sábado, junho 30, 2007

Ambição nuclear Miriam Leitão

O ministro Sergio Rezende, da Ciência e Tecnologia, um dos maiores entusiastas e defensores da decisão de retomar Angra 3, disse-me ontem que a decisão foi “o ponto de partida para que o Brasil tenha um programa nuclear para valer”. Uma das opções do lixo atômico é fazer uma licitação entre os municípios brasileiros para saber quem quer recebê-los em troca de uma transferência de recursos. “É assim em outros países”, comenta o ministro.

— O grande medo neste momento no Brasil é de faltar energia, e a nuclear tem várias vantagens. Uma delas é que, desta forma, diversifica-se a matriz energética.

Outra vantagem é que ela não tem sazonalidade.

A energia hidrelétrica tem um sazonalidade terrível. A terceira é que pode ser instalada perto dos centros consumidores; a única exigência é que haja água para refrigerar a usina.

As hidrelétricas da Amazônia, por exemplo, têm que ser feitas, mas terão uma grande perda de energia na transmissão para os centros de consumo — afirma Rezende.

Assim, diz que a nossa matriz atual é tão sujeita à sazonalidade que a composição com energia nuclear é ideal, porque, na nuclear, segundo ele, há apenas paradas técnicas para manutenção ou para troca de pastilhas no núcleo do reator.

— São pastilhas que duram seis meses, e são três em cada reator. Desta forma, pode-se parar por apenas algumas horas, trocar uma das pastilhas, e logo depois ela está pronta para voltar a funcionar — explica.

Outra das vantagens da energia nuclear, na opinião do ministro da Ciência e Tecnologia, é que o Brasil tem matéria-prima abundante: — Nossas reservas de urânio conhecidas são suficientes para alimentar Angras 1, 2 e 3 por 500 anos.

A grande questão levantada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é que a humanidade ainda não sabe o que fazer com os rejeitos. A pastilha usada é tirada da usina, mas continua irradiando por milhares de anos. Hoje, elas são colocadas numa piscina, porém, quando a piscina não comportar mais, terão que ser postas em tanques blindados e enterrados no que o ministro chama de “depósito semidefinitivo”.

Mas onde enterrar ? — Uma das idéias é fazer uma licitação para saber que município brasileiro aceita que o lixo seja enterrado em seu território por 300 anos e, neste período, o município receberá uma receita para tanto.

Não vai faltar município. É assim em outros países.

Sergio Rezende está convencido de que o controle da tecnologia também não será um obstáculo: — Hoje controlamos grande parte da tecnologia de construção da usina, menos a do núcleo do reator, e apenas uma parte do ciclo de enriquecimento do urânio tem que ser feita fora do país. Num programa maior, não tenho dúvida que desenvolveremos tecnologia para controle de todo o processo.

E os riscos de vazamento? O ministro também acredita que não é problema.

Lembra que houve dois casos de vazamento: Chernobyl e Three Mile Island. O primeiro foi catastrófico, mas era uma usina de tecnologia ultrapassada, um reator de primeira geração; e o segundo não teve vítimas.

A energia nuclear sempre será polêmica por vários motivos e aqui estão os argumentos de um apaixonado defensor da opção nuclear.

O ministro me ligou porque, segundo ele, queria responder a alguns argumentos publicados aqui contra a energia nuclear.

O especialista em energia, David Zylbersztajn, envioume um e-mail argumentando que as restrições ao projeto de Angra 3 fazem sentido. O primeiro ponto dele é como alguns projetos viram, de repente, a salvação da vez. Agora, Angra; antes, Madeira. Mas o que particularmente preocupa Zylbersztajn é o custo da usina.

— No final dos anos 80, fiz uma análise de custos de Angra 1, publicada na revista da SBPC, e demonstrei que havia enormes “equívocos” de contabilidade que levavam o preço da energia da usina à estratosfera.

É típico na história do setor elétrico brasileiro a subavaliação dos orçamentos iniciais e a farra de aditivos contratuais ao longo da obra — lembra.

No caso de Angra 3, Zylbersztajn diz que há muitas dúvidas sobre o valor de R$ 7,5 bilhões para o resto da obra, que já consumiu R$ 2,5 bilhões.

— Alguém auditou os números apresentados? Qual o custo de oportunidade desses R$ 10 bilhões? Quanto de pesquisa com fontes renováveis poderia ser feito com tanto dinheiro? Segundo ele, a usina será subsidiada, já que dificilmente se conseguirá uma tarifa que cubra os custos.

— E subsídio por subsídio, por que não para eólica, solar ou biomassa? O ministro Sergio Rezende garante que não haverá subsídio: — Hoje não há subsídio em Angras 1 e 2, e a Eletronuclear dá lucro. A Eletrobrás é que fará a usina, porque isso é monopólio estatal. Ela tomará empréstimo no BNDES, a tarifa terá que ser realista, e terá que cobrir os custos do financiamento.

Os dados mostram que é uma energia mais barata que diesel e car vão.

O ministro diz que um ambientalista tem que ver o lado bom da energia nuclear neste momento: — Ela não emite nada de CO2.

Essa energia está condenada à controvérsia apaixonada.

Mas uma coisa é certa: o governo precisa explicar melhor como será este “programa nuclear para valer” de que fala o ministro da Ciência e Tecnologia.

Merval Pereira PSOL, ontem e hoje

A marcha que promoveu conclamando “Fora, Renan” faz parte dessa postura diferenciada do partido. Sua presidente nacional, a ex-senadora Heloisa Helena, ficou conhecida pela maneira agressiva com que expressava sua indignação diante dos desmandos na política nacional, e em especial mostrou-se uma crítica ácida do governo Lula.

Na quinta-feira, quando protocolou a ação contra Joaquim Roriz, Heloisa Helena voltou aos velhos tempos, soltando uma frase de efeito bombástico: “Quero destruir os bezerros de ouro da política nacional”, numa alegoria bíblica muito ao gosto do partido, cujos integrantes estão muito próximos da história das comunidades eclesiais de base, que deram origem ao PT.

Heloisa Helena esteve a ponto de se transformar no fato novo da eleição presidencial, mas acabou em terceiro lugar, longe do segundo turno: obteve 6.575.393 votos nas eleições para presidente da República no ano passado, ou 6,85% do total válido, ficando atrás da soma dos brancos e nulos (que totalizaram 8,823,412 votos, ou 8,41% dos votos).

Para o PSOL, moralidade pública, ética na política e transparência “deveriam ser posturas básicas, elementares, precondição para a disputa de projetos. No Brasil de hoje, virou rara virtude”, analisa o deputado federal e historiador Chico Alencar, líder do partido na Câmara.

Seus próprios integrantes brincam com a sigla, a qual chamam de “pequeno notável”, ou “fraco abusado”.

Mas falam também em “PSOL nascente”, num trocadilho que exprime o orgulho de fazer parte de um partido que tem tanta fé na sua mensagem que defendeu a adoção da lista fechada nas votações proporcionais, certo de que a legenda pode representar uma parte do eleitorado que estaria cansada dos partidos tradicionais, aí incluído o próprio PT.

Eles sabem que surgiram, como define o Alencar, “em época e circunstâncias bem diferentes das do finado PT.

Ali, no alvorecer dos anos 80, havia uma energia democratizante que se expressava em sindicatos autênticos, distintos do peleguismo de Joaquinzão, movimentos de moradores, contra a carestia, luta organizada por terra e teto, comunidades eclesiais de base, afirmação de expressões étnicas e de gênero, uma ruidosa reconquista de espaços públicos”.

Ele lamenta que o PT, que tem “esse berço virtuoso e se constituiu para renovar as práticas políticas, sentindo que o ‘ônibus MDB’ já não ia na direção da ampla avenida do protagonismo popular”, tenha sido “domesticado pelo poder”. Ao negar sua trajetória, diz Alencar, o PT “perde o horizonte utópico e troca idéias e causas por um pragmatismo que faz Maluf, Jader, Renan e que tais, antigos inimigos viscerais, transitarem à vontade no Planalto”.

O PSOL se considera o “abrigo da esquerda que não se nega”. Ao contrário, diz Alencar, “temos certeza de que é fundamental a existência do ainda pequenino PSOL na sociedade brasileira”. Mas os do PSOL, embora não queiram ser “cavaleiros andantes solitários da ética elementar”, não temem o isolamento parlamentar, “quando nem outros partidos com viés supostamente progressista, como o PV e o PPS, assumem por inteiro essas batalhas contra o corporativismo que amesquinha a representação”.

Ele critica o PSB e o PDT, componentes do chamado “Bloco de Esquerda”, que “se desvencilharam do poderoso PT, mas não das amarras do poder, do qual usufruem no governo de coalizão, e ficam inibidos para questionar procedimentos espúrios de aliados”.

