domingo, novembro 30, 2008

Além da cachaça no New York Times


Sintonizo a Metrópole-FM, Salvador, para ouvir o programa de entrevistas "Na Linha". Maldigo o contratempo de ter chegado quase no final, pois este é um de meus favoritos do rádio, na Bahia: pela informalidade, conteúdo jornalístico diversificado e, principalmente, pela fauna humana e a prodigalidade de experiências, sentimentos e estilos que transitam livremente por lá. Nesse dia, o apresentador Mario Kertész conversava com o jornalista americano Larry Rohter, autor de "Deu no New York Times", que já está na lista dos livros mais vendidos no País.

Chego a tempo de ouvir o entrevistado dizer que não fez o livro com a intenção de dar versão pessoal sobre a ruidosa briga com o presidente Lula, em 2004.O objetivo, garante o ex-correpondente, é contar e pensar sobre os muitos brasis que conheceu desde 1972, quando desembarcou pela primeira vez no Rio de Janeiro e ficou deslumbrado. Na fase de correspondente, entre 1999 e 2007, reportagens sobre a Amazônia, o Nordeste, e a Bahia principalmente, ganham relevo especial. "Valem, por si, uma leitura", recomenda o polêmico repórter de Chicago ao ouvinte que se dispuser a conferir.

O pedaço da entrevista que ouvi foi reduzido, mas suficiente para desestabilizar o pé atrás em relação a Rother , desde o "bafafá da cachaça" com o presidente. Sei que ele suscita avaliações extremas. De elogios rasgados nas páginas da mais importante revista semanal brasileira, até textos irados de articulistas que o desqualificam com acusações tão duras quanto improváveis, como a que inclui o profissional do jornal mais influente do mundo na relação de ex-agentes da CIA, "mandado em missão de espionagem à Amazônia".

De um lado, a louvação meio míope e politicamente imediatista. Do outro, as maledicências nascidas da miopia ideológica que cega e envenena avaliações sobre os fatos e as pessoas. Conjeturo, enquanto, na TV, o escritor João Ubaldo Ribeiro dá entrevista na Globo News, sobre o novo livro que o ex-editor da Tribuna da Bahia está lançando. Coincidentemente, ele ilustra tudo com uma história exemplar do encontro "com um desses amigos sacanas, que todo mundo tem". Gente que dá estocada, mesmo quando parece querer agradar.

"Você viu a esculhambada que o New York Times deu em você?", pergunta o "amigo", referindo-se a uma matéria sobre Ubaldo no jornal americano. O autor de "Viva o povo brasileiro" não se abala, nem perde o humor sempre afiado: "Vi, sim, e achei ótimo", responde. "Agora me diga: quantas vezes o New York Times já falou sobre você"? , pergunta o baiano de Itaparica, enquanto se afasta sem nem conferir a cara de espanto do chato.

Depois de ouvir Ubaldo parto para ler o livro de Rother. De saída, pulo o capítulo "Lula e eu", a parte em que o autor fala do bafafá decorrente, segundo confessa, "da reportagem mais polêmica que eu escrevi em todos os meus anos como correspondente no Brasil". Rother se refere, já se vê, à ardida matéria, publicada em março de 2004, com título opinativo e provocador: "Gosto do dirigente brasileiro pela bebida causa preocupação nacional".

Sempre desconfiei que talvez esteja no título, mais que no texto da reportagem, a razão maior do ruído desencadeado na política e no jornalismo. Quase deságua em incidente internacional grave, diante da ameaça do governo de expulsar o correspondente do NYT (casado com uma brasileira). Tensão ampliada pelo espectro da censura de opinião que voltava a rondar preocupantemente sobre a imprensa brasileira, depois do regime militar.

Mas, superadas as suspeitas iniciais, não é difícil verificar: além do repisado episódio etílico, ao qual o livro não acrescenta praticamente nada de novo, sobra em "Deu no New York Time" bastante para ler e descobrir sobre os anos de Rother no País. Um destaque é o olhar especial do correpondente americano em relação a fatos e coisas do Nordeste em geral, e da Bahia em particular.

Uma visão romântica e complacente em alguns casos, mas atenta e atraente. Isto se vê nos relatos sobre o artista e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil; na avaliação da densidade musical e da transcendente importância intelectual de Caetano Veloso; na percepção da influência da literatura de Jorge Amado e da música de Dorival Caymmi sobre Salvador e sua gente.

Surpreende a visão de Rohter quando identifica na Bahia a ofensiva dos credos evangélicos sobre os cultos afro-brasileiros, a ponto de ter registrado no NYT o momento em que os espaços das "baianas" do acarajé, ligadas tradicionalmente ao candomblé, começam a ser invadidos e ocupados. Gente sisuda, com a Bíblia na mão, vende comida de origem africana nas ruas de Salvador.

Tem mais para ler com interesse em "Deu no New York Times". Mas sobram motivos também para passar batido por páginas com registros de fatos e assuntos que, mesmo contextualizados pelo autor, envelheceram com a ação implacável do tempo, que, no jornalistico, é sempre mais curto. Viva e atual, como quando sairam no NYT, mantem-se no livro as abordagens sobre a cultura popular nordestina, que pulsa em Olinda e Recife: na música, na arte, nas feira,no cordel e nos bonecos do carnaval de rua de Pernambuco. No correr das páginas, uma sensação: o ex-correspondente estrangeiro é bem melhor repórter que analista.

Opinião a conferir, evidentemente.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitors.h@uol.com.br

Augusto Nunes Sete Dias

TSE não concorda com TSE

Paulo Pereira da Silva, ou Paulinho da Força, recebeu na tarde de quarta-feira uma notícia ruim e outra, boa. O deputado federal do PDT foi o destinatário da ruim: na reunião da Comissão de Ética da Câmara, o colega Paulo Piau (PMDB-MG), relator do caso que vincula o parlamentar paulista a pilantragens no BNDES, propusera à Comissão de Ética da Câmara a cassação do seu mandato. Paulo Pereira da Silva repetiu que é inocente e fechou a cara.

A boa notícia contemplou o presidente da Força Sindical: estava confirmado o jantar na Granja do Torto que incluía seu nome na curta lista de convidados. Paulinho da Força contou aos parceiros ao lado que passaria algumas horas com Lula naquela noite e abriu um sorriso.

Lula nunca foi de abandonar um companheiro no caminho, garantiram desde sempre velhos companheiros. Depois da vitória em 2002, o presidente tem insistido em mostrar que também não abandona delinqüentes aliados a caminho da cadeia. Seja qual for o pecado, bandidos de estimação são liminarmente absolvidos pelo Grande Pastor.

É provável que, quando decide juntar em torno da mesa mais de 15 bocas, Lula faça à mulher a pergunta formulada freqüentemente pela gente comum. "Adivinhe quem vem para jantar?" A primeira-dama Marisa jamais errará se repetir a mesma resposta: "Pelo menos uns três ou quatro vigaristas".

Lula ficou três horas em companhia de Paulinho da Força e outros donatários das capitanias sindicais. Foi esse o tempo que gastou, no mesmo dia, para sobrevoar a bordo do helicóptero parte da área de Santa Catarina devastada por inundações. "A maior tragédia destes seis anos de governo" mereceu tanta atenção quanto a companheirada.

Paulinho acordou feliz com o jantar. Ficou ainda mais contente ao saber que a Comissão de Ética adiou a votação do parecer de Paulo Piau. E embarcou na euforia com a grande notícia da noite: o governador paraibano Cássio Cunha Lima foi autorizado pelo Superior Tribunal Eleitoral a ficar no cargo de que fora afastado pelo próprio TSE.

Se o país fizesse sentido, todas as ruas e praças de todas as cidades seriam ocupadas por milhões de brasileiros à caça de explicações para dois enigmas. Como pode um tribunal emitir uma ordem de despejo e, cinco dias depois, proibir que seja cumprida? E o que vai pela cabeça do ministro Ricardo Lewandowski, que no dia 20 votou pela cassação do governador no TSE, negou no dia 26 o recurso encaminhado ao STF pelo PSDB e, no dia seguinte, de volta ao TSE, articulou a vitória do tucano da Paraíba por 5 votos a 2? O Brasil já não se espanta com nada.

Quando acionou aquela fábrica de cheques ilegais, Cunha Lima deveria ter assinado uma ficha de inscrição em qualquer partido da aliança governista. Se fizesse isso, teria hoje o presidente como testemunha de defesa. Talvez tenha confiado demais na clemência das instâncias superiores do Judiciário.

Os doutores dubitativos precisam liqüidar o assunto o quanto antes. Logo estarão lidando com o sucessor José Maranhão, senador pelo PMDB. Ele luta por Lula. E luta para escapar de oito processos na Justiça Eleitoral.


Bacharel derrapa na equivocidade


O advogado Nélio Machado fez uma pausa na discurseira, voltou-se para a câmera do Jornal Nacional, caprichou no olhar 171 e comunicou à nação: na hora certa, vai provar que o juiz e o procurador do caso Satiagraha, ansiosos pela punição de Daniel Dantas, cometeram numerosas "equivocidades". Como agrediram a lei, argumenta, devem ser afastados do caso. Decerto imaginou que equivocidade significa, em juridiquês, erro, equívoco. Errou. Equivocou-se. Existem até equivocação e equivocabilidade, mas não equivocidade. Como o doutor agrediu o português, podem argumentar o juiz e o procurador, o bacharel é que merece ser afastado do caso.

A seita que não ousa dizer seu nome


Oficialmente, o único brasileiro comunista é Oscar Niemeyer. Com a serenidade de quem está chupando um chica-bon, diria Nelson Rodrigues, o inventor de Brasília odeia o imperialismo ianque, chora o fim da União Soviética, celebra Fidel Castro, aplaude qualquer napoleão de hospício que hostilize os EUA com bombas reais ou retóricas, acha que democracia é coisa da elite reacionária, crê na imortalidade do marxismo-leninismo e na breve ressurreição do socialismo, avisa que o capitalismo está agonizante e que o povo (e a lavoura) serão salvos pela ditadura do proletariado. Milhares de nativos pensam, falam e agem exatamente como Niemeyer. Mas juram que não são comunistas.

São apenas militantes do PT, garantem os mais ousados. Ou nem isso, disfarçam os revolucionários imersos na clandestinidade, camuflados por codinomes e em ação na internet. "Não sou ligado a nenhum partido, mas...", começam as mensagens dos comunistas que não ousam dizer seu nome aos lacaios da direita golpista.

Alguém precisa contar-lhes que a ditadura militar acabou. A imagem do Brasil no exterior não é lá essas coisas. Vai piorar mais um pouco se algum jornalista gringo revelar ao resto do mundo que o País do Carnaval produziu a versão-sapucaí dos japoneses que, enfurnados em ilhas do Pacífico, seguiam fuzilando aviões de carreira 30 anos depois do fim da guerra.

Muito barulho por quase nada


Entre o início de 2003 e o fim de 2004, a Polícia Federal fez 39 operações, a maioria batizada com nome de cobra. Impressionada com os estragos produzidos por anacondas e sucuris, a coluna quis saber do ministro Márcio Thomaz Bastos quantos suspeitos foram investigados, quantos foram presos, quantos foram processados e quantos seguiam na cadeia. As respostas nunca vieram. Como o ritmo das operações ficou tão intenso que a PF já usa nome estrangeiro na certidão de nascimento, o ministro Tarso Genro está convidado a desfazer as mesmas interrogações de janeiro de 2005. E a reler o fecho daquela nota: se tudo for só barulho, basta o Carnaval.

