econômico a Cuba.

No caso de Honduras, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno de Manuel Zelaya ao país, abrigando-o na embaixada brasileira.

E pedia sanções internacionais a Honduras, as mesmas que quer levantar em Cuba, enquanto Zelaya não voltasse ao governo. Queria porque queria que a ONU e a OEA interviessem em Honduras, ao mesmo tempo em que defende o retorno de Cuba à OEA sem nenhum compromisso com a democracia.

Da mesma forma, o Brasil foi dos países mais ativos, ao lado da Venezuela de Chávez, na condenação das bases militares dos Estados Unidos na Colômbia, mas nunca fez um comentário sobre os acordos militares que o mesmo Chávez andou assinando com a Rússia e o Irã.

Recentemente, intrometeuse na disputa da Argentina com a Inglaterra sobre as Malvinas (ou Falklands), cobrando da ONU uma posição.

O presidente Lula também andou mandando recados para o governo dos Estados Unidos, que aumenta as pressões para que o país não proteja o programa nuclear iraniano, que está sendo tocado sem a fiscalização dos organismos internacionais, especialmente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Disse que não deve exp licações a ninguém, "apenas ao povo brasileiro ", numa referência à próxima presença da secretária de Estado Hillary Clinton no Brasil. Retórica vazia e populista, pois o país que eventualmente dirige não é um pária na sociedade internacional, e tem que se submeter aos organismos internacionais.

Se o governo do Irã insiste em realizar um programa nuclear fora do sistema de fiscalização que existe sob os auspícios da ONU, o Brasil não deveria dar-lhe apoio.

Ao contrário, o apoio do governo brasileiro à ditadura teocrática de Mahmoud Ahmadinejad se dá em vários níveis.

Quando ele foi eleito sob suspeita de fraudes, provocando protestos internos e uma onda internacional de repúdio, Lula foi dos primeiros a vir em seu socorro, minimizando os protestos como sendo comparáveis à disputa de torcidas de futebol, com o perdedor reclamando.

As muitas mortes que se seguiram aos protestos não foram suficientes para o governo brasileiro recuar.

O chanceler Celso Amorim não teve nem o cuidado de mudar o dia da reunião com o chanceler do Irã no recente Fórum Econômico Mundial, em Davos.

Recebeu-o no mesmo dia em que três dissidentes "da torcida rival" eram fuzilados em Teerã ainda devido aos protestos contra a eleição de Ahmadinejad.

Depois, disse que o Brasil não se nega a ter relações com países apenas porque eles têm pena de morte.

Como se os fuzilamentos da oposição iraniana pudessem ser comparados com os criminosos quesão condenados à morte em alguns estados nos Estados Unidos.

Os interesses econômicos e políticos têm precedência sobre os direitos humanos no pragmatismo de nossa política externa.

Presos por opinião política no Irã ou em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga muito quando "países amigos" os transgridem .

SERGIO FAUSTO Basta ter olhos para ver

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10


Estive em Caracas antes do carnaval. Respira-se um clima pesado na Venezuela. A responsabilidade não é do El Niño, mas de Hugo Chávez. Seu governo se torna mais repressivo à medida que cresce a insatisfação social em consequência da inflação em alta, da desarticulação do sistema produtivo, do desmantelamento dos serviços públicos de saúde, do aumento da criminalidade, do racionamento de água e energia. Resultado não de fenômenos climáticos ou das maquinações do "império", mas da ineficiência, do voluntarismo e da arbitrariedade que caracterizam, cada vez mais, os dez anos de sua permanência no poder.

Chávez surgiu invocando a figura de Simon Bolívar. Hoje, para fins práticos, quem lhe serve de referência é Cuba. A construção do "socialismo do século 21" passou a orientar o projeto chavista a partir das eleições parlamentares de 2005, quando as oposições desistiram da disputa e os partidos governistas conquistaram 100% das cadeiras da Assembleia Nacional, e do pleito presidencial de 2006, que deu a Chávez seu segundo mandato. Até então, apesar de tudo, o chavismo havia-se movido dentro dos limites da Constituição de 1999, que inovava, mas não rompia com a matriz federativa e liberal da Constituição de 1961. Em desrespeito à Constituição vigente havia-se comportado, isso sim, a direita golpista, quando tentou apear Chávez do poder à força, em abril de 2002. O golpe fracassou, em boa medida, graças à pronta condenação latino-americana orquestrada pelo Brasil, na época presidido por Fernando Henrique Cardoso.