O PSOL enfrenta “enormes debilidades organizativas”, com 20 mil filiados em todo o Brasil. No primeiro congresso, realizado recentemente, compareceram 740 delegados “combinando impressionante energia juvenil e a persistência de velhos dirigentes populares”, na descrição otimista de Chico Alencar. Para se ter uma idéia da desproporção de forças no momento, o PT tem cerca de 800 mil filiados com direito a voto.

A estratégia do PSOL é “o equilíbrio entre a inserção social, nas lutas populares, e a presença institucional, nas instâncias formais da nossa limitada democracia.

Um pé na praça, outro no palácio, para questionar suas liturgias corrompidas, para criar ferramentas que possibilitem às maiorias sociais se expressarem como maiorias políticas”.

Chico Alencar garante que o PSOL quer ser “alternativa real de governo — quiçá de poder — algum dia, mas a longa marcha começa com os primeiros passos: vamos com tudo, com campanhas radicalmente diferentes das que já enjoam o eleitorado, em alguns municípios ano que vem, ali onde temos militância, vida real e quadros qualificados para disputar prefeituras e cadeiras na edilidade”.

Repetindo a estratégia do PT, o PSOL pode até mesmo se transformar com o tempo em uma alternativa política ascendente. Mas o PT, embora ainda não tenha tido a coragem de retirar de seu programa a defesa do socialismo, como fez, por exemplo, o Partido Trabalhista inglês há dez anos, já não se bate pela sua implantação.

E só chegou ao poder quando se uniu aos conservadores, coisa que no momento é inimaginável para o PSOL.

 Os dois processos instaurados no Conselho de Ética do Senado, contra o presidente Renan Calheiros e o senador Joaquim Roriz, têm uma origem única: representações do PSOL, nascido da dissidência petista, expulsa do partido em 2003 depois de tentar fazer com que o governo Lula seguisse o programa partidário, em grande parte revogado na prática do poder.

O Partido Socialismo e Liberdade tem apenas três deputados (Chico Alencar, do Rio; Luciana Genro, do Rio Grande do Sul; e Ivan Valente, de São Paulo), e um senador sem votos (José Nery, do Pará, que assumiu o lugar da senadora Ana Júlia Carepa, do PT, eleita governadora). Mas faz um barulho danado, repetindo a tática do PT original, querendo marcar sempre sua posição. Como se dissesse: “Eu sou você ontem”.

FERNANDO GABEIRA

Manual dos sobreviventes
O CONGRESSO brasileiro é um dos mais caros do mundo. É presidido por um homem que não quer largar o osso, perdidas todas as condições políticas de representá-lo.
Como explicar tudo isso? Calheiros começou abordando seu drama com categorias psicológicas. Um processo esquizofrênico. Passou em seguida para as categorias políticas: uma perseguição fascista.
Isso indica pelo menos que têm conhecimentos de psicologia e de política, embora os tenha manipulado. Por que resiste em deixar o cargo, depois de passada a hora?
Há muitos pontos que explicam essa resistência. Quem vive aqui sabe que as pessoas voltadas para o poder pessoal têm uma visão particular dele. Não consideram que o poder seja resultado do respeito e admiração de seu povo. Acham o contrário: uma vez tendo poder, admiração e respeito acabam se agregando como conseqüência.
Atribui-se a Henry Kissinger a frase: o poder é afrodisíaco. Tenho uma visão oposta: o poder é muito mais próximo de Tanatos do que de Eros. No entanto, ele engana.
Vi deputados reclamarem de solidão no cotidiano. Guindados à posição de ministro, sentiram-se subitamente interessantes. Não é nada pessoal; os cargos atraem elogios, afinidades, voltadas para o que simbolizam e o que podem dar de volta.
A resistência de Renan, execrado pela mídia, condenado pela opinião pública, contém uma dose de sabedoria. É expectativa de que as coisas se acalmem, novos temas subam às manchetes. Todos sabem que a mídia depende das notícias; não é, profissionalmente, uma cruzada moral. Novas notícias, novas manchetes.
Para isso existem intelectuais, embora também espécie em extinção. O único combate conseqüente contra o poder é a memória.
O que importa um julgamento futuro se as pessoas aceitam ser execradas no presente? O critério é o número de votos, a possibilidade de se manter no topo.
A verdade é esta: o Brasil é refém de uma categoria de políticos que está de costas para os anseios da opinião pública. Seu argumento é o de que a classe média é moralista.
Os pobres sim, esses o conhecem e vão consagrá-los nas urnas. Roriz encarna essa política. Alguns motoristas disseram claramente que votarão sempre nele: legalizou nosso terreno.
A magnitude da mudança não depende só da opinião pública. Será preciso uma ampla frente com os mais pobres, atraindo-os para uma nova concepção. É importante que vejam como direitos o que lhes é mostrado hoje como favor.

RUY CASTRO

As orelhas ardem RIO DE JANEIRO - Ao ligar a TV no hotel em Roma, caí num programa de auditório. E quem estava no vídeo, todo lampeiro entre peruas com cílios pesados de rímel e jubas engessadas com laquê? O nosso Adriano, centroavante que, pouco antes, cavalgava pelas planícies do Maracanã com a camisa do Flamengo e nem sonhava com a seleção brasileira. Nada mal para um garoto de 20 anos, mal saído da Vila Cruzeiro, na Penha, e vendido às pressas para um clube da Itália. Achei graça.
Isso foi em 2002. Hoje entendo melhor o que acontece a esses garotos, quase todos oriundos da pobreza, que se vêem de repente na Europa, cercados por 2.000 anos de luxo e de história, e já fazendo parte desse luxo e dessa história.
Não importa a cidade -Milão, Barcelona, Baden-Baden, qualquer uma-, eles logo ganham status de heróis. Jogam em times milionários e entrosados, nos quais atuam em suas verdadeiras posições e rendem o que sabem. Tornam-se artilheiros, conquistam títulos históricos e justificam os milhões de euros que recebem. Tudo que fazem é notícia. As TVs os adoram, as mulheres caem aos seus pés e não é por acaso que quase nenhum deles é casado. É a glória.
E então, no melhor da festa, a seleção brasileira os convoca para torneios pífios, como a Copa América, ou amistosos contra o Uzbequistão.
E é sempre a mesma coisa. Os jogadores só se reúnem ao entrar em campo. São escalados fora de suas posições e jogam mal. O time não se entende e, se vencer, eles não fizeram mais que sua obrigação. Se perder ou empatar, o que hoje é comum, suas orelhas ardem ao som dos resmungos de milhões. Fora o risco de se machucar e ficar de fora do que realmente lhes importa: seus times europeus. A seleção, para eles, não quer dizer mais nada. É apenas um estorvo amarelo.

FERNANDO RODRIGUES

Anomalias no Senado

BRASÍLIA - A escolha de Leomar Quintanilha (PMDB-TO) para presidente do Conselho de Ética eleva ao paroxismo a capacidade de o Senado se autoflagelar.
O tocantinense responsável pela ética da Casa é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). É acusado de "suposta prática de crimes de quadrilha ou bando, peculato [desvio de verbas] e fraude a licitação". Também responde por "crime contra a ordem tributária".
Quintanilha comentou o assunto: "Jamais fui oficialmente notificado, razão pela qual não tenho elementos para me pronunciar".
Quintanilha faz parte de uma anomalia irreversível no Senado da República. Goiás passou a ter nove senadores depois da Constituição de 1988: os três originais, as três cadeiras extras para o novo Estado de Tocantins e ainda mais três para Brasília, o Distrito Federal.
No caso brasiliense, o histórico é desabonador. Um senador, Luiz Estevão, já foi cassado (o primeiro da história a perder o mandato dessa forma). José Roberto Arruda renunciou para não ser cassado. Acabou eleito governador de Brasília. Um terceiro, Joaquim Roriz, está enredado num escândalo envolvendo compra e venda de gado. Tocantins agora oferece ao Brasil o heterodoxo Leomar Quintanilha -um político com passagens pela Arena, PC do B e PMDB.
O PMDB, sigla atual de Quintanilha, é para ele talvez o porto mais seguro. Segundo levantamento do site especializado Congresso em Foco, a bancada de 20 peemedebistas no Senado é a campeã em número de processados criminalmente. Só três jamais foram indiciados pelos tribunais superiores: Pedro Simon (RS), Paulo Duque (RJ) e Geraldo Mesquita (AC).
Esses três nunca são cotados para relatar o Renangate ou para presidir o Conselho de Ética. Compreensível. Seria uma anomalia incompatível com o atual Senado.


frodriguesbsb@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

A guerra e o "só"