Liberdade para os escravos do povo


Engaiolado por impiedosos espancamentos do Código Penal, o notório Jerominho quase perdeu o mandato na Câmara Municipal por excesso de faltas. Salvou-o a colega Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson e mãe da idéia, apadrinhada pela mesa diretora, de retocar o regimento interno com uma esperteza: "Será compulsoriamente licenciado o vereador que permanecer preso por prazo superior a 31 dias". Eduardo Paes nomeou-a no mesmo dia secretária de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida. Vão acabar redigindo em parceria uma Lei do Vereador Sexagenário. Nenhum escravo do povo será preso depois de completar a dezena dos 50.

DANUZA LEÃO Comporte-se, Lula



Como Obama é negro, nosso presidente deve pensar que os dois têm alguma coisa em comum porque "chegaram lá"


OUTRO DIA li uma declaração do prefeito Eduardo Paes que me estarreceu. Era uma linha, dentro de uma matéria em "O Globo" do dia 26, em que ele, que qualquer mosquito da dengue sabe que é cria política de Cesar Maia, dizia, textualmente (e entre aspas): "Só ajudei na campanha de Cesar Maia de pena, pois achava que ele não ia ganhar". Que beleza.
Com todo o respeito, mas que grande cara-de-pau, esse Eduardo Paes. Eu sei que não adianta chorar pelo leite derramado, mas a vontade que tenho é de chorar mesmo, quando me lembro que por meros 55.000 votos perdemos a chance de dar uma virada no nosso pobre Rio de Janeiro e ter, depois de anos, um prefeito honesto, correto, que não faz politicagem e que poderia mudar nossa cidade para muito melhor -estou falando de Gabeira, é claro; mas eis que ganha o herdeiro de Cesar Maia, que agora cospe no prato em que comeu. Isso é um pequeno exemplo do que nos espera.
Mudando de assunto: outro dia vi pela televisão uma reunião do presidente com seus 37 ministros -é, 37-, em volta daquela imensa mesa oval, para falar da crise -até parece que resolveriam alguma coisa. Mas prestei atenção a um detalhe: todos estavam, como aliás deveriam mesmo estar, de gravata. Menos quem? Menos Lula, claro.
É claro que deve haver alguém que seja chefe do protocolo para explicar ao presidente que certas coisas não devem e não podem ser feitas. Deve ser difícil exercer esse cargo, pois Lula dá a impressão de não ouvir ninguém, que ele sabe de tudo. Imagino sua frustração de não ter ainda tirado uma foto com o presidente Obama. Mas ele pode ficar calmo, essa foto vai acontecer, mas é preciso que ele perceba que Obama não dá muita intimidade a ninguém, dá para ver. Nada de abraços efusivos, nada de mão passada pelo ombro (felizmente Obama é bem mais alto).
Outra coisa que nosso presidente precisaria ter aprendido é que não pode citar o presidente Evo Morales dizendo "aí eu falei com o Evo" etc. Isso ele faz com todos os presidentes, e não pega nada bem. Com o presidente Evo, presidente Lula, em sinal de respeito.
Vai haver a posse do presidente Obama, mas ninguém sabe ainda se haverá um grande banquete, uma grande festa, como vai ser. Mas, imagina-se, todos os chefes de Estado serão convidados, e é bom que Lula fique bem discreto, não achando que é melhor do que os outros porque era torneiro mecânico e chegou à Presidência, essa história é velha, ninguém agüenta mais. E como Obama é negro, nosso presidente deve pensar que os dois têm alguma coisa em comum porque "chegaram lá". Ah, Lula, por favor, não tem nada a ver, e por favor, comporte-se discretamente.
E outra coisa que me dá muito medo é como irá vestida dona Marisa, se ela também for. Convidada, ela vai, pois não vai perder essa. Mas por favor, dona Marisa, nosso país é grande e importante, e não precisa de nenhuma garota-propaganda para divulgá-lo. O verde de nossa bandeira simboliza nossas matas, o amarelo nosso ouro, o azul nosso céu, mas verde e amarelo num vestido, como a senhora tanto gosta, é simplesmente medonho.

YOSHIAKI NAKANO O Brasil precisa de nova estratégia



Como o crédito externo estará muito difícil, a nova estratégia econômica requer mais poupança doméstica


COM A ABERTURA da conta de capitais no início da década de 90, o Brasil adotou uma estratégia econômica dependente da poupança externa e do estímulo fiscal. Todos sabemos que o estímulo fiscal atingiu seu limite ainda no governo FHC e, mesmo com os superávits primários, vem provocando efeitos negativos, com o aumento da dívida pública pressionando a taxa de juros e com elevações sucessivas na carga tributária, ambos deprimindo a taxa de investimento. A expansão fiscal foi ao limite político no ano passado, como ficou evidenciado com a derrubada da CPMF.
Desde a década de 80 até meados de 2007, os indicadores de liquidez global e de oferta de crédito vinham aumentando fortemente, muito acima do crescimento do PIB. Assim, o Brasil adotou a estratégia de ampliar o consumo recorrendo à poupança externa. Entretanto apoiando o outro pé em gastos do governo, portanto, em déficits públicos, o Brasil não conseguiu tirar proveito da liquidez internacional. Com a incidência de crises que se traduziam em paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior e sua reversão, o que tivemos no Brasil foram sucessivos ciclos de recuperação e crises econômicas com fortes elevações da taxa de juros.
O último surto de excesso de liquidez global traduziu-se de forma diferente para o Brasil, na medida em que desencadeou também forte elevação no preço das commodities. Com a melhoria nas contas do governo desde 2004, o Brasil tirou proveito dessa liquidez e acelerou seu crescimento econômico. Esta crise financeira nasceu e atinge em cheio os Estados Unidos, centro financeiro que sugava o excesso de poupança dos países asiáticos, multiplicando e bombeando liquidez para o resto do mundo. É esse sistema que entrou em colapso e levará anos para ser saneado.
Países asiáticos, a exemplo da China, deverão utilizar o excesso de poupança para financiar política fiscal visando estimular a demanda doméstica e manter seu crescimento. Com a crise, a liquidez desapareceu, as taxas de juros de mercado estão subindo, e a oferta de crédito é escassa. Mantida a atual estratégia, a economia brasileira deverá sofrer forte freada, e a taxa de crescimento do PIB, estimada em 5,2% para este ano, deverá cair provavelmente para 2% no próximo. A crise será profunda e prolongada, e tudo indica que trará de volta uma maior supervisão e uma maior regulação do setor financeiro e o fim de um modelo de negócios financeiros que gerava excesso de liquidez.
O longo ciclo de expansão de liquidez global chegou ao fim e, com isso, a possibilidade de o Brasil poder contar com financiamento externo ficará muito difícil nos próximos anos. Tudo indica que 2008 será o último ano de um modelo de crescimento que podia recorrer à liquidez internacional para contornar as elevadas taxas de juros domésticas e financiar os investimentos e o próprio consumo. O Brasil precisa definir uma nova estratégia econômica que requer elevação da poupança doméstica. Simultaneamente, com a crescente resistência política à elevação da carga tributária e a obrigatoriedade de gerar superávits primários, o governo tem de ajustar seu consumo às novas condicionantes.

MIRIAM LEITÃO - O olhar do tempo

A tragédia de Santa Catarina alerta para um risco que o Brasil tem negligenciado: as mudanças climáticas vão aumentar a freqüência e a gravidade de eventos extremos, como secas, enchentes e ciclones.

Os dados de população divulgados esta semana pelo IBGE repetem o aviso de que o Brasil está no melhor momento demográfico, mas vai envelhecer. Precisamos nos preparar para o século XXI.

Neste século, a humanidade terá que combater intensamente os efeitos da mudança climática através da adaptação e da mitigação.

Adaptação não é capitulação.

Os cientistas estão avisando que uma parte do estrago está feito e é irreversível. Está no estoque de gases de efeito estufa já emitidos pela humanidade.

Contra ele nada podemos. Esse estoque vai elevar a temperatura da Terra e o nível do mar, vai intensificar furacões, ciclones, enchentes, secas. A população brasileira se concentra no litoral, as cidades ocupam de forma irregular as encostas, desmatam e concretam o espaço urbano.

As obras de escoamento são adiadas. O planejamento urbano é sistematicamente desligado de qualquer preocupação ambiental.

Uma chuva mais forte mata e desabriga. Como será no futuro, quando as enchentes ficarem piores e mais freqüentes? O semiaacute;rido nordestino, onde mora a população mais frágil, corre o risco da desertificação. A Amazônia é determinante de todo o clima brasileiro, mas, aqui, comemoramos quando num ano são destruídos “apenas” 11.968 km² de floresta.

O Sul está sendo vítima de eventos inesperados e extremos. O furacão Catarina, secas fortes e chuvas intensas, mesmo neste ano que não tem El Niño, estão impressionando os cientistas. “É a fotografia de que o aquecimento global pode já estar atuando com mais intensidade no Sul do país”, disse o climatologista Carlos Nobre ao “Bom Dia Brasil”, da TV Globo.

Na preparação para o inevitável, temos falhado.

Na luta para evitar o que se pode evitar, estamos falhando.

O Brasil discutiu, nos últimos meses, o Plano Nacional contra as Mudanças Climáticas. Um plano feito para iludir. Analisado pelos especialistas, ele foi considerado medíocre. O governo ouve mais os diplomatas que acham que isso é uma briguinha NorteSul e não ouve os ambientalistas e climatologistas que alertam para os riscos extremos que o planeta corre, e que ainda podemos evitar.

A posição oficial do Itamaraty caducou. Felizmente, há diplomatas que já viram isso, mas a velha idéia permanece como a oficial. A de que não podemos aceitar metas internacionais de redução das emissões brasileiras porque, na formação do estoque de gases que estão na atmosfera hoje, não tivemos uma grande participação. Isso é miopia da urgência. A humanidade não pode reduzir o estoque, mas pode reduzir o fluxo. E no fluxo dos gases de efeito estufa nós somos, infelizmente, grandes.

A maior parte das nossas emissões vem da destruição da Amazônia, da qual somos as maiores vítimas.

Por que não assumir um compromisso internacionalmente comparável, e cobrável, se somos os primeiros a ganhar com a proteção da floresta que nos protege a todos? A demografia vem nos alertando que seremos cada vez mais velhos e que temos, hoje, uma vantagem que vai desaparecer no futuro.

Em 2000, para cada pessoa com 65 anos ou mais, 12 estavam na faixa de 15 a 64 anos, chamada de potencialmente ativa. Em 2050, para cada brasileiro com mais de 65 anos, não haverá nem três na faixa potencialmente ativa. Certamente, eu não estarei mais aqui, mas minha neta terá 45 anos: 2050 parece distante, mas é logo ali na esquina do tempo. Somos jovens e a Previdência quebrou.

O que foi aprovado de controle desses gastos tem sido contestado.

O IBGE avisa que temos uma “janela demográfica”, um tempo em que está aumentando o número de pessoas “potencialmente ativas”.

A população com idade de entrar no mercado de trabalho (de 15 a 24 anos) é de 34 milhões de pessoas.

Este número depois vai cair.

Se o país educar os jovens e mantiver o crescimento, este será o momento de dar um salto. Mas hoje ainda existem no Brasil 2,4 milhões de crianças de 7 a 14 anos que não sabem ler e escrever.

No combate às velhas mazelas, o Brasil tem tido uma tolerância intolerável.