Em 2005-2006, com o controle quase total da situação política, o coronel-presidente engatou a segunda marcha do movimento chavista, agora sob a bandeira do socialismo do século 21, mescla rara e confusa de ideias marxistas, cristãs e "bolivarianas". Nessa etapa, a reforma da Constituição tornou-se seu maior objetivo político. Reformar para concentrar o poder no Executivo federal e na Presidência da República, para permitir a reeleição indefinida, para criar os tentáculos que, por cima de governadores e prefeitos, permitiriam o controle direto do poder local pelo centro do poder, personalizado em Chávez. Reformar para mudar o regime de propriedade e estabelecer as bases de um novo modo de produção. Junto com as reformas, derrotadas em plebiscito no final de 2007, mas mesmo assim implementadas por meio de decretos nos anos subsequentes, vieram a formação de uma milícia popular subordinada à presidência e a criação de um partido, o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), sob a liderança de Chávez. Um projeto de tendência totalitária, com um viés personalista, um componente de militarização da vida política e uma vocação a estender sua influência para além das fronteiras nacionais venezuelanas.

O regime vem sofrendo seguidas defecções após abraçar o "socialismo do século 21", várias de peso, como as do general Raúl Baduel, do ex-vice presidente José Vicente Rangel e, semanas atrás, do então ministro da Defesa e vice-presidente Ramón Carrizález. São três, aparentemente, as principais razões para a perda de aliados: a exacerbação do caráter personalista do regime ("eu sou o povo", disse o coronel-presidente há poucas semanas), a acentuação dos seus traços totalitários e o peso cada vez maior de oficiais cubanos no esquema militar e repressivo do governo. Além disso, a subordinação estrita dos conselhos comunais à direção do PSUV tem levado intelectuais e militantes adeptos da participação popular direta à desilusão e ao afastamento. Às defecções se soma a erosão do apoio social ao governo, hoje reduzido, segundo as pesquisas mais recentes, a pouco menos da metade da população.

Nada disso, porém, faz prognosticar o recuo de Chávez. Ao contrário, conquistado o direito à reeleição indefinida no referendo de 2009, o coronel-presidente dobra a aposta até aqui vitoriosa: a polarização maniqueísta entre "o povo" (liderado por ele) e "a oligarquia" (representada pela oposição) e a manipulação das regras do jogo, como a recente reforma eleitoral, que tende a favorecer o PSUV nas eleições de setembro. A estratégia e a retórica do confronto não são novidade. Pela primeira vez, no entanto, os benefícios ao povo estão posto em xeque, pelas razões apontadas no primeiro parágrafo. Com seu apoio social ameaçado, com ex-aliados em fuga, com uma economia débil e serviços sociais e de infraestrutura comprometidos, Chávez age de modo a fortalecer os mecanismos repressivos e aumentar o medo de se opor ao governo: nos últimos meses, uma juíza foi encarcerada por liberar um empresário que se encontrava detido há muito tempo sem processo, a polícia e bandos armados arremetem contra manifestações estudantis, atos e ameaças de expropriação de empresas e imóveis comerciais tornam-se ainda mais arbitrários e intempestivos, etc.

A radicalização chavista aponta perigosamente na direção de uma escalada de violência. Estima-se que haja entre 3 milhões e 6 milhões de armas ilegais no país. Também armada está a milícia popular sob o comando de Chávez. Circulam rumores de toda sorte, incluindo a reedição do "Caracazo", violentos e generalizados protestos de rua ocorridos em meio à crise econômica do final dos anos 80. Teme-se, sobretudo, um autogolpe de Chávez, ao estilo Fujimori, pretextando a necessidade de garantir a ordem em face de "circunstâncias excepcionais".

Do Brasil, até aqui, até onde nos é dado saber, nem sequer uma nota de preocupação. Lula faria bem se deixasse claro a Chávez que complacência tem limites. Que os valores (a democracia) e os interesses do Brasil (a estabilidade política na região) não se subordinam a eventuais afinidades ideológicas e alianças políticas que possam existir entre setores de seu partido e o castro-chavismo. Se não o fizer, assumirá, por omissão, responsabilidade pelas imprevisíveis consequências da escalada repressiva em curso na Venezuela

SUELY CALDAS Estatais? Para que?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10


O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.