LISBOA - Vou zapeando distraído na TV até cair na Al Jazeera (em inglês). Mostra cenas de destruição. Penso: outra vez o Oriente Médio em chamas.
Depois, presto atenção e descubro que a TV árabe está mostrando o Rio de Janeiro que o repórter Luiz Fernando Vianna descreveu assim nesta Folha ontem:
"Marcas de tiros nas paredes, casas e automóveis destruídos, centenas de cápsulas de balas espalhadas e muito sangue. Moradores da favela da Grota, onde se concentrou a operação policial no complexo do Alemão, fotografaram ontem os estragos da véspera".
Não parece uma descrição do Iraque, do Líbano, do confronto entre palestinos em Gaza?
O jornal português "Público" reforça e dramatiza a comparação, em texto de Nuno Amaral, do Rio de Janeiro. Subtítulo: "Entre 2002 e 2006, foram assassinados no Oriente Médio 729 menores. No mesmo período, foram assassinados no Rio de Janeiro 1.857 jovens.
É a guerra".
A comparação se baseia, explica o jornalista, em estudo da Universidade Harvard.
É, de fato, "a guerra". Não adianta o presidente Lula reclamar que os jornais só publicam notícias ruins ou dizer que brasileiro gosta de falar mal do Brasil.
Os fatos é que falam mal do país.
Seria mais proveitoso que, em vez de resmungar, Lula jogasse o governo na guerra da segurança pública -e não apenas no Rio. Mas é pedir demais. No Brasil, guerra só se dá nas ruas. Nos gabinetes reina sempre o deixa-como-está-para-ver-como-fica.
A frase com que o cândido e bom senador Eduardo Suplicy encerrou seu artigo de ontem nesta Folha é, a propósito, todo um compêndio sobre a inação tropical: "No Brasil, já demos um grande passo nessa direção ao aprovar a lei que institui a renda básica de cidadania. Só falta implementá-la". Só.


crossi@uol.com.br

Santa inocência


Com caciques do PMDB envoltos em suspeitas, é posta à prova opção de Lula por aliança capaz de propiciar estabilidade

O PMDB não é o único partido a congregar em suas fileiras aquele gênero de políticos a respeito dos quais, hoje, é aplicado o mantra de que "são inocentes até prova em contrário".
Haveria, sem dúvida, formas bem menos eufemísticas de qualificar um estilo de atuação público-privada para a qual, do PT ao PL e do DEM ao PSDB, representantes de todas as correntes ideológicas têm demonstrado estarrecedora criatividade e irreprimível vocação.
Deve-se todavia convir que, dentre os partidos brasileiros, é o PMDB que concentra, nos últimos dias, os casos em que a "presunção de inocência" precisou ser invocada de maneira mais extremada e contundente.
Inocente, até prova em contrário, seria o senador Joaquim Roriz, do PMDB do Distrito Federal; inocente, até prova em contrário, seria o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas.
Do primeiro, noticia-se que, para obter um suposto empréstimo de R$ 300 mil com um empresário amigo seu, recebeu um cheque no valor de R$ 2,2 milhões; Roriz afirma ter devolvido, em espécie, o excedente ao seu amigo.
Do presidente do Senado, ouvem-se explicações detalhadas a respeito de suas atividades na pecuária, que lhe teriam garantido os recursos para custear a educação de uma criança nascida de relação extraconjugal. Nesse delicado "affaire", Calheiros contou com a intermediação do lobista de uma empreiteira.
Ambos dizem-se inocentes, indignam-se como inocentes, explicam-se como inocentes, enredam-se como inocentes, resistem às investigações como inocentes, juram inocência como inocentes e haverão de continuar inocentes, até prova em contrário.
O que independe de "prova em contrário", todavia, é o grau de desmoralização política que resulta de toda a tragicomédia. Não se trata apenas do Senado como instituição, vacilando em meio ao esconde-esconde dos relatores e presidentes de seu Conselho de Ética.
O presidente Lula, que no primeiro mandato conheceu o escândalo do mensalão, se vê agora repetindo um mesmo discurso de apoio constrangido aos novos aliados do PMDB. Conhecera a inocência -até prova em contrário- de uma base de sustentação composta de partidos nanicos, sem ideologia definida, sem nenhum ponto em comum além da sede pelos cargos no Executivo.
No segundo mandato, Lula apostou numa base parlamentar mais "sólida", que contasse com um partido que, ao menos do ponto de vista quantitativo, não poderia ser chamado de nanico. Depois de um documento recheado de pontos "programáticos", o PMDB formalizou seu apoio ao presidente.
Seria em tese opção política mais consistente do que a experimentada no primeiro mandato. Os resultados, entretanto, não diferem, nem poderiam diferir. Afinal, peemedebistas, petebistas, liberais e "tutti quanti" competem, em pé de igualdade, na mesma santa inocência.

Celso Ming,É a lei do etanol

celso.ming@grupoestado.com.br

Na semana passada, o Senado dos Estados Unidos sancionou a nova Lei do Etanol (Energy Bill), que terá enorme impacto sobre o mercado mundial de bioenergia.

Ficou definido que os Estados Unidos tratarão de garantir em 2022 a oferta de 36 bilhões de galões (136,1 bilhões de litros) anuais de etanol (álcool) para contribuir na substituição de derivados de petróleo no transporte.

Em 2006, a produção mundial de etanol ultrapassou 13 bilhões de galões (50 bilhões de litros). Brasil e Estados Unidos produzem cerca de 4,5 bilhões de galões (17 bilhões de litros) por ano cada. Prover os 36 bilhões de galões em 2022 implica ampliar em oito vezes a oferta de 2006. A pergunta seguinte é saber de onde aparecerá tanto etanol.

Hoje quase todo o etanol produzido nos Estados Unidos provém do milho, cultura que, em 2005, recebeu US$ 9,4 bilhões em subsídios. A produção anual alcança 10,5 bilhões de bushels (266,7 milhões de toneladas). Se toda a produção de milho fosse canalizada para a produção de etanol, à proporção de 2,7 galões de etanol por bushel, os americanos conseguiriam produzir apenas 28,4 bilhões de galões de etanol. Ou seja, aos números de hoje, faltariam 7,6 bilhões de galões.

É provável que consigam aumentar a área plantada e também a produtividade do milho. Mas será indispensável que a maior parte da produção continue destinada à alimentação humana, à produção de rações e ao processamento industrial.

Para não trocar uma dependência por outra, os americanos imaginam que poderão produzir etanol a partir da celulose, cuja matéria-prima podem ser restos de madeira, palha de cereais e um capim nativo, o switch grass, que comparece aos discursos do presidente Bush sobre o assunto.

O problema é que ninguém sabe a partir de quando se poderá contar com a produção de etanol de celulose. As pesquisas estão sendo desenvolvidas tanto nos Estados Unidos como no Brasil, mas não prometem resultados antes de 5 a 7 anos.

Mesmo que essa tecnologia seja comercialmente aproveitável, será preciso garantir áreas agricultáveis. Artigo publicado no dia 27, na revista americana Slate, cita cálculos de John Deutch, ex-diretor da CIA e hoje professor de Química no Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Boston, segundo os quais a produção de 22 bilhões de galões de etanol por ano a partir do switch grass exigiria área de 25 milhões de acres (100 mil km2), igual à superfície do Estado de Kentucky ou a 5% da área agricultável dos Estados Unidos.

A conclusão é a de que está aberto um enorme mercado para o etanol. Os Estados Unidos têm uma política protecionista para o produto. Cobram uma tarifa adicional de US$ 0,54 por galão de etanol importado do Brasil, o que acaba de ser prorrogado até 2010. Mas a virtual impossibilidade de garantir o suprimento total de 36 bilhões de galões anuais com produção própria torna inevitável a abertura às importações. E este é mais um enorme atrativo para o setor no Brasil.

Dora Kramer, Armação ilimitada

dora.kramer@grupoestado.com.br

Se as maçãs não contaminadas da caixa podre da qual, do centro da Praça dos Três Poderes, exala o odor a que se referiu o senador Jarbas Vasconcelos não compreenderem o sentido do prudente alerta feito por ele, se as consciências ainda sãs não reagirem de alguma maneira à armação ilimitada dos engenheiros do abafa, o Senado deixará de ser conhecido como um colégio de tolerantes senhores para receber na testa o carimbo indelével de casa de tolerância repleta de senhores sem compostura.

Não se pode exigir do brasileiro orgulho para com o seu país se o Legislativo é legislador de causas próprias, o Executivo é executor de salvaguardas para indecências e o Judiciário é percebido como julgador sem eficiência.

O novo presidente do Conselho de Ética, senador Leomar Quintanilha - alvo de investigação no próprio Supremo por corrupção, por denúncia do Ministério Público -, alega a necessidade de fazer “consultas jurídicas” ao departamento competente do Senado antes de dar prosseguimento ao processo paralisado desde que a tropa do presidente resolveu adotar a procrastinação como arma de defesa.

Por “consultas jurídicas”, entenda-se a arquitetura de algum parecer para sustentar o envio da representação do PSOL por quebra de decoro parlamentar ao Supremo Tribunal Federal ou a apresentação de algum óbice técnico - como a ausência de manifestação de admissibilidade da abertura do processo por parte da Mesa Diretora -, nesta altura já superado pela dinâmica dos fatos.