Na sexta-feira, 21 de novembro, os jornais trouxeram a notícia do flagrante dado na Usina Vitória, em Pernambuco, propriedade do prefeito eleito de Palmares, Beto da Usina. A auditora do trabalho Jaqueline Carrijo disse que os trabalhadores não tinham água potável, alimentação adequada, equipamento de segurança e banheiros.

Eles acordavam entre 2h e 3h da manhã, preparavam o próprio alimento, muitas vezes só com farinha de mandioca.

O jornal “O Estado de S.

Paulo” trouxe o seguinte relato: “O advogado da usina, José Hamilton Lins, admitiu as condições precárias de trabalho, que considerou parte de uma cultura colonial que precisa de tempo para se adaptar às novas regras trabalhistas.” O período colonial acabou há 186 anos; a escravidão, há 120 anos; as “novas” leis trabalhistas são dos anos 30 do século passado. Quanto tempo mais o advogado José Hamilton Lins acha que devemos esperar? O Brasil pretende mesmo vender seu etanol ao mundo, como um produto para um planeta sustentável, tendo usinas com esta? Da tragédia de Santa Catarina, dos alertas da natureza, dos riscos e das chances da demografia, das seqüelas dos velhos crimes, o século XXI nos contempla como um enigma: que escolhas fará o Brasil?

oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br

COM LEONARDO ZANELLI

MERVAL PEREIRA - Vácuo de poder

NOVA YORK. A crise econômica, que dá sinais a cada dia mais explícitos de que os próximos anos serão muito difíceis, está trazendo para o governo americano um problema que só se sentiu na Grande Depressão, iniciada em 1929: a sensação de demora na transição de poder, que causa um vácuo decisório inaceitável nesses momentos. Ainda mais que esta é a primeira troca partidária na Casa Branca em tempos de guerra desde 1968, quando o então presidente democrata Lyndon Johnson foi substituído pelo republicano Richard Nixon com a Guerra do Vietnã em andamento.

A eleição presidencial americana é tradicionalmente realizada na primeira terçafeira depois da primeira segunda-feira do mês de novembro, mas a posse tem dia fixo: 20 de janeiro, o que dá uma margem de tempo que parece interminável para a posse da nova administração.

No caso atual, em que a eleição se realizou no dia 4, ela está separada da posse por exatos 78 dias.

Um detalhe torna ainda mais complexa essa tradição: entre a eleição e a posse, há a reunião do Colégio Eleitoral que formalizará a eleição do vencedor. O Colégio Eleitoral se reúne sempre na primeira segunda-feira depois da segunda quartafeira de dezembro, mas nunca como um todo: há 51 reuniões distintas em cada um dos estados do país.

Essas datas são todas marcadas por antigas tradições, como o fim da colheita e o começo da estação das chuvas, que impediam os eleitores de se locomoverem com rapidez pelo país. Este ano as reuniões do Colégio Eleitoral acontecerão no dia 15 de dezembro.

Mesmo sendo a mais perfeita concepção do “pato manco”, como o jargão político americano define um presidente em fim de mandato sem condições de eleger seu sucessor, o presidente George W. Bush está sendo exigido pelas circunstâncias a tomar atitudes que repercutirão no próximo governo, e por isso está havendo uma incomum comunicação entre as autoridades do governo que sai e as do que entrará para acertarem as medidas a serem tomadas.

O presidente eleito Barack Obama começou seu período de transição tentando evitar se envolver nas soluções para a crise econômica, afirmando que o país tinha apenas um presidente de cada vez. Provavelmente pensava repetir o que uma de suas referências históricas, o presidente Franklin Delano Roosevelt, fez ao ser eleito pela primeira vez em 1933, em meio à mais séria crise econômica já vivida pelos Estados Unidos.

A crise começara em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, pouco menos de um ano depois da eleição do republicano Herbert Hoover, em novembro de 1928. Roosevelt foi eleito em novembro de 1932, mas, naquela época, a posse era mais tarde ainda, a 4 de março, uma tradição que vinha desde John Adams, o segundo presidente americano.

Em janeiro e fevereiro de 1933, os bancos americanos começaram a falir em massa e os encontros entre o presidente eleito Roosevelt e o “pato manco” Herbert Hoover não surtiam efeito, já que os democratas culpavam os republicanos pela crise e Roosevelt entrou propositalmente “de recesso”, sem falar sobre planos futuros.

A situação de vácuo de poder foi tão grave, que o próprio Roosevelt antecipou sua posse para janeiro quando foi reeleito pela primeira vez, em 1937, reduzindo assim o prazo de transição. Seria eleito mais duas vezes, e por causa dele a reeleição ficou limitada na Constituição americana, mas a data de 20 de janeiro tronou-se tradicional.

Nos momentos de calmaria, ninguém se deu conta da demora dessa transição. Tanto que o então presidente eleito Bill Clinton só escolheu os primeiros membros de seu gabinete no início de dezembro de 1992, pouco antes da posse em janeiro de 1993.

Já Barack Obama teve que antecipar suas escolhas para tranqüilizar os mercados financeiros e dar uma tendência de atuação a partir dos nomes indicados.

Mais que isso, ao indicar o atual presidente do Banco Central de Nova York para futuro Secretário do Tesouro, ele não apenas escolheu um técnico que já está no centro das decisões mais importantes desde que a crise explodiu, em meados de setembro passado, como colocou um alto representante de seu futuro governo dando as ordens ainda no governo de seu antecessor, uma situação para lá de delicada, mas necessária nesse momento de crise.

O atual Secretário do Tesouro, Henry Paulson, tem consultado Timothy Geithner para tomar decisões como a de salvar o Citigroup, e se ele já estivesse escolhido na ocasião, certamente sua opinião de que não deveriam deixar quebrar o banco Lehman Brothers seria levada em conta, evitando um dos grandes erros cometidos pela atual administração econômica.

A transição é tão delicada que já se debateram na imprensa americana duas medidas que não serão tomadas, mas que são reveladoras das preocupações.

Houve quem sugerisse que a posse do novo presidente fosse antecipada novamente, agora para dezembro.

Ou então que o presidente Bush nomeasse já Tim Geithner para a Secretária de Tesouro em lugar de Paulson, para que as medidas necessárias não tivessem interrupção.

Houve até mesmo propostas mais radicais, como a da renúncia de Bush para que Obama pudesse assumir logo a presidência.

Seria trazer para os Estados Unidos uma solução já adotada abaixo do Equador, quando o presidente argentino Raul Alfonsín, devido aos graves problemas econômicos, com uma inflação anual superior a 3000%, renunciou à presidência cinco meses antes que seu mandato terminasse para que Carlos Menem assumisse em 1989.

Sem dúvida seria um fim mais melancólico ainda para o Presidente George W. Bush, considerado o mais impopular da história dos Estados Unidos, com níveis de desaprovação que quase chegam aos 70%. Mas seria também uma desmoralização para a democracia americana.

Lições da História O GLOBO EDITORIAL,

Não se pode obscurecer o aspecto humano existente em qualquer crise econômica. Mais ainda numa com as proporções da atual, que só deverá ser menor que a da década de 30, quando o mundo naufragou numa depressão.

Mas, como em qualquer crise, nesta há a fria dimensão política e histórica.

E por este ângulo, distante dos embates ideológicos, conclui-se que, como sempre, o capitalismo que brotará do desmoronamento das pirâmides de títulos ilíquidos emitidos a partir de Wall Street será mais forte, por absorver as lições da própria crise. Está no DNA do capitalismo a “destruição criativa”, a capacidade de gerar desequilíbrios em busca de novos pontos de equilíbrio.

Para alguns, espanta como o discurso da livre iniciativa foi substituído por pesadas intervenções do Estado, principalmente nos Estados Unidos — na Europa existe uma cultura de intervencionismo —, num cenário dos sonhos de qualquer esquerdista radical.

Levantamento publicado durante a semana passada pelo “New York Times” indicava que o Tesouro americano já havia comprometido US$ 3 trilhões — três PIBs brasileiros —, seja na compra de ações de bancos ou de papéis encalhados em carteiras. A conta total, entre gastos efetivos na aquisição de participações, compra de títulos micados e garantias assumidas, chegava, nesse levantamento, a US$ 8 trilhões, ou o equivalente a mais da metade do PIB americano (de cerca de US$ 15 trilhões anuais).

Mas nada surpreende. A história das crises financeiras — e ela é longa; há casos no século XVII, por exemplo — demonstra que é chave definir o “emprestador de última instância” que sustentará o sistema, e ele costuma ser o Estado.

Outro exemplo: no século XIX, o Banco da França e o da Inglaterra, os BCs dos dois países, atuaram de forma coordenada para debelar um crash em parte da Europa. Agora, novamente surge o Estado como “emprestador de última instância” de recursos, é claro, do contribuinte. Não está sendo diferente nesta crise, nem o será na próxima. O debate importante a travar é sobre o grau de regulação necessário para o sistema financeiro globalizado voltar a gerar renda e emprego como fez durante o mais longo e produtivo ciclo de crescimento por que passou o mundo — e novamente sob controle privado.

Velhotes municipais JOÃO UBALDO RIBEIRO

Como se sabe, ter uma bela qualidade de vida na velhice depende fundamentalmente de se ter uma péssima qualidade de vida na juventude e na maturidade. Nenhum relacionamento com comida, por exemplo, pode ser prazeroso e livre, mas fiscalizado com desconfiança.

Claro, com o tempo o sujeito é até sincero, quando descreve como delicioso um milk-shake de leite de soja, castanha-do-pará e capins de diversas espécies, sem gelo ou adoçantes e nada “químico” (palavra cujo emprego nunca entendi direito, pois tudo o que existe é, de certa forma, químico). A gente se acostuma a qualquer coisa e não se deve dizer “esse milk-shake eu jamais tomarei”. O mesmo com exercícios físicos e mentais. Aqueles são antinaturais e estes requerem que se goste de fazer palavras cruzadas ou resolver problemas matemáticos, atividades que, se eu dependesse delas para viver, já estaria na cova faz muito. E por aí vamos, a vida da pessoa com qualidade de vida não é moleza, depende de muito esforço, não é assim para qualquer um, como eu.

Agora mesmo, me chegam pela internet diversos e-mails denunciando virulentamente o leite. Se vocês pensam que o ovo, em passado recente, era o pior vilão imaginável, com sua carga fatal de colesterol, não sabem nada do leite agora. O leite e seus derivados, ou qualquer alimento que os contenha.

Ou seja, esquecer iogurte, queijo, biscoito, bolo, sorvete e não sei mais quantas comidas que levam queijo. Nem um parmesãozinho ralado em cima do macarrão, perigo, perigo. (Por sinal, não se esqueça de checar se o macarrão tem glúten.) Diz aqui que uma paciente de câncer praticamente terminal teve a idéia de abolir o leite e seus nefários derivados de sua dieta e, em pouquíssimo tempo, a doença regrediu sem deixar rastro.

Daí para asseverarem que brigadeiro dá câncer e leite condensado pode matar subitamente, se ingerido em doses elevadas, como as obtidas mamando na lata, é um pequeno passo.

Tudo isso não causaria preocupação em quem pretende continuar a consumir bolos e sorvetes, se não fosse pelo hábito que nossos governantes têm, de meter o bedelho em tudo o que o cidadão faz. Aqui, nem uma boa deserdada num herdeiro detestável o sujeito pode dar, porque há uma parte que forçosamente irá para esse herdeiro.