No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.

Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.

Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.

Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.

No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.

Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.

A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.

As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.

Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?

JANIO DE FREITAS Cuba e seus amigos

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10


Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes, que colaborariam com menos conformismo

ALÉM de patéticos, inverdadeiros - estes foram os atributos que Lula e outros de sua comitiva preferiram para os seus comentários sobre a morte, por greve de fome, de um oposicionista ao regime cubano. E pior ainda, consideradas suas intenções, desceram ao grotesco convictos de que prestavam uma colaboração importante aos líderes e ao governo de Cuba.
A situação, é verdade, era difícil para a comitiva, que chegava a Havana na condição de convidada, para uma visita de cordialidades. E foi recebida, também, pela coincidente morte do oposicionista Orlando Zapata - por outra coincidência, não um intelectual ou acadêmico, mas um operário que decidira aderir à militância política na oposição e em nome de mais direitos civis.
A segunda dificuldade, muito maior, não era exclusiva dos visitantes. É generalizada. Trata-se do complicado problema dos direitos civis cubanos, dos quais deriva o tão questionado problema dos direitos humanos. Na mesma conjuntura em que a liberdade de imprensa convencional é inexistente, uma cubana faz grande sucesso no Ocidente com seu blog de oposição fortíssima feito em Havana (no dia da morte de Zapata, o blog transmitiu uma entrevista da mãe do oposicionista, com graves e não respondidas acusações ao governo).
O regime de partido único não admite, e pune com severidade, toda prática de política institucional fora do Partido Comunista. Mas comissões de iniciativa da população, de sentido oposicionista, são inúmeras. Inclusive comissões de direitos humanos, como a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, liderada por Elizardo Sánchez, alcançável sem maior embaraço por telefonema do exterior. E por aí vai, em uma composição de possíveis e proibidos só compreensível, se for, pelos próprios cubanos.
Para maior complicação, dos cerca de 200 presos políticos que indicam haver em Cuba, entidades especializadas qualificam pouco mais de 50 como presos de consciência. Em que sentido os outros são presos políticos, que espécie de crime político praticaram, digamos, sem envolver sua consciência política? Pode-se argumentar que isso não importa, bastando a existência de presos políticos para configurar o regime de repressão aos direitos civis. Ainda assim, a complexidade persiste, tanto mais que o governo cubano é muito parcimonioso, quando não é silencioso de todo, a respeito dos atos dos réus e de comprovações que eliminassem suspeitas de abusos repressivos.
Na própria condição de visitantes, porém, estava a resposta honesta, e diplomaticamente correta, de Lula e de sua comitiva. Algo fácil como "estamos aqui na condição de convidados, e não nos cabem considerações sobre eventos internos, nem temos informações sobre as peculiaridades desse fato". Em vez disso, Lula preferiu uma segunda condenação a Orlando Zapata: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome". Um estúpido, portanto.
E "morrer por uma greve de fome"? Não seria pelo acréscimo de 36 anos de cadeia uma vez cumprida a sua pena de 3 anos? E o porquê desse acréscimo tem muita importância: se não matou ninguém com meios bárbaros, e disso não foi acusado, o que pode ter feito esse preso dentro da cadeia para mais 36 anos de condenação, o restante de sua vida? Disseram que agrediu carcereiros e foi sempre agitador. Uma sentença de 36 anos, para o que o Orlando Zapata tenha feito na cadeia sem haver crime de morte, vale como demonstração da perda de senso e medida do regime cubano para assegurar-se sua sobrevivência.
Adendo de Lula a si mesmo, já em outras circunstâncias: "Eu aprendi que não se deve dar palpite sobre outros países, porque às vezes a gente mete o dedo onde não deve". Mas na véspera, quando ainda em Cuba: "Estou convencido de que o presidente Obama (...) deveria tomar essa decisão", de acabar com o bloqueio a Cuba. "Uma coisa que tenho dito (...) é que ele não tem que fazer nada mais do que fez o povo americano, que teve a ousadia de votar no Obama. É essa ousadia do povo americano que permite que ele seja ousado e resolva o problema do embargo".
E, não por acaso, logo tínhamos a notícia de que "Lula vai conversar sobre direitos humanos no Irã". O que tem coerência com o comunicado do seu governo em plena ONU, assim como a atitude do seu ministro do Exterior na Espanha, de que o Brasil intercedeu junto a Ahmadinejad para que "o governo iraniano dialogue de modo respeitoso com os dissidentes e minorias" sob repressão no Irã.
Como complemento, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, em negação à sua capacidade, bastou-se em dizer, sobre o assunto Zapata, que "em todos os países há desrespeito a direitos humanos". E o que isso justifica ou, vá lá, explica? Há de tudo pelo mundo afora, e por isso tudo está bem, e é aceitável ao menos pelo indignado Marco Aurélio Garcia?
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes. Muito mais colaborariam com menos conformismo e com visões mais abertas e íntegras, para juntar às vistas isoladas e cansadas dos cubanos.