A Polícia Federal, segundo avaliação de um ministro do Supremo, não poderia mesmo ter feito a perícia nos documentos apresentados pelo senador, pois é polícia judiciária e não há processo criminal em curso.

Isso pode ser usado agora para retirar o trabalho já iniciado do processo e tirar a PF de cena. Mas o ato não anula os efeitos produzidos pelos indícios já encontrados nem impede que, rapidamente, seja contratada uma perícia de fora. No caso do senador Luiz Estevão, cassado, foi feito assim.

O problema é que tanto a admissibilidade para abertura do processo por quebra de decoro como a contratação da perícia dependem de autorização da Mesa presidida pelo acusado.

Sobre o recurso ao STF, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, já deu opinião: “A falta de decoro é questão interna e deve ser resolvida única e exclusivamente no Parlamento.”

Mas o Parlamento não tomou ainda a decisão firme de resolver. Segue a reboque do presidente do Senado por receio dos desdobramentos políticos (o destino da aliança PT-PMDB, por exemplo) e espírito de corpo.

Muitos acreditam que, parados, obedecendo ao padrão Lula de enfrentamento de crises - resistir e esperar o tempo passar -, estão se prevenindo contra a atuação da “imprensa opressiva” e dando combate ao “denuncismo”, enquanto estão apenas ignorando a essência das denúncias e recebendo, por isso, a condenação pública.

Associam-se ao auto-engano do presidente do Senado e do senador Joaquim Roriz. Ambos invocaram nos últimos dias o exemplo do presidente Lula, reconduzido ao posto com todas as honras por parte do eleitorado depois de enfrentar escândalos em série e dar repetidas demonstrações de inépcia administrativa.

Abstraindo-se todas as circunstâncias já examinadas sobre as razões do personalíssimo sucesso de Lula, diferença crucial se impõe entre as situações: o presidente da República não foi flagrado em conversas telefônicas combinando partilhas de dinheiro, não foi pego em fraudes documentais nem foi alvo de processos de investigações.

Se esteve no centro de episódios que até justificariam ações investigatórias, trata-se de uma outra história que, por obra de um consenso nacional, ficará a cargo do julgamento da História.

Renan e Roriz tentam fazer de seus problemas uma questão institucional. O presidente do Senado convoca o Legislativo a reagir e, examinando as coisas pela ótica de sua personalidade, até compreende-se a manobra. Incompreensível, porém, é o Senado aceitar a participação nas chicanas, absorvendo como natural a adoção do rito conforme as regras impostas pelo acusado.

Não obstante a reação contrária de alguns poucos senadores - vale nominar Jefferson Peres (por sinal ausente da sessão de eleição de Leomar Quintanilha), Demóstenes Torres, Jarbas Vasconcelos, Renato Casagrande e Pedro Simon (sumido, aliás) -, as urdiduras prosperam sem contestação eficaz.

Da tribuna, Joaquim Roriz clamou em protesto: “A que ponto chegamos!”

Ao ponto de exaustão é a única resposta possível. A ponto de o senador Demóstenes Torres, ao comentar a acusação que pesa sobre o novo presidente do Conselho de Ética, render-se ante a mais cruel das evidências: “É absurdamente incompatível, mas não dá para tirá-lo, vai atrasar tudo ainda mais. Se ele ficar, estamos no lucro.”

Quando o prejuízo é lucro na comparação entre malfeitorias, é sinal de que chegou-se ao fundo do fosso. Ou da fossa.

VEJA Carta ao leitor


Não deixe a vida te levar


Montagem sobre foto Hulton Archive/Getty Images
Montaigne: auto-estima a serviço do bem comum


Três reportagens desta edição de VEJA tratam de assuntos aparentemente distintos. Uma delas é tecida em torno do conceito da auto-estima e investiga desde seu valor filosófico, poético e histórico até desembocar em suas potencialidades como instrumento de aprimoramento pessoal da vida social, acadêmica e profissional. Outra é uma cuidadosa reconstrução da história da empregada doméstica agredida por delinqüentes juvenis de classe média do Rio de Janeiro. A terceira reportagem mostra como o governo está arrancando das garras do crime organizado o Complexo do Alemão, favela que virou cidadela do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

As três reportagens embutem uma lição em comum: a de que o verdadeiro sucesso está em não se deixar conduzir pelas pressões sociais. Está em garantir que no decorrer da vida as escolhas fundamentais sejam sempre individuais. Alguém pode nascer no Complexo do Alemão e escolher ser honesto. Pode nascer no bairro carioca de classe média chamado Barra da Tijuca e escolher ser um espancador de mulheres. Uma pessoa pode nascer e ser criada em condições domésticas adversas ao desenvolvimento do amor-próprio e da autoconfiança e, ainda assim, encontrar recursos psicológicos suficientes para fazer escolhas que permitam mudar sua vida para melhor.

Os tempos que correm são propícios à imputação de culpas coletivas, de crença em destinos definidos por raça ou classe social. Essas grandiosas noções esquemáticas são imperfeitas porque minimizam o poder de decisão individual das pessoas. Desprezam os méritos das mães do Complexo do Alemão que optaram por criar seus filhos para uma existência honesta. Minimizam o papel deletério da ação ou inação dos pais na produção dos jovens bandidos espancadores de classe média da Barra da Tijuca. O francês Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo cujos ensinamentos embasam parte da reportagem especial sobre auto-estima, ensinava que as experiências negativas de vida inculcam nas pessoas predisposições violentas e até monstruosas. Cabe a cada um refreá-las, menos pelos seus efeitos sobre os outros do que sobre si mesmo. Disse Montaigne: "O que eu sou para mim mesmo importa mais do que eu significo para os outros".

VEJA Entrevista: Jiang Shixue

O Brasil visto da China

O professor chinês, especialista em economias
latino-americanas, aconselha os brasileiros a
parar de reclamar e competir


Juliana Vale

Divulgação

"A economia chinesa tem
participação pequena no
PIB mundial. Não dá para
culpar a China por tudo"

O professor Jiang Shixue, 50 anos, atua em uma área nada comum na China: é especialista em América Latina, tendo dedicado as últimas três décadas ao estudo da economia dos países da região. Conhecedor, portanto, dos processos de desenvolvimento dos dois lados do mundo, considera que o Brasil poderia ser o país do presente, como a China, se reduzisse o desnível entre ricos e pobres, investisse mais em educação e criasse um modelo de crescimento próprio, como a China o fez. Orgulhoso das conquistas chinesas nos últimos anos, Jiang diz que Mao Tsé-tung ainda é seu maior herói. Diretor da Academia Chinesa de Ciências Sociais, autor de vários livros sobre a América Latina e tradutor do brasilianista Thomas Skidmore, Jiang viaja bastante, tendo assim acumulado um patrimônio expressivo para os padrões locais. Casado, uma filha (ela estuda finanças internacionais), Jiang, em bom inglês, deu esta entrevista em seu escritório em Pequim.

Veja – O que é que a China tem e o Brasil não tem?
Jiang – A China está crescendo mais rápido simplesmente porque escolheu um modelo de desenvolvimento que é compatível com as condições nacionais chinesas. Cada país deveria adotar um padrão que se adapte ao seu contexto específico. Desde que começou a fazer reformas econômicas, em 1978, com Deng Xiaoping, a China vem abrindo as portas, mas manteve a liderança do Partido Comunista. É o que nós chamamos "economia de mercado socialista", um estado de coisas muito diferente do brasileiro. O Brasil também não tem um mercado tão grande quanto o nosso, de 1,3 bilhão de pessoas. Os chineses também são muito inteligentes, trabalham duro...

Veja – O senhor quer dizer que os brasileiros não são inteligentes e não trabalham duro?
Jiang – Não, não... Eu não estou dizendo que os cidadãos de outros países são preguiçosos. Só afirmo que os chineses são conhecidos mundo afora pela força de trabalho. Somos formados pelo confucionismo, por idéias morais rigorosas. Somos muito esforçados, prestamos muita atenção na educação, economizamos muito dinheiro. Isso, aliás, é uma diferença enorme em comparação com o Brasil. O seu país encoraja as pessoas a consumir. Os brasileiros querem comer fora, sair, ir a festas, comprar. Na China é diferente. As pessoas também consomem, mas, de modo geral, tendemos a economizar para os dias difíceis.

Veja – Na fase em que a China ainda estudava outras experiências mundiais para crescer, o "caso Brasil" foi considerado mas não foi seguido. Por quê?
Jiang – As políticas econômicas do Brasil, em geral, não são compatíveis com as condições do país, como as pesadas barreiras fiscais e as altas taxas de juro. Essas medidas impedem o aumento de investimentos no país. Falta certa estabilidade política também. Não é que vocês tenham uma ocupação militar ou uma guerra civil. Mas existe uma instabilidade entre o governo federal e os estaduais. Até onde eu sei, há certa rivalidade, competição por benefícios econômicos. E, acima de tudo, há os problemas sociais do Brasil, que são muito sérios. A distribuição de renda é terrível. Isso pode provocar problemas para a economia. A criminalidade sobe, aumenta a corrupção, criam-se obstáculos sociais.