Há uns poucos anos, um deputado federal teve seus quinze minutos de fama, ao apresentar um projeto proibindo os donos de animais domésticos de pôr nome de gente nos ditos animais. Não duvido nada que haja um ou mais projetos, dormindo na gaveta de alguma comissão, com o objetivo de traçar diretivas para os atos sexuais, com multas para maridos que não levem a mulher ao orgasmo pelo menos uma vez em cada três (a popular uma-em-três) ou mulheres que não cedam a determinados caprichos do cônjuge, outros especificando as normas a que estão submetidos todos os que usarem um banheiro, outros proibindo beber, mesmo em casa, em dias úteis, e assim por diante.

Destarte, na qualidade de residente, contribuinte e eleitor da inigualável cidade do Rio de Janeiro e, ai de mim, na condição oficial de ancião (se bem que eu prefira logo ancião a me classificarem como “na melhor idade”, caso que já é para reagir à bala, aqui pra sua melhor idade), encaro com sentimentos ambivalentes a criação da Secretaria Municipal de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida.

Para os mais distraídos, informo, é isso mesmo que vocês leram, agora vamos ter toda uma secretaria dedicada ao crescente número de coroas que persistem em continuar vivos sem nenhum motivo realmente defensável. Somos, pois, com a óbvia exceção da encantadora leitora, coroas municipais.

À primeira vista, isso pode parecer bom para a categoria, mas estamos no Brasil, onde o Estado não existe para servir ao cidadão, mas o contrário. As atividades básicas dessa Secretaria terminarão por ser uma aporrinhação a mais em nosso juízo. Sou capaz de apostar que o primeiro ato cogitado será o cadastramento de todos os coroas da cidade, mediante o simples preenchimento de um formulário com 115 perguntas, o que pode ser feito em minutos pela internet. Quem não se cadastrar e receber a nova Carteira de Ancião perderá o direito a usufruir de qualquer benefício ou equipamento municipal. Sentou em banco de praça, o fiscal passa, não tem carteira, multa no véio — como parte de um processo educativo gradual. Entrou na fila dos idosos sem a carteira, mais multa. Enfim, todos os idosos vão querer suas carteiras e as incontáveis vantagens que ela certamente oferecerá.

E haverá as áreas onde eles serão protegidos. Por exemplo, podese proibir bares e restaurantes de servir bebidas alcoólicas aos clientes que não provarem ter menos de 70 anos, porque, depois dessa idade, o álcool faz cada vez mais mal ao organismo e, se o velho não sabe proteger-se, protegê-loaacute; a prefeitura.

A mesma coisa com cigarro.

Multa também para coroa que não ande no calçadão ou não freqüente academia ou não tenha personal trainer. Multa para coroa que fume em público. Multa em restaurante que servir a coroas pratos com teor de gordura acima do permitido por postura municipal e não incluírem. Acho que os colegas que me lêem, corôos e coroas do nosso amado Rio de Janeiro, tenderão a concordar comigo que é menos arriscado ficar sem essa secretaria mesmo. No mínimo são menos formulários para preencher.

Bem, não vamos ser pessimistas, pode ser que a nova secretaria traga benefícios inesperados para nossa sofrida categoria. Mas, por via das dúvidas, creio que falo por todos, quando digo que queremos nossa parte em dinheiro. Não é por nada, não, é porque já não estamos mais em idade de acreditar em lerolero. E porque, de qualquer forma, é dinheiro nosso mesmo.

Suely Caldas Regulação-ter ou não ter?

A crise financeira global e os trilhões de dólares, euros, libras, ienes e yuans com que os governos têm socorrido instituições financeiras ou que têm feito circular nos EUA, na Europa, no Japão e na China levaram os ideólogos da auto-regulação a recuar. Hoje os mais radicais fundamentalistas do mercado reconhecem ter sido um erro acreditar que agentes financeiros privados prescindem de regulação e fiscalização, que são capazes de zelar pela transação saudável e eficaz da profusão de derivativos que a globalização fez circular mundo afora e que os fundos de hedge dão conta sozinhos de equilibrar a liquidez de seus papéis.

O mais brilhante desses ideólogos, o economista Alan Greenspan, que presidiu a maior agência reguladora do mundo, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), por quase 20 anos, prega em seu livro A Era da Turbulência (Editora Campus, 2007): “Na minha visão, de 1995 em diante, os mercados globais, em grande parte não regulamentados, com algumas notáveis exceções, parecem avançar com tranqüilidade de um a outro estado de equilíbrio (...). Infelizmente, sempre que os problemas dos fundos de hedge chegam aos noticiários, intensificam-se as pressões pela regulamentação do setor (...) não consigo depreender os benefícios que resultariam da regulamentação.” E carimba com sua vastíssima experiência: “Digo isso depois de ter atuado como regulamentador durante 18 anos.”

A violência desta crise, que não pára de recorrer à intervenção do Estado e ao dinheiro do contribuinte, mostrou que Greenspan estava errado. Reunidos há dias em Washington, as 20 mais poderosas nações do planeta, o G-20 (Brasil entre elas), reconheceram o erro e recomendaram a cada país criar normas de regulação e monitoramento do mercado. Sobre o FMI e o Banco Mundial, que falharam e não detectaram a crise a tempo, o G-20 avaliou que precisam ser modernizados, atualizados e mais ágeis em sua ação. O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez coro e cobrou de sua equipe econômica normas de controle do mercado.

E o que aconteceu depois da reunião do G-20? Até agora, nada, não há notícias de novas e consistentes regras de regulação. Mas será fácil conceber essas regras? Afinal, elogiado em todo o mundo como economista formulador, criativo e brilhante, Greenspan não passou de um incompetente?

Em primeiro lugar, é um equívoco imaginar que o mercado será sempre responsável e que a ação transparente de seus agentes, por si só, garante eficácia e lisura nos negócios. Instituições financeiras visam sempre o lucro, disputam clientes com taxas cada vez mais rentáveis e a concorrência é acirrada. Nem bom nem ruim, simplesmente é o papel do agente privado. Como é papel do Estado zelar pelo interesse público do investidor, das velhinhas que aplicam suas economias, do fundo de pensão de milhares de professores da Califórnia. E, principalmente, não permitir que a eclosão de uma crise financeira se espalhe pela economia real, desempregando e gerando problemas sociais. Cabe aos bancos centrais e às agências do mercado de capitais criar regras preventivas e fiscalizar seu cumprimento pelos agentes privados.

Mas, se a solução é tão simples, por que o Fed e outros BCs dela abdicaram? Esse era um dilema que atormentava Greenspan, que tantas vezes o levou a alertar contra a “exuberância do mercado”, a corrente de felicidade que garantiu prosperidade nos últimos anos, a bolha que agora murchou. É o próprio Greenspan que, no livro, traz a dúvida e a resposta: “Será que estamos sendo tolos em confiar na estabilidade do mercado? Ou, como um dia perguntou um ministro das finanças recém-ungido, ‘como podemos controlar o caos inerente ao comércio e às finanças internacionais sem regulamentação e sem intervenções governamentais expressivas’? Considerando os trilhões de dólares das transações fronteiriças diárias, das quais poucas estão sujeitas a algum tipo de registro público, como alguém pode ter certeza quanto ao funcionamento de um sistema global não-regulamentado? No entanto, ele funciona, entra dia, sai dia. Obviamente, não é impossível que ocorram colapsos sistêmicos, mas tais ocorrências são extremamente raras.”

Greenspan calculou mal. O sistema global não-regulamentado ruiu e o colapso (raro) tragou as economias mais importantes do mundo - até levou um país inteiro, a Islândia, à falência.

Mas num ponto Greenspan tem razão: não será nada fácil criar regras de regulação neste mundo diferente e globalizado.

CELSO MING Para onde vai o dolar




Se os fundamentos da economia estão bem, por que, afinal, houve tanta sangria de dólares e por que o real se desvalorizou tanto? Alguém aí consegue prever com um mínimo de segurança o que vai acontecer com a cotação do dólar nos próximos meses?



De maio até final de novembro, o real se desvalorizou 29% em relação ao dólar e 14% em relação ao euro. Para início de conversa, não é fácil separar o que nesse movimento são mazelas do real e o que são das outras moedas. A moeda do país mais encrencado, em princípio, teria de derreter. E, no entanto, está acontecendo o contrário; o dólar cavalga em relação a quase tudo o que antes era considerado mais sólido. Essa anomalia tem lá suas explicações, que ficarão para ser revisitadas em outra oportunidade.



A desvalorização do real em relação ao euro serve mais de parâmetro para avaliar o que está acontecendo do que a comparação com o dólar. E, para início de conversa, é descabido atribuir a perda relativa de força do real à deterioração dos fundamentos da economia brasileira, que continuam mais ou menos os mesmos de quando a tendência do câmbio era a da valorização do real.



São três as principais razões da desvalorização da moeda brasileira. A primeira é a perda de receitas com exportações que acompanha o tombo das cotações das commodities. Na condição de importante fornecedor externo, o Brasil foi castigado.



A segunda razão foi o efeito “raspa tacho” provocado pelas matrizes das empresas estrangeiras no País. Faltou caixa lá fora e as filiais, num excelente momento, foram convocadas a socorrer as empresas mãe. Assim, a alta do dólar acabou fortemente influenciada por essas saídas de moeda estrangeira, que nada têm a ver com as fugas de dólares do passado - essas, sim, provocadas pela deterioração das condições da economia brasileira.



E o terceiro fator de desvalorização do real foi a ação dos fundos de hedge, que vêm sofrendo grandes saques e precisam fazer dinheiro com os ativos mais líquidos. Como não foi possível vender tantos ativos internacionais que passaram a ser classificados como “lixo tóxico”, viram-se ações e ativos brasileiros, bastante valorizados até então, serem liquidados na bacia das almas.



Muita coisa está para ser entendida, mas, independentemente das explicações que possam aparecer, a pergunta mais importante é saber para onde vai agora o dólar no câmbio nacional.



Os canais de crédito no exterior continuam entupidos. Banco não confia em banco, portanto não empresta para banco. Mas põe suas sobras no banco central, que é obrigado a repassar o dinheiro para aqueles com problemas de caixa. E, se banco não empresta para banco, o cliente, grande ou pequeno, continua sob estresse. Esse quadro mantém a pressão sobre o câmbio no País.



Para saber até onde vai o câmbio nos próximos meses, não basta avaliar corretamente de quanto será o rombo (déficit) em conta corrente (contas externas).



Este pode ser de 1% do PIB, de 2% ou maior do que isso. O mais importante consiste em saber quanto desse rombo o resto do mundo estará disposto a cobrir.



Isso só ficará mais claro nos próximos meses, provavelmente depois de 20 de janeiro, quando o país mais importante do planeta ficará sob novo comando.

Dora Kramer Mestiço sestroso

A tucana Yeda Crusius voltou a circular com leveza na capital federal. Deixou o circuito exclusivo dos ministérios, abandonou o travo de amargor que fazia dela uma péssima interlocutora política e uma oposicionista ambígua, tão obsessiva ficava com as monumentais dificuldades e tão necessitada estava do governo federal no primeiro ano à frente do governo do Rio Grande do Sul.

A carência financeira era absoluta, mas os obstáculos abundantes: um vice-governador dissidente, uma Assembléia Legislativa contra, os servidores revoltados, o empresariado intrigado, os adversários empenhados em investigações de irregularidades, dívidas por todos os lados e a solidariedade do próprio partido, praticamente uma formalidade.

Passado o vendaval, contas em dia, dívidas escalonadas, investigações em águas passadas, estado adaptado aos preceitos da responsabilidade fiscal, em substituição a outros paradigmas tradicionais, o alívio migra de imediato para aparência, algo inerente à alma feminina: cabelos mais claros combinando com os olhos azuis, os dez quilos a menos se acomodam perfeitamente ao conjunto fúcsia em substituição ao pretinho desanimado dos tempos de aflição.