DANUZA LEÃO O melhor dos mundos

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10

Os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem

TUDO MUDA: as modas vão e voltam, e basta ter paciência e esperar para que várias coisas do passado voltem ou que novidades surjam -e uma novidade é sempre um acontecimento.
Vai ser manchete a notícia de que um grande sábio descobriu que exercícios físicos fazem mal à saúde; a ginástica passará a ser proibida e passível de castigo; talvez até, às duras penas da lei. E alguém vai decretar que o trabalho não enobrece, e que para uma vida feliz é fundamental o ócio total. De que as pessoas vão viver? Ah, estamos apenas divagando, não falando sério -aliás, nesse mundo vai ser proibido falar a sério.
Será capa das revistas que cuidam da saúde que o sol faz bem e que passar o dia inteiro na praia passando óleo no corpo é a melhor receita para uma pele bonita, sedosa e sem manchas. Além disso, todos serão obrigados a tomar uma caipirinha a cada hora e meia, para que a humanidade paire, permanentemente, 50 centímetros acima do nível do mar; o suco de açaí com cenoura e beterraba será terminantemente proibido, os padrões de beleza vão mudar, e quando você aparecer com oito quilos a mais, o comentário geral será: "Mas como está linda, com o rosto mais cheinho" (em Milão já é assim).
A praxe será acordar e ficar na cama até a hora que quiser -lendo os jornais, vendo desenho animado na televisão (sem som) e comendo chocolate. Mas não pense que tudo vai ser permitido, pois algumas coisas serão rigorosamente proibidas. Exemplo? Legumes em geral, brócolis e couve-flor em particular. As fibras serão consideradas veneno; em compensação, as gorduras estarão não só liberadas como serão aconselháveis, para melhorar o colesterol e evitar o infarto.
Será obrigatório namorar muito; os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem. Existe também um pré-namoro que pode e deve acontecer sempre; é um tipo de sedução inocente que pode ser feita com homens, mulheres e crianças, sem compromisso algum, mas que pode ser exercida na hora de comprar o jornal, o pão, ou de perguntar que horas são.
Nesse admirável mundo novo não haverá ciúmes, nem ambição, nem competitividade, pois ninguém vai acreditar num absurdo desses: que só porque alguém tem uns papéis datilografados dentro de uns envelopes é dono de carros, casas, ilhas e empresas.
A moeda de todos os países será igual, para não se ter que fazer muita conta, e como a educação, a saúde e a velhice serão de responsabilidade do Estado, vamos poder viver sem essas preocupações, que são nossas maiores.
Os amigos não nos darão, jamais, o menor trabalho; nunca nos obrigarão a ir a seus aniversários, e nunca nos sentiremos culpados se não formos. O Natal será um momento de paz e sorrisos entre os homens, exatamente como dizem que é, só que será mesmo, e bastará uma grande travessa de rabanadas e um copo de vinho para inundar de alegria nossos corações.
Pequenas coisinhas: os cachorros serão proibidos de latir, os ônibus de turistas de circular, a temperatura nunca passará dos 22 graus, nunca mais vai ser preciso entrar em nenhuma fila, e quando você andar na rua vai sentir que todo mundo sorri, deixando claro que é um grande prazer e uma grande alegria sua aparição, pois todos gostam muito, muito de você.
Não vai ser bom?