Veja – A busca de uma "sociedade harmônica" de que tanto se fala aqui é uma tentativa de impedir que os problemas sociais se agravem?
Jiang – "Sociedade harmônica" é o atual slogan político do país. É uma noção de longo prazo, lançada pelo Partido Comunista e pelo governo, que se baseia na visão de mundo dos antigos filósofos chineses, segundo a qual todos devem viver em relações harmoniosas e ter padrões de vida parecidos. Desde o início das reformas, o desenvolvimento social da China tem sido mais lento que o econômico. As diferenças são cada vez maiores. Há quem fique rico da noite para o dia, enquanto cerca de 30 milhões de chineses continuam pobres. Não acho que alguém aqui na China está prevendo que esse modelo de sociedade harmônica vá ser realidade em um prazo menor do que dez anos. Na minha opinião, isso é bom. Dessa maneira conseguiremos fazer girar as duas rodas da carroça, a economia e a sociedade, na mesma velocidade.

Veja – Seu patrimônio pessoal cresceu nos últimos tempos?
Jiang – O meu e o de todos os meus colegas. Está vendo os carros particulares estacionados ali embaixo? Se você viesse aqui três, cinco anos atrás, eles não estariam lá. Hoje, falta espaço para estacionamento. Muitos colegas estão comprando carros e casas. Há dois anos, comprei uma casa nova, maior, e deixei a antiga para minha filha. Muita gente mantém dois domicílios, um menor e outro maior, fora do centro. Aliás, os preços dos imóveis na China estão inflacionados. É um dos sinais do aumento da riqueza das pessoas. Também estamos começando a ter problemas de obesidade devido ao excesso de comida. Já compramos mais roupas e mais carros importados. Especialmente carros.

Veja – Em trinta anos, a China conseguiu baixar o analfabetismo de 60% para 4%, criar um sistema educacional eficiente, posicionar duas universidades entre as melhores do mundo e ter mais de 1,2 milhão de pesquisadores com doutorado. Esse modelo é imitável?
Jiang – Investindo, sim. Em plena era da globalização, do conhecimento e da inovação científica, o nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil ainda é muito baixo. Certamente, mais baixo que o da China. Um país em via de desenvolvimento não pode se permitir isso. Precisa promover os talentos nacionais. Na China, incentivamos os estudantes que vão para o Ocidente a voltar e trabalhar aqui. Com a educação que receberam lá fora, eles contribuem muito para o desenvolvimento chinês.

Veja – Dizem que a vocação do Brasil é ser eternamente o país do futuro. O senhor concorda?
Jiang – O Brasil poderia ser o país do presente, como a China. Na minha opinião, só não é ainda devido aos problemas sociais. Há um potencial enorme de recursos naturais e, per capita, o Brasil é bem mais rico que a China. Economicamente, aliás, o Brasil vai bem. Quando se compara o desempenho brasileiro com o de outros países em desenvolvimento, a situação econômica é boa. O país tem crescido. Cresceria mais se não fosse tão dependente do capital externo. É uma dependência problemática, como já se viu em crises anteriores.

Veja – Os chineses são conhecidos pela visão de longo prazo, o oposto dos brasileiros. Qual o peso dessa diferença?
Jiang – No que se refere a relações comerciais, acho que negócio é negócio, e todos se entendem. Na hora de fecharem um acordo, os empresários brasileiros têm uma visão de longo prazo, sim. Mas, no campo das diferenças culturais entre os dois países, não me sinto muito à vontade para dar uma opinião. Fui ao Brasil duas vezes e nunca por mais de três dias. Para conhecer realmente um país que não é o seu, você precisa viver, trabalhar e conviver com as pessoas. Talvez até se casar com alguém do país.

Veja – De onde surgiu seu interesse pela América Latina?
Jiang – Não fui eu quem escolheu nada. Quando me formei, em 1980, dois anos depois de começarem as reformas econômicas na China, ainda era o governo que decidia onde e como cada recém-graduado ia trabalhar. Impuseram-me um emprego como acadêmico, voltado para a América Latina, e ponto. Para falar a verdade, nem sabia apontar o Caribe no mapa-múndi. Desde então, fui me aprofundando cada vez mais no assunto. Além do Brasil, já estive na Argentina, no México, em Cuba e no Chile, mas sempre em visitas curtas.

Veja – O Chile é citado como modelo de sucesso na região. Ele é aplicável ao Brasil?
Jiang – O modelo chileno é um sucesso tanto no aspecto econômico quanto no social. Seu modelo é aplicável, sim, a qualquer país vizinho, contanto que o governo esteja interessado em se empenhar. O Chile faz girar harmonicamente as duas rodas, ou seja, tem estabilidade econômica e constância política. Além disso, os chilenos vêm fazendo reformas desde o governo de Augusto Pinochet. Ou seja, estão arrumando a casa duas décadas antes que o Brasil. Os chilenos têm mais reservas, pois poupam mais. Assim, dependem menos do capital estrangeiro. Prova de que a situação do Chile é muito bem-vista por todos ocorreu há alguns meses, durante uma conferência em Tóquio sobre modelos de desenvolvimento. Os asiáticos presentes compararam o Chile ao Sudeste Asiático, que vem crescendo rapidamente. Já as Filipinas, que têm mais problemas econômicos e sociais, foram comparadas com o resto da América Latina.

Veja – O embaixador da China no Brasil, um grande conhecedor do país, costuma dizer que os empresários brasileiros precisam parar de reclamar e de ter medo de competir com a China. O senhor concorda?
Jiang – De fato, onde há luz do sol, há um produto chinês. A China é realmente uma concorrência dura porque nosso custo de produção é muito baixo. Mas o mercado brasileiro não sofre pressão só da China. A competição vem da Coréia do Sul, dos Estados Unidos, do Japão e da Europa. Os brasileiros não deveriam perder tempo reclamando. Deveriam focar no seu potencial para competir melhor. Os empresários chineses sofrem esse mesmo tipo de pressão competitiva e reagem melhorando ainda mais.

Veja – A marca "made in China" é garantia de preço baixo, mas não de qualidade. Isso pode mudar?
Jiang – A China é membro da Organização Mundial do Comércio e cada vez mais setores estão sendo abertos ao exterior. Mas ainda não temos marcas internacionais conhecidas. Há esforços coletivos – do governo, dos empresários, do meio acadêmico – para mudar essa situação. Não temos marcas com fama internacional. A etiqueta "made in China" ainda é associada a baixa qualidade e pirataria, e por causa disso temos de vender 800 milhões de camisas para chegar a um valor equivalente ao de um único Airbus. Em Beverly Hills, Londres ou São Francisco, as grandes marcas vendem produtos que foram fabricados aqui. Porém ninguém compra as peças porque elas são chinesas, mas porque são de determinada marca. O governo reconhece o problema. Temos de melhorar a qualidade de fabricação e o acompanhamento de pós-venda dos produtos chineses. Vamos melhorar muito ainda a gestão das empresas, a capacitação pessoal e continuar trabalhando para melhorar nossa imagem externa. Internamente, vamos dar incentivos fiscais a empresários chineses que se dispuserem a competir fora do país.

Veja – Alguns setores vêem a China como um dos maiores motores da economia mundial. Se entrar em pane, todo mundo entrará junto. Há perigo?
Jiang – Não acredito que a China seja um dos maiores motores da economia do mundo. A China realmente está crescendo muito e rápido, mas, comparada a outros países, ainda é uma economia com participação de mercado pequena na divisão do PIB mundial. Não dá para culpar a China por tudo.

Veja – Nas suas viagens ao exterior para estudos e palestras o senhor notou alguma mudança na maneira como era tratado dez anos atrás e como é tratado agora?
Jiang – Sem dúvida. Há dez anos, ninguém prestava atenção na existência da China. Era um país a mais no globo. Hoje, todos querem saber o que está acontecendo aqui, como estamos vivendo, em que direção vamos, como pretendemos nos relacionar com o resto do mundo. De repente, passei a ser constantemente convidado para falar sobre a China e sua relação com a América Latina em conferências no exterior. Esse interesse pelo país é notável. Mas, quanto ao conhecimento individual, diria que ainda são poucos os que sabem o que é a China. Veja um exemplo ocorrido em fevereiro: a China financiou a construção de um estádio esportivo em Granada, no Caribe. Na cerimônia de inauguração, a banda, em vez de tocar o hino da República Popular da China, tocou o da província de Taiwan. Imagine o constrangimento. Estavam lá personalidades chinesas, o embaixador... Quando estava no Brasil, também perguntei a muitas pessoas o que sabiam sobre a China e só ouvia que era um país enorme.