Na política, nada parecido com a hesitação quase-adesista da primeira fase. Yeda Crusius agora é assertiva: “O clima de fim de mandato já tomou conta do governo federal, a eleição municipal provou que dinheiro e manipulação não produzem vitórias e a crise econômica favorece quem já viveu ciladas semelhantes e tem experiência em lidar com elas”.

Nome e sobrenome? “José Serra.” Na opinião dela, a eleição de Gilberto Kassab deixou patente de quem é o comando em São Paulo, impondo as regras muito claras dentro do partido.Yeda foi partidária assumida de Geraldo Alckmin na escolha da candidatura presidencial de 2006. “Ele queria, não queria? Então era preciso deixar, fazer o teste. Duas eleições depois, não há dúvida: Alckmin é página virada.”

Estaria a governadora do Rio Grande do Sul desde já anunciando seu alinhamento à candidatura do governador de São Paulo? Depreende-se isso, mas explicitamente não é assim oficialmente.

“Temos duas locomotivas andando, o governo não tem nenhuma.” E a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef?

“A democracia avançou tanto, a política está tão profissionalizada que ninguém consegue inventar candidaturas do nada, como ocorreu em 1989, quando Fernando Collor derrotou as estruturas tradicionais.”

Na visão da governadora, essas estruturas se aperfeiçoaram, a passagem do PT pelo poder disse adeus às vãs ilusões e, portanto, terá mais chance quem estiver estabelecido. “E pronto para mostrar à população que tem experiência na administração de crises.”

Perfeito, mas a locomotiva chamada Aécio anda na mesma velocidade que a locomotiva denominada Serra? Cena de tucanagem explícita: “Veja bem, o PSDB conhece s regras do jogo”.

Ah, sim, então as coisas mudaram muito...

“Completamente. Com o bom resultado de São Paulo, ninguém mais joga na divisão.” Na interpretação da governadora do Rio Grande do Sul, as desavenças presidiram os processos de 2002, 2006 e 2008. Quando o eleitor riscou Alckmin do mapa, os tucanos passaram a compreender que dança melhor quem dança direito sob a batuta de um só maestro.

Captada a mensagem, resta a dúvida: e o que faz Aécio nesse meio tempo? Na opinião da governadora o melhor seria presidir o Senado. E por que não vice num chapa puro-sangue hoje defendida por onze entre dez oposicionistas ao governo Lula?

“Porque a chapa puro sangue seria quase uma piada diante das demandas dos potenciais aliados.”

Na opinião da governadora do Rio Grande do Sul, muito mais vantajoso contar com a adesão de partidos simpatizantes que partir para um vôo solo, imaginando que o critério regional resolva tudo.

“Não resolve. Se Minas e São Paulo quiserem votar em Aécio ou Serra não deixarão de fazê-lo se outro partido estiver na aliança.” Entenda-se como “outro partido” o PMDB, cujos propósitos já estão sendo administrados tanto pelo PT como pelo PSDB.

No que tange ao seu partido, a governadora Yeda Crusius acha que o melhor é abrir espaço. Para quem? Eis a questão. Na teoria, para todos. Na prática, para todo mundo, menos para o eleitor cujo controle sobre sua participação é nula.

Transição

Assim como Fernando Henrique Cardoso no fim do segundo mandato, Lula está aflito com seus índices de popularidade do segundo. Nenhum dos dois quer ter comparações recíprocas. Ainda que não pareça de forma explícita, tudo muda.

Cena impensável Sérgio Fausto

Famílias inteiras pregadas num sono maldormido espremem-se em veículos espalhados num imenso estacionamento. Plena madrugada. Muitas vindas de longe: duas, três horas de viagem. São aproximadamente 3 mil pessoas, de todas as idades.

No descampado em frente, um hospital de campanha vai pouco a pouco se erguendo. Salas de exame e cirurgia separadas por lençóis de pano branco. Trabalho conduzido por um voluntário, Stan Brock, que comanda o Remote Area Medical Volunteer Corps, ONG que desde 1985 leva assistência médica gratuita para lugares e populações desassistidas, estejam onde estiverem. Ao nascer do sol, filas de pacientes se formam à entrada do acampamento improvisado.

Ao longo do dia, nas barracas, centenas de voluntários (médicos, dentistas, oftalmologistas e enfermeiras) desdobram-se em consultas, exames e cirurgias que vão de simples extrações de dentes a complexas retiradas de tumores. Para muitos pacientes é o primeiro atendimento médico em muitos anos. Uma mulher de 60 anos, que sofre de diabetes, diz ter feito a última mamografia 18 anos atrás. Levará 12 horas para ser atendida. Alguns não resistem em pé a tanto tempo de espera. Desmaios não são raros. A torrente humana entra e sai do acampamento médico por três dias seguidos.

Cena do Terceiro Mundo? Coisa nenhuma: cena americana, vista pelo olhar atento e sensível da jornalista Mary Otto, em reportagem publicada na edição de 9/11 do The Washington Post Magazine. Ela se repete há oito anos numa pequena localidade do sudoeste da Virgínia chamada Wise County. Segundo o U. S. Census Bureau, a proporção de pobres em Wise County chega a quase 20% da população, sete pontos porcentuais a mais do que no conjunto do país. A renda per capita é de cerca da metade da renda per capita americana. No entanto, a cena que ali se vê anualmente retrata - em tons mais dramáticos - uma realidade nacional.

Os pacientes atendidos no acampamento do Remote Area Medical Volunteer Corps - em sua maioria, pobres brancos americanos, trabalhadores e ex-trabalhadores de decadentes minas de carvão que um dia empregaram muita mão-de-obra naquela região - fazem parte do contingente de pessoas que não têm seguro-saúde nos EUA.

Imenso contingente, estimado em 47 milhões de pessoas, às quais se somam outros 25 milhões, considerados "insuficientemente segurados", gente cujo seguro mal dá para cobrir os tratamentos mais simples. Segundo um relatório do U. S. Census Bureau, de 2007, o número de sem-seguro-saúde nos EUA aumentou em 12 milhões de pessoas desde 1990 e o de insuficientemente segurados ampliou-se em nada menos que 60% desde 2003. O quadro deve piorar, com o crescimento do desemprego, que já está em 6,5%, a maior taxa desde 1992, e pode atingir, segundo analistas, mais de 9% ao longo de 2009, na esteira da crise financeira que agora faz vítimas em número crescente na economia real. Sem emprego, sem seguro-saúde.

Em comparações internacionais, entre países desenvolvidos, os EUA aparecem em péssima posição quando o assunto é saúde. Segundo dados da OCDE, os custos são grandes e crescentes: passaram de 8% para 15% do PIB entre 1980 e 2004 (quase o dobro da média dos demais países filiados à organização). E os problemas de acesso são tremendos: em pesquisa recente (The Commonwealth Fund 2008 International Health Policy Survey of Sicker Adults), 54% dos americanos disseram ter deixado de fazer exames, ir ao médico ou fazer tratamento recomendado por falta de recursos, nos dois anos anteriores. Entre cidadãos do Reino Unido e da Holanda, os porcentuais apurados foram de respectivamente 13% e 7%. Na França, 23%.

Não por acaso, quando perguntados, na mesma pesquisa, sobre a necessidade de reformas pequenas, grandes ou completas de seus sistemas de saúde, os americanos se destacam pela insatisfação: quase 80% dos entrevistados se disseram a favor de mudar tudo ou quase tudo e apenas 20% a favor de pequenos ajustes. No Reino Unido, na Holanda e na França, o porcentual dos que se contentariam com pequenos ajustes é duas vezes maior.

A reforma do sistema de saúde foi um tema central da campanha para a Casa Branca. Uma bandeira democrata e uma promessa de Obama, presidente eleito. Seu programa prevê reduzir a menos da metade o número dos sem-seguro-saúde nos EUA nos próximos dez anos. Custo estimado: US$ 1,6 trilhão, entre 2009 e 2018, começando com uma despesa de US$ 90 bilhões já no primeiro ano da reforma, segundo o Tax Policy Center.

Haverá recursos para tanto? Verdade que US$ 1,6 trilhão no acumulado de dez anos não parece muito para quem nos últimos meses se acostumou a ouvir cifras na casa das centenas de bilhões de dólares, mobilizadas quase de imediato para salvar o sistema financeiro e a economia do colapso. O Congresso pôs US$ 700 bilhões à disposição do Tesouro para comprar ativos podres ou injetar capital nas instituições financeiras. A iniciativa não foi suficiente para estabilizar os mercados e, com a economia real rolando ladeira abaixo, Obama anunciou, para o início de seu mandato, a adoção de um pacote de estímulos fiscais que poderia chegar a outros US$ 700 bilhões. Será suficiente? Ninguém sabe. Nessa toada já se projeta um déficit fiscal de 7% do PIB, ou mais, para os próximos dois anos, o que começa a levantar receios sobre uma súbita perda de confiança no dólar.

São muitas as incertezas, mas uma coisa é certa: a reforma do sistema de saúde é, depois da recuperação da economia, a mais decisiva batalha de Obama no front doméstico. Como conciliar a urgente necessidade de evitar a depressão com as possibilidades de cumprir suas principais promessas de campanha é o seu maior desafio. Se a crise sorver recursos públicos além da conta, será difícil explicar ao pessoal de Wise County por que Wall Street, mais uma vez, levou a melhor.

Sérgio Fausto é coordenador de Estudos e Debates do Instituto Fernando Henrique Cardoso E-mail: sfausto40@hotmail.com

sábado, novembro 29, 2008

Olhos vermelhos, nunca mais


Olhos vermelhos, nunca mais



Da coluna Radar da Veja: Está vendo a foto acima? Tem mais de seis meses. Sabe como descobrir isso? Simples: nela, os olhos de Lula estão vermelhos. Há seis meses, o presidente começou a cuidar, com o oftalmologista paulista Samir Bechara, de um problema que o incomodava e tinha causas variadas: a vermelhidão nos olhos. O tratamento, que acabou há duas semanas, foi feito com colírios e medicamentos. Agora, se Lula aparecer com os olhos vermelhos por aí, é porque andou chorando.

Comentário meu

Só por curiosidade: será que esse colírio contra indica a ingestão de bebida alcoólica???

CLÓVIS ROSSI Nova Orleans tropical?

SÃO PAULO - Janio de Freitas já analisou, dias atrás, a incompetência (ou talvez coisa pior) do poder público para atuar na prevenção de desastres como o deste momento em Santa Catarina. Faltou falar de idêntica incompetência no pós-desastre, tema que é objeto de indignado e-mail enviado pela deputada Luciana Genro (PSOL-RS).
Luciana faz oposição tanto ao governo estadual como ao federal, mas suas observações parecem pertencer mais ao universo do sentido comum do que ao da militância oposicionista, pelo que acho justo dividi-las com o leitor.
Diz a deputada: "O que me indigna neste momento é que tenho a impressão de que estamos passando pela Nova Orleans brasileira. Tive um ataque de fúria ao ouvir que o governo vai dar uma linha de crédito especial para as pessoas que comprovem que perderam tudo.
Crédito? Não posso acreditar que diante daquele desastre o governo vai oferecer apenas crédito para quem perdeu tudo".
Prossegue: "Também me indignei ouvindo o coordenador da Defesa Civil pedir doações de barras de cereais ou alimentos prontos para as pessoas, pois as cestas básicas que têm chegado não são suficientes e em alguns lugares não há como cozinhar. Por que o governo não faz uma compra emergencial de quentinhas e manda os helicópteros do Exército distribuírem para as pessoas? Por que não envia galões de água potável?".
A deputada concede que "o governo tem dado respostas, é verdade. Depois de vários dias, finalmente Lula foi lá, baixou uma MP liberando recursos. Mas me parece pouco. Principalmente comparando com a reação rápida do governo em queimar dólares para saciar o apetite dos mercados. Dólares para o mercado jorram com rapidez e facilidade, mas e água e comida para flagelados diante de uma tragédia destas dimensões? Demora, não tem, tem pouco".


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JANIO DE FREITAS
27 de novembro de 2008

Desastres conservados

Já falam nos bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem em comparação com uma casa perdida?

HÁ EXATOS 25 anos, um dos governadores recém-vitoriosos na primeira eleição sem restrições, ao apagar da ditadura, irrompeu na notoriedade nacional com o espetáculo de sua ação em uma calamidade feroz. Era a nova figura de Esperidião Amin, que se deparou, mal estreara, com os horrores da enchente gigantesca no mesmo Vale do Itajaí e cercanias agora vitimados. As providências de engenharia, para prevenir o desastre das vazantes excessivas, começaram a ser definidas ainda antes de baixadas as águas e logo asseguradas pelo governo federal (Santa Catarina não teria recursos para tanto).
No quarto de século decorrido desde então, as enchentes cumpriram com regularidade a sua programação anual, concedendo apenas na intensidade variável das suas perversidades. Mas, sempre, cada uma delas configurando a advertência do que poderia vir no ano seguinte. Assim atravessaram os dois anos finais da ditadura com Figueiredo, os dois anos de Collor, o mesmo de Itamar, cinco de Sarney, oito de Fernando Henrique e, já se pode dizer, seis de Lula.
Os ministérios incumbidos das obras mudaram de nome, cresceram nos bilhões das moedas que mudaram de nome, o regime mudou de nome, mudaram dezenas de nomes de ministros como se não houvesse nem um. E o legado de tudo isso foi manter em perfeitas condições as características topográficas, geológicas, fluviais e habitacionais adequadas a novas calamidades.
Já falam, por aí, nos imaginados bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem esses bilhões em comparação com a casa perdida por uma família que dedicou tanto da vida a consegui-la, a dar-lhe os bens simplórios que nunca se completam? O custo da orfandade daquela criança, de qualquer criança, cabe nos bilhões do prejuízo citados pelos técnicos e pelos governantes? E os filhos esmagados, sufocados na lama, sumidos nas águas, que valor os técnicos e governantes dão à sua perda pela mãe, pelo pai? Ou não pensaram nisso?
Em proporções que só representam calamidade para os atingidos, e apenas um registro rápido nos noticiários, os desatinos da natureza repetem-se pelo país todo, o ano inteiro. Grande parte seria evitável ou poderia ser atenuada, muitos são objeto de velhos projetos preventivos, mas seguem se repetindo como se fossem uma fatalidade acima do poder humano. É que estão abaixo do poder dos interesses. Eleitorais, comissionais, negociais. Lidam com vidas irreconhecíveis, por não terem presença social, como classe.
No atual desastre catarinense, duas ilustrações resumem o governo. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, a quem caberia rápida reação já aos primeiros sinais da calamidade, foi de uma lerdeza muito expressiva, digna de um garçom baiano como ele. É até improvável que soubesse o que é e onde é o Vale do Itajaí. Lula, por sua vez, só ontem se dispôs ao esforço de dar um pulo em Santa Catarina. E assim mesmo porque também ontem recebeu duras críticas por sua distância apática. Críticas acompanhadas da observação de que essa é a sua conduta costumeira nas calamidades e tragédias.

Questão de empresa Miriam Leitão

A Petrobras vai ser sempre a empresa número um no imaginário brasileiro. Criada por uma campanha popular, motivo de justificado orgulho, peça-chave na economia do Brasil. Isso não a blinda contra críticas, verificações, debates do país. Criticá-la não é torcer contra. Ela está sob o escrutínio dos contribuintes, dos consumidores, dos acionistas.

Ela é estatal, mas tem acionistas privados. Isso cria uma série de ambigüidades que uma boa direção da companhia deveria evitar.

Não deve ser instrumento de governo, nem usar o governo como se não houvesse uma superação entre poder público e empresa.

É uma empresa forte, com reservas crescentes, que tem uma extraordinária história de crescimento. Por ter como acionista controlador o Tesouro, e por ter milhões de acionistas minoritários, tem que prestar contas, ter accountability e transparência.

Se a revelação do empréstimo para capital de giro veio de um senador da oposição, as críticas feitas pelos jornalistas especializados, como lembrou no seu blog o jornalista Ilimar Franco, foram técnicas.

A operação Caixa Econômica Federal-Petrobras levantou dúvidas razoáveis, que devem ser esclarecidas da forma natural com que qualquer empresa enfrenta um momento como este. A empresa não precisa ser defendida pelo governo com argumentos enrolados na bandeira nacional.

Na resposta da Petrobras, na última quinta-feira, ela informou que gastou R$ 4,9 bilhões subsidiando o diesel.

É uma informação espantosa, por vários motivos. O diesel é um ferida na imagem da empresa. Quem acompanhou o debate sabe que o Conama aprovou uma resolução, em 2002, para reduzir o teor de enxofre no diesel, que é de 500 partes por milhão (ppm) nas grandes cidades e 2.000 partes por milhão no resto do país. No México já é 50 ppm, nos Estados Unidos, 10 ppm, na Europa, 5 ppm. O mundo caminha para limpar o enxofre do diesel, pelos terríveis efeitos nocivos que ele tem na poluição atmosférica e na saúde da população.

A empresa não fez a transição, assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) jogando isso para mais tarde. Teria que ter o novo produto disponível em todo o país no dia 1º de janeiro de 2009, mas o diesel com 50 ppm só será usado por ônibus do Rio e de São Paulo. No resto, vai ser usado o diesel com 1.800 ppm.

A informação lateral que se tem, a partir do caso Caixa-Petrobras, é que a empresa tem comprado lixo no mundo. O mundo não quer mais um diesel tão sujo.

E o contribuinte e o acionista têm subsidiado o consumo de um produto que o consumidor, se pudesse escolher, rejeitaria. É uma situação absurda.

Foi por causa do diesel sujo que a Petrobras foi punida pelo Conar, e não pode se definir como empresa ambientalmente responsável, e acabou de ser afastada do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. Isso pode ter reflexos no exterior, nas bolsas onde a empresa é cotada. Mais barato teria sido cumprir a resolução do Conama e investir nos últimos anos na tecnologia do diesel limpo.

Aliás, segundo o Movimento Nossa São Paulo, a empresa tem tecnologia para fazer o produto.

— O mais grave é que a Petrobras tem tecnologia para produzir o diesel mais limpo e seguir os Estados Unidos e a Europa. Ela tem condições, sabe disso, mas posterga a entrada em vigor do diesel mais limpo — diz Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo.

Segundo Oded, responsabilidade social implica que uma empresa cuide, também, do meio ambiente, o que a Petrobras não está fazendo nessa história do diesel. Para ele, a saída da empresa do Índice de Sustentabilidade Empresarial vai ter impacto em todo o mundo, já que só três bolsas têm esse índice no mundo (Londres, Nova York e São Paulo) e porque entidades respeitadas compõem o Conselho do ISE, como International Finance Corporation (IFC) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

— A posição da Petrobras tem repercussões econômicas.

Há fundos que têm na sua carteira empresas selecionadas por sua responsabilidade social, e a empresa deve deixar de fazer parte de carteiras desses fundos, aqui e lá fora.

O caso do “prejuízo” com o diesel revela também a falta de transparência na formação de preços. Eles deixaram de ser controlados pelo governo para serem definidos pela empresa, mas ela passou a ter uma política totalmente incompreensível.

Manteve os preços ao consumidor congelados e subiu os preços cobrados das empresas para nafta, querosene de aviação, óleo combustível e outros. Isso criou dois critérios, dos quais só se pode entender que foi uma escolha política.

Sim, a Petrobras é uma grande empresa e vamos todos torcer para que ela se mantenha saudável, investindo, empregando, pesquisando, encontrando petróleo, entrando em novas áreas. Mas é natural que os brasileiros queiram dela que não abuse do seu poder de mercado, respeite as normas ambientais, tenha critérios contábeis transparentes, seja financeiramente cuidadosa, ainda mais em épocas de crise.

Principalmente, que não reaja a cada crítica como se isso fosse traição à pátria. Ela não é o Brasil. É uma empresa de capital brasileiro.

Pretexto O GLOBO EDITORIAL,

Os pagamentos a servidores federais inativos e seus pensionistas chegam a superar os valores recebidos pelos funcionários que permanecem na ativa. Trata-se, evidentemente, de uma distorção, que não se deve a uma baixa remuneração dos servidores que estão sem serviço, pois a União tem sido benévola na aprovação de aumentos para salários e benefícios do funcionalismo — os quais, em muitos casos, superam os oferecidos pelo mercado.

Tal distorção decorre mais de um modelo previdenciário irrealista, que tem sido objeto de reformas, algumas em pleno vigor, e outras “congeladas”, por falta de regulamentação e/ou vontade política de implementá-las. Servidores se aposentam com seu último vencimento, desde que estejam há pelo menos dez anos no serviço público e exercendo a função por cinco anos. Além de tempo de contribuição, servidores têm idade mínima para se aposentar (no caso dos homens, 60 anos).

Uma reforma aprovada já no primeiro mandato do governo Lula estabeleceu que os servidores futuramente passarão a ter na inatividade seus vencimentos limitados ao teto de benefícios do INSS. Os que desejarem se aposentar por valor que supere esse teto terão de contribuir para um fundo previdenciário.

É uma regra que só valerá para novos funcionários e que ingressarem no serviço público quando esse fundo previdenciário efetivamente existir. O mecanismo é fundamental para que, a longo prazo, o sistema de previdência dos servidores venha a se equilibrar. O fundo, por sua vez, será um instrumento importante de formação de poupança.

Mas, embora tenha sido aprovado a duras penas no Congresso, com elevado custo político para o próprio governo, o fundo não saiu do papel. Nem as autoridades, nem os parlamentares se esforçam para efetivá-lo. O desequilíbrio, acima dos R$ 30 bilhões anuais — quase tanto quanto o déficit de todo o INSS —, é bancado inteiramente pelo Tesouro. O peso da folha dos inativos no presente seria a justificativa para o fundo não sair do papel, pois, depois que criado, o Tesouro terá de fazer também aportes de capital, proporcionalmente às contribuições dos novos servidores, que se somariam aos pagamentos aos atuais aposentados Se essa for mesmo a justificativa, não é admissível, já que nos últimos anos o Tesouro usufruiu de um aumento excepcional de arrecadação tributária e não haveria melhor momento para se pôr em prática uma mudança tão importante para as finanças públicas a médio e longo prazos.

Explicações O GLOBO EDITORIAL,

A Petrobras tem conseguido financiar considerável parte do seu gigantesco investimento com geração própria de caixa, resultante de um faturamento crescente nos mercados em que atua. A estatal também precisa recorrer a financiamento, seja para o giro de seus negócios ou para compatibilizar seus desembolsos com os prazos esperados para o retorno dos seus investimentos. Considerandose a realidade da indústria do petróleo, até que a Petrobras tem uma relação capital próprio e de terceiros inferior à média, o que justificaria iniciativas para se contratar novos investimentos.