Veja – Onde o senhor vê seu país daqui a dez anos?
Jiang – Tenho orgulho de dizer que vejo a China, no futuro, em condições muito boas. Em dez anos, a economia estará maior. Vamos melhorar nossa tecnologia, construir mais satélites. O país será mais competitivo e terá um melhor posicionamento internacional. Vamos estar mais próximos das nossas metas de sociedade harmônica. A qualidade de vida dos chineses vai subir.

Veja – Não é otimismo demais?
Jiang – Sou otimista mesmo. Todos somos, na China.

Veja – Se fosse dar algum conselho aos brasileiros com base na experiência chinesa, qual seria?
Jiang – Diria ao presidente Lula para prestar mais atenção nos assuntos sociais. Até gosto do programa Fome Zero, acho que está caminhando na direção correta. Mas ainda falta fazer muito mais em termos de saúde pública, educação, transporte e reforma agrária. É crucial resolver o problema dos sem-terra. E, para crescer, o Brasil precisa rever o sistema de impostos, que hoje é amigo dos ricos e inimigo dos pobres.

MILLÔR

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Cidadão, num
país em que não
há nem sombra
de cidadania, significa apenas cidade grande.

Lya Luft


Não vou pra Pasárgada

"Achei que em Pasárgada eu correria menos
risco de me tornar descrente. Eu, que detesto
o ceticismo, agora tenho medo de me contagiar"



Ilustração Atômica Studio


Eu já estava de malas prontas: ia pra Pasárgada (para quem não se recorda, é o reino feliz inventado por Manuel, o Bandeira; para quem não sabe, ele foi um poeta maravilhoso). Queria escapar deste reino das frases infelizes e atitudes grotescas, dos reis feios e nus, das explicações cabotinas, da falta de providências e de autoridade, da euforia apoteótica de um lado e da realidade tão diferente de outro.

Pasárgada podia ser um bom lugar, onde se acredita nas instituições e nos líderes, onde vale a pena ser honrado e os malfeitores vão direto para a cadeia, onde se tomam providências antes que tudo desabe. Lá, ao contrário daqui – em que a manada se divide entre os ingênuos, os que sabem das coisas mas se conformam e os aproveitadores –, autoridade serve para cuidar do bem do povo, decoro é simplesmente decência, seja em algum cargo, seja na vida cotidiana de qualquer um.

Na minha nova pátria eu tentaria não escrever mais sobre o que por estas bandas tem me angustiado ou ameaça transformar-se num tristíssimo tédio: sempre os mesmos assuntos? Mandaria só questionamentos sobre o que faz a vida valer a pena: as coisas humanas, como família, educação, transformações, relacionamentos e separação, responsabilidades e escolhas, alegria, vida e morte, incomunicabilidade e o mistério de tudo – até a dor (mas que seja uma dor decente).

Nem problema de transporte eu teria: para Pasárgada se viaja com o coração e o pensamento. Ainda bem, pois de avião seria loucura e risco. Desses meses todos me ficou inesquecível o trabalhador humilde cochilando numa cadeira de aeroporto que, entrevistado sobre toda a confusão, respondeu: "A casa já caiu, o brasileiro tem de se conformar". Ninguém faz nada? – perguntam-se as pessoas, no limite de sua capacidade de espanto. A impressão que estávamos tendo, nós, comuns mortais, era que resolver problemas e impor ordem importava bem menos do que distribuir ilusões como quem distribui pirulitos. É para rir ou para chorar? Ora rimos, ora choramos, esse é o novo jeito brasileiro de ser.

Cresce a economia, encolhe a respeitabilidade; pisca uma luzinha de esperança, mas a seriedade extraviou-se. Poucos andam à sua procura. Aumenta o isolamento dos homens e mulheres públicos respeitáveis, que mais parecem dinossauros sobreviventes de um tempo em que seria totalmente impensável o que hoje é pão nosso de cada dia. Eu ia embora porque enjoei dessa repetição obsessiva de fatos que provocam insônia no noticioso da noite e náusea no café-da-manhã. Ia partir sem endereço, sem telefone, sem e-mail. Levaria comigo pássaros, crianças e esta paisagem diante da minha janela (com nevoeiro, porque aí é de uma beleza pungente). Levaria família, amigos, livros, música e o homem amado. Ah, e as minhas velhas crenças de que não somos totalmente omissos ou sem caráter, portanto este país ainda teria jeito, embora neste momento eu não tenha muita fé nisso.

Achei que em Pasárgada eu correria menos risco de me tornar descrente: eu, que detesto o ceticismo e não vivo bem com os pessimistas, agora tenho medo de me contagiar. Podia me livrar da suspeita de que por trás de tudo isso existe algo muito sério, gravíssimo, que nós, rebanho alienado, desconhecemos. Quem sabe até terminasse o romance que venho escrevendo, num compasso de desânimo que nada tem a ver com literatura: nasce do meu amor por este país, ao qual dei meus filhos e meus netos para nele crescerem.

Mas então, entre lideranças que negavam qualquer problema, fazendo afirmações estapafúrdias e divertindo-se talvez com nossa agonia, soprou um vento de lucidez e autoridade – parece que as coisas se reorganizam. Botar a casa em ordem ao menos nos aeroportos não podia ter levado tanto tempo, pobres de nós, mas hoje não precisarei ter medo se um de meus filhos viajar de avião. Amanhã é um enigma (sabe se lá o que vai acontecer no breve intervalo entre escrever esta coluna e ela ser publicada).

E assim, na última hora, decidi ficar. Acho que me sentiria como quem deserta de um grupo com o qual tem laços muito fortes: meus leitores. Os que me acompanham, os que pensam diferente e até os indignados – às vezes por terem lido algo que nem estava ali. Todos são importantes para mim. Com eles tem sido imensamente estimulante partilhar alegrias e preocupações, descobertas ou receios. Afinal, somos irmãos, filhos desta mãe, que, com decoro, firmeza e vontade, será melhor do que qualquer Pasárgada inventada.

André Petry


Você entregaria
seu filho?

"Você, leitor, entregaria seu filho,
que cometeu uma violência covarde,
para coisificar-se na barbárie das
prisões brasileiras?"

"Tchau, filho." Foi assim que Ludovico Bruno se despediu do filho Rubens, de 19 anos, que ajudou a espancar a doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, no Rio de Janeiro. Com o filho partindo a bordo de um carro de polícia, Ludovico, o pai, chorou, passou a mão na cabeça, zanzou desorientado e acabou dando uma declaração que provocou espanto mais ou menos generalizado. Em defesa do filho, disse:

– Eles cometeram erro? Cometeram. Mas não vai ser justo manter presas crianças que estão na faculdade, estudando, trabalhando.

Ludovico Bruno está errado? Ludovico Bruno está moralmente obrigado a defender a prisão do filho? Ludovico Bruno deve colocar a exigência de justiça acima do sentimento paterno? A resposta: Ludovico Bruno está perplexo – e que atire a primeira pedra o pai que, numa situação parecida, não caísse na perplexidade e vacilasse entre defender o filho e a justiça. Porque, no Brasil, há fortes razões para vacilar.

A primeira, a primeiríssima, é que estamos no país da mais amarga impunidade. Se – Ludovico deve se perguntar – ninguém vai preso, se o assassino confesso da jornalista Sandra Gomide está livre, se os senadores debocham do país com explicações vergonhosas sobre seus milhões aos borbotões, se as quadrilhas do mensalão, dos vampiros, dos sanguessugas estão todas livres e leves e soltas, por que o meu filho deve ser preso? Por que só o meu filho?

Eis a distorção que a impunidade causa. Claro que não há dúvida sobre a necessidade, a correção e a importância da punição a Rubens Bruno e a seus comparsas por espancarem covardemente uma mulher indefesa numa parada de ônibus. Isso não está em discussão. O que está em discussão, o que deve resultar em reflexão, é a perplexidade de um pai mediante a iminente punição de seu filho num país em que a impunidade é uma regra repulsiva. E, mesmo aceitando a punição, qual a punição adequada? Cadeia?

Eis a segunda razão para a perplexidade de Ludovico: prisão para quê? Se – Ludovico deve se perguntar – ninguém vai preso, se as prisões do país são desumanas, por que o meu filho, só o meu filho, deve ser enviado a essa sucursal do inferno? É com prisões assim, transbordando de crueldade e rebaixando homens a animais, que se quer pais entregando filhos criminosos à polícia em nome da justiça? Você, leitor, entregaria seu filho, que cometeu uma violência covarde, para coisificar-se na barbárie das prisões brasileiras?

A sociedade brasileira está se especializando em hipocrisia. O espancamento da doméstica produziu a mais recente: solidarizar-se com ela é imperioso, mas, em paralelo, xingar o pai pela defesa do filho é uma hipocrisia – em um país, repita-se, em que se combinam impunidade debochada e prisões desumanas.