Mas mesmo para uma empresa do porte da Petrobras, o risco-Brasil acaba pesando no custo de captação de capital, e isso talvez explique o fato de a estatal não ter sido mais agressiva no mercado financeiro internacional, quando ainda havia razoável oferta de recursos.

Quando o mercado de crédito e de títulos começava a dar sinais de retração no exterior, o Conselho Monetário Nacional autorizou a Petrobras a contratar empréstimos junto a instituições financeiras oficiais, especialmente o BNDES. E, estranhamente, não divulgou o fato.

Neste momento de perplexidade geral com o que está ocorrendo na economia mundial, para o Brasil seria bem negativo que a Petrobras pisasse fortemente no freio.

Essa é a única explicação aceitável para que a companhia tenha recorrido a um empréstimo de R$ 2 bilhões, para reforçar seu capital de giro, junto a uma instituição financeira como a Caixa Econômica, que sempre se propôs a atender nichos de mercado pouco explorados pelos demais bancos.

Embora a Caixa não tenha esgotado sua capacidade de emprestar, as autoridades monetárias têm liberado depósitos compulsórios para destravar linhas de crédito no sistema como um todo, contando para tal com participação ativa de bancos federais. Essa operação com a Petrobras pode ter comprometido esse esforço, a não ser que não houvesse realmente outra alternativa para a estatal.

Como é uma questão que envolve instituições controladas pelo Tesouro, é preciso que se esclareça as circunstâncias desse empréstimo, pois não se trata de operação financeira usual.

As estatais envolvidas na operação precisam mesmo dar explicações ao Congresso. No caso da Petrobras, inclusive sobre seus custos administrativos e gastos pouco claros inscritos no balanço.

Com o petróleo de volta à faixa dos US$ 50, as empresas do setor têm de ser bem mais eficientes do que na fase dos preços nas nuvens.

MERVAL PEREIRA América Latina no radar

NOVA YORK. Mesmo que tenha sido publicado num período em que ninguém está muito atento à leitura, mais preocupado com o período de festas — que, nos Estados Unidos, começa com o Dia de Ação de Graças, festejado na última quinta-feira, e vai até o Natal —, o editorial do “The New York Times” de ontem sobre o que deveria ser a política do futuro governo Obama para a América Latina tem o mérito de trazer à discussão pública, e quem sabe chamar a atenção de um assessor ou outro da futura administração, uma parte da política externa que tudo indica não será prioritária, mas terá importância por motivos diretos citados pelo jornal americano: é da América Latina que saem para os Estados Unidos um terço de suas importações de petróleo (a maior parte da Venezuela), a maioria de seus imigrantes e “virtualmente toda sua cocaína”.

No que se refere ao Brasil, o passo mais importante seria eliminar as tarifas para a importação do etanol, o que, segundo o “Times”, ajudaria também na política de redução da dependência de petróleo.

Esse é o ponto fundamental da discussão do livre comércio, pois, para as exportações brasileiras, segundo os especialistas, mais importante que o fim dos subsídios aos produtores de etanol de milho seria a abertura do acesso ao mercado americano, com o estabelecimento de uma cota de importação livre de taxas.

Neste momento, o Brasil não tem condições de elevar substancialmente suas vendas de etanol para os Estados Unidos, pois isso provocaria desabastecimento do mercado interno.

O estabelecimento de uma cota daria aos produtores brasileiros tempo e segurança para realizarem os investimentos exigidos pela nova situação.

São poucas, no entanto, as possibilidades de ser retomada uma agenda de livre comércio nos Estados Unidos diante da crise econômica que pode vir a ser uma recessão já no início do próximo ano.

Por isso também foi impossível para o governo Bush aprovar no Congresso o tratado de livre comércio com a Colômbia, pois a bancada democrata majoritária é mais protecionista que a republicana.

O melhor exemplo vem do próprio Barack Obama e da futura secretária de Estado, Hillary Clinton.

Os dois votaram contra as propostas de renovação de fast track, a permissão para o governo negociar acordos de comércio sem a aprovação prévia do Congresso.

O tratado com o México, negociado no governo de Bush pai e aprovado em pleno governo Clinton, trouxe problemas para a então candidata Hillary Clinton, que disputou com Obama durante as primárias quem era mais contra o Nafta.

A maioria democrata ampliada no Congresso deverá continuar ativamente contra o Nafta, os acordos de livre comércio com a Coréia e com a Colômbia e a Rodada de Doha.

Os sindicatos estão cada vez mais ativos na defesa dos empregos nos EUA, e o livre comércio é o principal responsável pelo desemprego crescente, nessa ótica sindical.

Cada um dos temas levantados pelo “Times” — petróleo, imigração e drogas — tem implicações políticas importantes, a começar pela nova política de imigração que deve ser levada a efeito pela futura ministra de Segurança Interna, Janet Napolitano, que também é a responsável pela repressão interna ao tráfico de drogas.

De acordo com o relatório publicado em outubro pelo centro de pesquisas Pew Hispanic Center, no ano de 2050 um em cada três americanos será de origem hispânica. Hoje, são 45 milhões de latinos, que representam 15% da população dos Estados Unidos.

Nada menos que 57% dos latinos registrados para votar se dizem democratas. Dos que votaram em novembro, quase 70% escolheram Obama, o que significou, entre outras, uma vitória na Flórida que reverteu uma predominância republicana que garantiu a vitória de Bush na polêmica eleição de 2000.

O presidente eleito, Barack Obama, parece inclinado a mudar o foco da política de combate às drogas levada a efeito na Colômbia, que não deu resultado.

O caráter estritamente militar do Projeto Colômbia, que mistura a repressão aos cartéis de drogas colombianos com o combate à guerrilha, tem dado certo no plano de segurança interna, mas não deu conta de reduzir a produção de cocaína, cujo destino final na maior parte é o consumo interno nos Estados Unidos.

A política de Obama combinaria estímulos econômicos para que a Colômbia se desenvolvesse por conta própria — e nesse caso aprovar o tratado de livre comércio seria prioridade — e o combate mais efetivo dentro dos EUA para a redução do consumo.

Um outro eixo da política externa na América Latina tem a ver com o antiamericanismo comandado pelo presidente da Venezuela, o cada vez mais ditatorial Hugo Chávez.

Com a crise, o preço do petróleo despencou e a política externa de Chávez está perdendo sua capacidade de financiar países como Cuba, Argentina, Nicarágua, o que pode levá-lo a radicalizar cada vez mais a política interna, como parece estar acontecendo, sobretudo agora com os recentes acordos militares com a Rússia, cujo presidente, Dmitri Medvedev, andou circulando pela região, mostrando os músculos em Brasília, Caracas e Havana.

Ao mesmo tempo, a oposição venezuelana vai ganhando terreno com o fracasso das políticas populistas, o que pode dar aos Estados Unidos um espaço político para agir no continente.

O “Times” sugere que o embargo econômico a Cuba seja levantado para distender a situação política na região.

Sejam quais forem os passos da futura administração com relação à América Latina, o Brasil ocupa lugar de destaque nessa estratégia, e a provável nomeação de Hillary Clinton para a Secretaria de Estado será um bom sinal, pois a senadora por Nova York conhece bem o país e suas potencialidades.

O preço da luta contra a recessão O Estado de S. Paulo EDITORIAL,

As autoridades monetárias trombetearam bastante, nos últimos dias, a redução da dívida externa líquida em relação ao PIB, mas pouco falaram da dívida interna, de R$ 1,226 trilhão, que representa 91,15% do total da dívida federal em poder do público. Ora, a forte desvalorização do real ante o dólar valorizou as reservas internacionais, ao passo que, na situação atual, a captação de recursos externos reduziu. Assim, em outubro, a emissão de títulos da dívida pública federal externa foi de apenas R$ 65,2 milhões, com resgate de R$ 1,051 bilhão, enquanto para a Dívida Mobiliária Federal interna (DPMFi) houve emissão de R$ 15,413 bilhões e resgate de R$ 28,378 bilhões no mesmo período.

Em razão da crise, o Tesouro vai depender cada vez mais da emissão de papéis da dívida interna para financiar sua política anti-recessão. Mesmo essa captação de recursos não é fácil e é cada vez mais cara. Em setembro, o refinanciamento da DPMFi foi de 56,2% e caiu para 54,3% em outubro, enquanto o seu custo médio aumentava de 13,22% para 13,52% no mesmo período.

Nas emissões primárias, verifica-se que os títulos prefixados (LTN e NTN-F) são os mais procurados pelos investidores, que querem saber qual será a remuneração do seu investimento. Esses títulos representaram 72,55% do total emitido em outubro, ante 66,5% no mês de setembro.

O Tesouro assinala como fato positivo a venda de títulos públicos pela internet (o Tesouro Direto), que passou de R$ 114,7 milhões, em setembro, para R$ 259 milhões, em outubro, o que se explica porque esses títulos têm excelente remuneração e alta garantia.

O estoque da DPMFi cresceu em outubro 0,13%, ou R$ 1,6 bilhão, apesar de um resgate superior às emissões, pelo fato de que os juros são apropriados à dívida.

O perfil da dívida interna não melhora. Os papéis que vencem em 12 meses continuam representando 26,38% do total, e o prazo médio reduziu de 40,31 meses, em setembro, para 40,19 meses, em outubro. No caso da dívida mobiliária externa, o prazo médio era de 74,51 meses em outubro, mas, infelizmente, está cada vez mais difícil colocar papéis no exterior.

Considerando que o governo pretende ampliar sua política anti-recessiva, que demanda crescentes recursos para investimento, cabe acompanhar de perto a evolução da dívida interna, uma vez que não se pode contar com a captação externa em grande escala.

Obama e Roosevelt Boris Fausto

Nos dias que correm, a comparação entre o presidente eleito Barak Obama e o presidente Franklin D. Roosevelt surge, a cada momento, na voz e nos escritos dos analistas econômicos. Mais do que às personalidades das duas figuras públicas, as atenções se voltam para a semelhança de duas conjunturas: a da Grande Depressão, iniciada em 1929, e a atual, cujos desdobramentos não conhecemos em toda a extensão.

Aparentemente, no plano da biografia, nada mais distante do que a história de Obama e a de Roosevelt. A esta altura, a vida de Obama tornou-se conhecida, ao menos em seus traços principais. Quanto a Roosevelt, lembremos que ele era obviamente branco, de família aristocrática - no sentido amplo do termo - e primo distante de Theodore Roosevelt, infatigável presidente dos Estados Unidos, nos primeiros anos do século 20.

Antes de chegar à Casa Branca, Roosevelt tinha a sustentá-lo uma consistente carreira política, na qual estreou como senador estadual do Estado de Nova York em 1910, com apenas 28 anos. Ao chegar à presidência, era, pois, bem mais experiente do que Obama, que não ocupou anteriormente um só cargo no Executivo, circunstância muito explorada pelos republicanos no curso da campanha eleitoral.

Apesar dessas diferenças, alguns traços pessoais aproximam os dois presidentes. Ambos se revelaram oradores notáveis, ainda que Roosevelt, por força da paralisia decorrente da poliomielite, não pudesse exibir o gestual e a movimentação que tornaram Obama imbatível no plano da comunicação. Ao mesmo tempo, o presidente eleito tem sido acusado por alguns críticos de ser evasivo em seus discursos. Curiosa semelhança: referindo-se à campanha presidencial de Roosevelt em 1932, seu biógrafo Roy Jenkins, em Frank Delano Roosevelt (Times Books, 2003), acentuou que ela foi "um triunfo do estilo, mas não de substância".

Mas é, sem dúvida, no plano das conjunturas históricas enfrentadas pelos dois presidentes que as aproximações se impõem, ressalvadas as nítidas diferenças de época. Para começar, ambos conseguiram chegar à Casa Branca beneficiados pela crise. Notemos, porém, que o triunfo de Roosevelt foi mais amplo que o de Obama, pois ele obteve em torno de 60% dos votos populares, contra 40% dados a Herbert Hoover, traduzindo-se no Colégio Eleitoral em 472 votos contra 59. Por sua vez, Obama obteve 52,8% dos votos populares, contra 45,9% de John McCain, alcançando no Colégio Eleitoral 365 votos contra 173. Por certo, como se tem dito, o racismo inconfesso explica boa parte dessa margem relativamente estreita de votos populares.

Na campanha presidencial, ao longo de 1932, Roosevelt não anunciou as medidas que iria tomar contra a depressão e que o tornaram célebre. Suas preocupações com o corte de gastos e o equilíbrio orçamentário não divergiam do ponto de vista ortodoxo sustentado pelo então presidente Hoover, mas tudo mudou com a chegada ao poder.

Obama delineou, de saída, os pressupostos de sua ação e rapidamente construiu sua equipe financeira, tornando-se o centro da cena política americana, embora insista em dizer - noblesse oblige - que, por ora, só há um presidente dos Estados Unidos. Está claro também que o momento impõe o aumento de gastos, não apenas para socorrer pontualmente gigantescas corporações à beira da falência, mas para dar impulso à economia e criar algo em torno de 2,5 milhões de empregos, nos próximos dois anos.

O presidente eleito não ignora que esse programa agravará o sério problema do déficit das contas públicas, herdado do governo George W. Bush, porém essa é uma questão que ele deverá enfrentar numa segunda etapa, ainda que esteja disposto a cortar gastos orçamentários supérfluos.

Ao assumir o poder, Roosevelt empreendeu a extraordinária série de iniciativas conhecidas como "New Deal", havendo, na realidade, dois planos sucessivos: o "New Deal" lançado logo após a posse do presidente e um segundo, com objetivos predominantemente sociais, lançado em 1935. As primeiras medidas, entre outros aspectos, destinaram-se a sanear o sistema financeiro, tratando de impedir as manipulações e outras práticas fraudulentas no mercado de ações; a fornecer créditos em condições favoráveis a agricultores cujas fazendas estavam hipotecadas e a dar impulso ao desenvolvimento regional, nas regiões mais pobres do país, com a criação da TVA - a Tennessee Valley Authority.

O "New Deal" de Obama prevê uma série de iniciativas semelhantes, com especificidades decorrentes de novos tempos, como, por exemplo, o incentivo a atividades geradoras de energia limpa, algo de que ninguém cogitava nos anos 30 do século passado. É significativo assinalar, aliás, que o programa de Roosevelt foi tachado por seus críticos de "socialista", uma acusação que o candidato republicano McCain fez a Obama, durante a campanha eleitoral, passados quase 80 anos.

Em que medida o "New Deal" de Roosevelt foi um sucesso? Se há concordância em que as iniciativas governamentais foram ousadas e contribuíram para reduzir os efeitos da depressão, uma ponderável corrente de economistas afirma ter sido a 2ª Guerra Mundial o fator principal que, trágica e paradoxalmente, livrou os Estados Unidos da longa depressão, lembrando a recaída desenhada em 1938.

Felizmente, o presidente eleito Barack Obama não tem pela frente um cenário de guerra de proporções mundiais. Mas tem diante de si uma guerra surda cujas explosões econômicas e sociais continuam em marcha. Dúvidas, incertezas e esperanças pontilham seu caminho. Terá ele o êxito alcançado por seu predecessor?

Tentativa de intimidação O Estado de S. Paulo EDITORIAL,

O comportamento autoritário é especialmente aberrante quando adotado por quem sempre se apresentou como inimigo do autoritarismo. O advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que fez carreira defendendo presos políticos e amealhou polpudos honorários com as milionárias indenizações obtidas para as "vítimas do regime militar", permitiu-se assumir uma atitude flagrantemente contrária à liberdade de expressão - que a Constituição consagra por ser o mais eficiente antídoto que uma democracia pode usar contra a tentação totalitária.

Greenhalgh pleiteia na Justiça o recolhimento de documentos que teriam sido obtidos por repórter do Estado sobre a guerrilha do Araguaia. Pediu a intimação do repórter Leonencio Nossa, da Sucursal de Brasília - sob pena de busca e apreensão em sua casa -, para que forneça documentos repassados por militares que participaram dos combates entre as Forças Armadas e militantes do PC do B no Pará, nos anos 1970. O pedido se relaciona a processo movido pelo advogado em 1982, solicitando esclarecimentos sobre aquela guerrilha. Já mereceu parecer contrário do procurador Rômulo Conrado, com base no argumento de que o jornalista "não é parte integrante da lide, razão pela qual não pode figurar no pólo passivo do processo".

Razões técnico-jurídicas à parte - já que é notória demais para precisar ser comentada a intenção do advogado de confrontar o princípio constitucional do sigilo da fonte, essencial para o livre exercício da atividade jornalística (art.5, XIV) -, cabe examinar os aspectos ético-políticos da questão. Não foram só os setores do Ministério Público que trabalham parar abrir os arquivos oficiais sobre as mortes no Araguaia que estranharam a atitude do advogado e ex-deputado federal pelo PT. Entidades ligadas aos jornalistas e à defesa da liberdade de expressão - como a Associação Brasileira de Imprensa, a Federação Nacional dos Jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal - reagiram com um misto de indignação e incredulidade ao pedido de busca e apreensão na residência do jornalista.

Greenhalgh, aliás, já havia sido recriminado por representantes do PT e assessores do presidente Lula, em 2006, por repassar para jornalistas documentos produzidos por militares que colocavam em questão a conduta do deputado e ex-guerrilheiro José Genoino - com quem disputava votos. Greenhalgh desmentiu tal versão, com a mesma ênfase com que repudiara versões sobre seu envolvimento com a Lubeca, que levara a ex-prefeita Luiza Erundina a demiti-lo de seu secretariado. E, ontem, o Estado publicou carta de uma leitora que afirma que, se há quem queira saber o que ocorreu no Araguaia, também há quem queira a elucidação do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em cujo processo Greenhalgh foi atuante, no sentido de manter uma inconvincente versão do caso.

Em nota à imprensa o advogado alega que o pedido que encaminhou à 1ª Vara Federal de Brasília "não é de busca e apreensão na casa do repórter, simplesmente". Diz que se trata de "requerimento para que se tomem providências judiciais necessárias à execução de decisão que condena a União a abrir os arquivos da ditadura referentes ao episódio denominado ?Guerrilha do Araguaia?". E acrescenta: "O objetivo é que o repórter preste esclarecimentos e auxílio aos autores da ação. O repórter tem condições de contribuir decisivamente com (sic!) a história do País, ao colaborar com (sic!) a localização e fornecimento ao Estado de documentos repassados por Sebastião Curió, autor de inúmeros delitos na ?Guerrilha do Araguaia?. A mencionada ?busca e apreensão? só ocorreria no caso de o repórter recusar-se a prestar informações à Justiça."

É realmente difícil explicação menos convincente e com mais cinismo. Sem rubor nas faces, Greenhalgh traveste de propósitos "históricos" o que não passa de uma reles tentativa de intimidação, na falta da "colaboração" do jornalista. E não hesita em agredir os fundamentos da liberdade de imprensa, certamente por supor ser o jornalista a parte mais vulnerável na questão. Afinal, sabendo que, se o repórter Leonencio Nossa possui realmente os documentos que podem enriquecer a história, ele os obteve do coronel Sebastião Curió, por que o advogado não vai diretamente a este?

Inundações em Santa Catarina O Estado de S. Paulo EDITORIAL

Santa Catarina, em especial as cidades localizadas no Vale do Itajaí, é periodicamente castigada por inundações. Mas as que ela sofre nestes dias são incomparavelmente mais avassaladoras do que qualquer outra, como mostram as trágicas conseqüências registradas até agora das fortes chuvas que caíram naquele Estado. Os números, que crescem a cada dia, dão uma idéia da dimensão da tragédia: uma centena de mortos, dezenas de desaparecidos, cerca de 80 mil desabrigados e seis cidades isoladas total ou parcialmente. Por causa da queda de barreiras, mais de 90 mil pessoas estiveram impedidas de deixar suas casas para procurar abrigo em lugar seguro.

De uma população de 5,9 milhões, 1,5 milhão de catarinenses foram afetados direta ou indiretamente pelas enchentes. Os prejuízos à economia do Vale do Itajaí são calculados em R$ 300 milhões. As empresas exportadoras do Estado já estão sofrendo com os danos causados ao Porto de Itajaí. Segundo a Federação das Indústrias de Santa Catarina, cada dia parado provoca prejuízo de US$ 33,5 milhões. As perdas do setor de turismo são estimadas em R$ 120 milhões só em uma semana.

Por trás desses números estão os pungentes dramas pessoais dos habitantes dos sete municípios onde foi declarado estado de calamidade. Perderam-se não apenas vidas, às vezes famílias inteiras, mas também tudo que se haviam acumulado de bens e propriedades durante a vida inteira até o advento da tragédia. E a região vive em toda a sua intensidade as conseqüências desse tipo de calamidade - falta de água, de alimentos, de abrigo e o risco de doenças pelo contato com a lama e a água suja. As redes de esgoto foram afetadas e toneladas de lixo estão espalhadas por toda parte. Atingidos pelas inundações, muitos hospitais perderam medicamentos e funcionam precariamente. Os saques se multiplicam e, por isso, muitos moradores preferem não abandonar suas residências, apesar das condições precárias de segurança, para não perder o pouco que lhes restou.

A situação só não é pior por causa da solidariedade e da disciplina da grande maioria da população e da ação eficiente da Defesa Civil e das Forças Armadas.O anúncio da edição de uma Medida Provisória pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, liberando R$ 1 bilhão para a recuperação da região afetada e mais R$ 600 milhões para outros Estados também afetados pelas chuvas, embora em menor grau (Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo), deu novo ânimo aos governos e à população. O governador catarinense, Luiz Henrique da Silveira, calcula que só para as obras de recuperação da malha viária estadual e da infra-estrutura da região mais diretamente afetada serão necessários investimentos de R$ 250 milhões. Outros R$ 350 milhões deverão ir para obras nos portos.

Há fortes indicações de que o pior já passou. É hora, portanto, de começar a reconstrução. E, para que ela seja bem feita, é fundamental aprender com os erros. As chuvas caídas nos últimos dias em Santa Catarina ficaram muito acima da média. Esse é um dado incontrolável. Outros dados da realidade, dos quais não se pode fugir, é que a topografia da região mais afetada não ajuda, o que explica a repetição das inundações no Vale do Itajaí. Tragédias semelhantes à que estamos assistindo, embora de proporções menores, ali já ocorreram em 1983 e 1984, para citar apenas os episódios mais graves.

Mas a topografia ingrata e a fatalidade das calamidades naturais não eximem os administradores públicos - pelo contrário - da obrigação de tentar minimizar as suas conseqüências. É o que fazem os governos de países onde os desastres naturais são freqüentes, com a imposição de regras especiais de segurança para as construções e para as comunicações. O número de mortos e desabrigados, assim como o de casas e outros edifícios destruídos por deslizamentos em Santa Catarina, seria com certeza menor, se providências tivessem sido tomadas pelas autoridades para evitar construções em áreas de risco, sejam encostas ou proximidade de rios e córregos. E esta deve ser uma regra geral, aplicada a todas as cidades do País.