Ainda que punição boa seja sempre para os outros, para o filho dos outros, é preciso reconhecer que só seremos um país capaz de se espantar com a declaração de Ludovico no dia em que criminosos, de gravata ou de chinelo, acabarem na cadeia pelos crimes que cometerem – e a cadeia for um local de punição, sim, mas não de selvageria.

Roberto Pompeu de Toledo


O Congresso Nacional
foi à falência

Para quem ainda duvida, vai aqui breve inventário
do estado de coisas entre deputados e senadores

No 185º ano da independência do Brasil, 183º da instalação da Câmara dos Deputados, 183º da instalação do Senado, 118º da República e 22º da restauração democrática, eis como, na semana passada, se apresentava o Congresso Nacional:

• o presidente do Senado desintegrava-se num redemoinho alimentado pelo sopro cruzado de lobista de empreiteira, pugnaz senhora conhecida como "gestante", papelório suspeito, bois mais inverossímeis do que o Minotauro e bilhetes lançados ao léu como mensagens de náufrago;

• a Câmara dos Deputados, depois de fazer a viagem de circunavegação em torno de alternativas para o sistema de eleição de seus membros, com escalas na lista partidária fechada e na lista partidária flexível, com o cuidado de passar ao largo, com medo dos escolhos, do voto distrital puro e do voto distrital misto, voltava ao ponto de partida, consagrando como o melhor o sistema atual, em que se vota num candidato mas elege-se outro, empenham-se amazônicos dinheiros nas campanhas, não se faz campanha na TV porque nela não cabem todos os milhares de candidatos, e ao comum dos eleitores não se oferece saída senão votar às tontas e no dia seguinte não lembrar em quem votou;

• o Conselho de Ética do Senado insistia na trama cujo desfecho ideal seria fingir que julga o presidente da Casa e logo absolvê-lo, cujo plano B é arrumar um jeito de mandar o processo para as calendas do Judiciário, cujo plano C é tanto protelar e refugar e remanchar que o assunto venha a ser esquecido, e cuja direção a evitar a todo custo é proceder a um julgamento honesto, com exame de documentos, oitiva de testemunhas e julgadores isentos;

• na Câmara, o deputado Mário de Oliveira (PSC-MG) era acusado de tentar matar o deputado Carlos Willian (PTC-MG), ambos piedosos pastores da mesma denominação evangélica;

• o senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), flagrado numa conversa telefônica em que combina com o interlocutor o melhor lugar para a entrega de 2,2 milhões de reais, explicava que pediu emprestados 300.000 reais para pagar um boi, mas – que podia ele fazer? – o amigo só tinha 2,2 milhões para emprestar.

A esses fatores conjunturais juntam-se outros, mais permanentes, como:

• desapareceram do Congresso lideranças e partidos capazes de encaminhar as discussões, construir maiorias, conferir coerência e ordem aos trabalhos. Em face do ambiente caótico e da algaravia paralisante, começa a configurar-se como tendência a opção dos congressistas por abrir mão de suas responsabilidades e empurrar as questões para os plebiscitos. Foi assim quando não se conseguiu chegar a uma conclusão sobre a proibição das armas. E era para o mesmo rumo que se encaminhava, na semana passada, depois da derrota dos projetos sobre o sistema de eleição dos deputados. (Opinião deste autor: o povo tem mais que fazer do que esquentar a cabeça com voto distrital, voto proporcional, distrital misto, lista fechada);

• o Senado apresenta-se corroído pelo caruncho do "suplente". O "suplente" é um fantasma concebido para o eleitor não se dar conta de que votou nele. Obtém o mandato não com votos, mas, freqüentemente, pelo instituto comercial da venda e compra: financia a campanha do cabeça de chapa e obtém em troca o exercício do mandato quando o titular se ausenta. Uma dúzia de suplentes encontra-se hoje no exercício do cargo no Senado. Alguns deles estão na linha de frente na laboriosa tentativa de fazer evaporar o caso Renan Calheiros;

• continua a ter trânsito franco no Congresso a figura dos malabaristas doutrinários, capazes de amanhecer num partido e anoitecer em outro. O senador escolhido na semana passada para presidir o Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), é um campeão nesse quesito. Acrobata de tirar o fôlego, iniciou carreira na Arena, o partido da ditadura militar, para a uma certa altura descobrir-se comunista e ingressar no PCdoB. Isso depois de passar pelo PDC, pelo PFL e pelo PMDB e antes de retornar ao PMDB;

• o Congresso, graças ao entendimento amplo que empresta ao instituto da imunidade parlamentar, continua o melhor homizio disponível para quem enfrenta problemas com a lei. Para citar um caso, porventura o mais eloqüente, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) não pode pisar nos Estados Unidos, onde pesa ordem de prisão contra sua pessoa. Arrisca-se, se pisar em outros países, a ser detido pela Interpol. No Brasil, graças a uma legislação complacente e a uma Justiça generosa em protelações, movimenta-se à vontade. Ainda mais que, mesmo condenado, teria a protegê-lo o muro sagrado da imunidade parlamentar.

Diante do exposto, o autor deste breve inventário, apenas uma pálida seleta dos argumentos que se poderiam invocar no mesmo sentido, cumpre o doloroso dever de informar que o Congresso Nacional faliu.

Diogo Mainardi


Eles são Oba!,
eu sou Epa!

"Os Oba! são otimistas, alegres e donos de
um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado,
são censuradores, precavidos e facilmente
escandalizáveis. Os brasileiros sempre foram
esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie
de paradigma universal do Oba!, com focos
isolados e desorganizados de Epa!"

"O mundo se divide em dois tipos de pessoas: as que gritam Oba! e as que exclamam Epa!". Quem disse isso? Demócrito? Santo Agostinho? Leibniz? Nietzsche? Nenhum deles: foi Ivan Lessa, no Pasquim. A frase resume tudo o que conseguimos aprender até hoje sobre o ser humano. De acordo com Ivan Lessa, os Oba! são otimistas, alegres, aproveitadores, oportunistas, barulhentos e donos de um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado, são censuradores, precavidos, desconfiados, facilmente escandalizáveis, dotados de um caráter rígido e de pouquíssimo senso de humor.

A popularidade de Lula já foi analisada sob diferentes prismas. Faltou um: o que aplica à realidade política a tipologia do Oba! e do Epa!. Os brasileiros sempre foram esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie de paradigma universal do Oba!, com focos isolados e desorganizados de Epa!. O grande mérito do lulismo foi separar claramente as duas categorias: uma para cá, outra para lá. Tome-se a última pesquisa CNT-Sensus, publicada alguns dias atrás. Entre os eleitores que ganham até 380 reais, 72,3% festejam Lula com um alegre e ruidoso Oba!. Entre os que ganham mais de 7 600 reais, há apenas 31,7% de Oba! e uma arrasadora maioria composta de 65,9% de censuradores e escandalizados Epa!.

É bom que os que ganham até 380 reais estejam dizendo Oba!. Podemos parar de nos preocupar com eles. Quanto menos a gente se preocupar com eles, melhor para eles e melhor para nós. Agora que o lulismo reintroduziu no Brasil uma pitada de identidade de classe, contrapondo ricos e pobres, temos de encontrar um jeito de preservá-la. Quando um jornalista do Oba! Oba! vier pedir anúncios à sua empresa, diga Epa! e mande-o procurar o governo. Quando um ator ou cantor do Oba! Oba! aparecer pleiteando patrocínio para seu espetáculo, diga Epa! e nem o receba. Quando um professor universitário tentar doutrinar seu filho com o Oba! Oba! de Mészáros, Guattari ou Sachs, diga Epa!, tire seu filho da universidade e arrume-lhe um emprego. Quando um diretor de TV propuser uma minissérie esteticamente arrojada a partir da obra do Oba! Oba! Ariano Suassuna, diga Epa!, mude de canal e veja um enlatado americano.

É assim que eu protesto contra a turma do Oba!: todos os dias, às 4 da tarde, interrompo minhas atividades para ver a reprise de um episódio de The Office, a prova mais evidente da superioridade moral e intelectual da turma do Epa!. De tanto assistir a The Office, é capaz que um dia eu ainda consiga derrubar Lula. Reinaldo Azevedo, em seu blog, comparou os antilulistas àqueles cavaleiros medievais do Monty Python que acreditam poder derrotar seus inimigos berrando um estridente Ni!. É verdade. Se 100.000 pessoas se reunissem na Candelária e berrassem juntas Ni! ou Epa!, o governo cairia na hora. O problema é que a turma do Epa! jamais conseguiria se organizar para reunir 100.000 pessoas num mesmo lugar. É bem melhor ficar em casa vendo TV e zombando da turma do Oba!.


Simon, Jarbas, Peres, Gabeira e Torres: luta pela ética

Os mosqueteiros da ética

Eles são poucos. Mas é quase tudo com que os brasileiros podem contar no Congresso para que os interesses particulares não dominem totalmente a política


Otávio Cabral e Alexandre Oltramari

Montagem sobre fotos divulgação/Oscar Cabral/Roberto Barroso/Edvaldo Rodrigues/Jose Cruz-ABR e Ed Ferreira-AE
Da esquerda para a direita: Gabeira, Simon, Jarbas, Demostenes e Jefferson Peres

O caso Renangate só não é um desalento completo porque existem alguns poucos batalhadores da ética no Congresso Nacional. Na Câmara, a figura que sobressai sempre que aparece um escândalo é a do deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro. No caso que envolve o senador Renan Calheiros, acusado de ter suas despesas pagas por um lobista de empreiteira, Gabeira cruzou os corredores do Congresso para dizer a Renan Calheiros que ele não tem mais condições de presidir a Casa. Renan, claro, não lhe deu ouvidos. No Senado, Pedro Simon, do PMDB gaúcho, e Jefferson Peres, do PDT do Amazonas, são referências constantes de um comportamento correto e íntegro, chama que se reacendeu na atual provação à qual o senador Calheiros submete seus pares e a instituição.

Outros dois senadores têm aparecido como sentinelas avançadas da sociedade brasileira no caso Renangate. Um deles é Jarbas Vasconcelos, do PMDB de Pernambuco, que na semana passada pediu a palavra durante sessão presidida pelo próprio Renan Calheiros, denunciou o clima de desconforto que tomava conta do plenário e explicou por que pediu o afastamento de Renan numa entrevista: "Para não nos causar o constrangimento que causa hoje presidindo a sessão". E completou: "O que não pode é o Senado ficar sangrando e, mais do que isso, fedendo". O outro é o incansável senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás. No Conselho de, digamos assim, Ética do Senado, ele é uma das únicas vozes a exigir investigações sérias e denunciar as manobras para absolver sem apurar. Demostenes Torres entende o que muitos senadores fazem questão de não ver: o Senado está se desmoralizando numa velocidade avassaladora. A esperança que resta é que esse pequeno conselho de mosqueteiros da ética consiga derrotar as malandragens do grande Conselho de, digamos assim, Ética do Senado.

Na primeira reação à denúncia de que um lobista bancava suas despesas, Renan tentou jogar o assunto para o terreno pessoal, apresentando-se como vítima de invasão de privacidade. Diante da evidência de que suas relações com o lobista não eram assunto particular, a abordagem deu errado. Na estratégia seguinte, ele pressionou seus colegas com baixarias diversas e ameaças de dossiês. Do seu círculo mais próximo partiram boatos sobre a vida íntima e a honestidade pessoal de alguns senadores. Como ninguém se intimidou, a estratégia também não deu certo. Na semana passada, Renan encontrou mais uma alternativa – a chantagem política sobre o Palácio do Planalto. Até a sexta-feira passada, a nova estratégia vinha apresentando bons resultados. Depois de falar por quarenta minutos com Lula, Renan virou o jogo. Ganhou apoio explícito do presidente, reaglutinou os governistas pela sua absolvição e recuperou o controle sobre o Conselho de, tá bem, vá lá, Ética do Senado.

Ailton De Freitas/Ag. Globo
Quintanilha, presidente do Conselho de Ética: indiciado pela PF

A chantagem sobre o governo começou na terça-feira, quando a cúpula do DEM, o ex-PFL, tomou a posição mais lúcida entre todas as legendas do Senado: em nota, pediu que Renan deixasse o comando da Casa. O senador aproveitou o conteúdo da nota para dizer que o caso era uma disputa entre governo e oposição. Para a senadora Ideli Salvatti, líder do PT, Renan reclamou que Lula não o atendia havia cinco dias e exigiu que Sibá Machado, petista do Acre, fosse destituído da presidência do Conselho de, digamos assim, Ética. Em seguida, Renan brindou o Planalto com uma demonstração de seu poder: parou os trabalhos do Senado e não votou uma única matéria de interesse do governo. Alarmada, Ideli, obedecendo a ordens do Planalto, passou a forçar a renúncia de Sibá Machado. À noite, Lula encerrou seus cinco dias de silêncio e convidou Renan para uma conversa no dia seguinte. Ao presidente, Renan fez a catilinária de praxe. Disse que haveria a ameaça de crise de governabilidade e tudo não passaria de disputa antecipada sobre a sucessão de 2010. Parece que Lula acreditou na patacoada, ou tem outros temores sobre os saberes de Renan, pois orientou seus líderes a trabalhar pelo senador – e, com isso, tudo mudou.

Com a tropa petista ao seu lado, Renan colocou o Senado para funcionar, aprovando oito projetos num único dia, inclusive alguns de interesse vital do governo. Também voltou a ter controle sobre o Conselho de, digamos assim, Ética. Conseguiu afastar Sibá Machado da presidência. Convenceu o vice-presidente, senador Adelmir Santana (DEM-DF), a desobedecer a ordens de seu partido e protelar os trabalhos. Barrou a indicação do senador Renato Casagrande (PSB-ES) para relator do seu caso. Casagrande foi convidado para a relatoria, aceitou o convite e acabou desconvidado por pressão de Renan. Num telefonema do senador Romero Jucá, líder do governo e membro graduado da confraria de Renan, Casagrande ouviu que era preciso "sanear o processo" que tramita no conselho. O que significa "sanear o processo"? Qualquer medida que possa salvar o pescoço de Renan, missão que Casagrande não parece disposto a cumprir. Há duas medidas em gestação. A primeira é alegar que o conselho não tem competência para investigar senadores e enviar o caso ao Supremo Tribunal Federal, corte famosa por sua morosidade e célebre por jamais ter punido um único parlamentar. A outra é indicar o senador Inácio Arruda, do PCdoB do Ceará, para relator do caso. Arruda, esse comunista cujo coração pulsa impregnado da ambição de defender o proletariado, esse militante indignado com a dominação das elites espoliadoras sobre o operariado explorado, esse homem que só tem olhos para o triunfo da Justiça no mundo, já prometeu inocentar Renan.

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O presidente Lula e Renan Calheiros, em solenidade no Palácio na semana passada: com a tropa petista, o senador virou o jogo

A vitória final do senador veio com a eleição de um apaniguado para a presidência do Conselho de, digamos assim, Ética. O novo presidente é Leomar Quintanilha (PMDB-TO). Sua mera presença no órgão é um escárnio. Indiciado pela Polícia Federal, Quintanilha é investigado pelo Supremo Tribunal Federal sob a acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Desde 2002, ele é suspeito de ter recebido, por meio de dois prepostos, 283.000 reais de propina de um consórcio de empreiteiras liderado pela Mendes & Facchini. A polícia suspeita que o esquema funcionava assim: Quintanilha fazia emendas ao Orçamento destinando dinheiro às obras do consórcio da Mendes & Facchini e, em troca, embolsava as propinas. As obras eram superfaturadas, algumas vezes nem saíam do papel e quase sempre eram resultado de licitações fraudadas. Perguntado se sentia algum constrangimento em presidir um Conselho de Ética estando indiciado pela polícia e sob investigação judicial, Quintanilha foi claro: "Não devo nada. Por isso, não tenho nenhum constrangimento". Outros cinco membros do conselho respondem a processos no Supremo Tribunal Federal. Quatro estão na tropa de choque de Renan. Só um peemedebista do órgão não tem processo no STF. É Gilvam Borges, do Amapá. Mas, numa única frase, já apresentou seu pedigree: "Se for investigar todos os senadores a fundo e levá-los ao Conselho de Ética, não sobra um. Tem de fechar o Congresso por dois anos". Diante disso, conclui-se que o senador acha melhor não investigar ninguém para não superlotar o presídio.

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O senador Casagrande: convite e desconvite


No escândalo que vem esboroando o que ainda resta de credibilidade ao Senado, Renan tem tido uma atuação esquizofrênica. Nos bastidores, age com tenacidade febril para escapar da cassação, escolhendo seus julgadores, aprovando e vetando nomes, traçando estratégias e mandando bilhetes manuscritos aos senadores com apelos de ajuda. Em público, exibe-se com um ar de magistrado. Dá entrevistas em que insiste que tem paciência, faz questão de que o processo corra normalmente e só quer o triunfo da verdade. "Já apresentei as provas de minha inocência ao Conselho", disse na segunda-feira. "O que importa é que eu não me intimidarei", disse na terça-feira. "O relevante é que a verdade apareça", disse na quarta-feira. A ironia da semana aconteceu quando Renan, pela primeira vez, levantou a voz contra o desempenho do Conselho de, digamos assim, Ética. Acusou o órgão de "fingir que está cumprindo seu papel". O conselho, todos sabem, não cumpre seu papel precisamente porque, nos bastidores, Renan faz tudo o que está ao seu alcance para que isso não aconteça. Haja esquizofrenia.

QUANDO O SUPLENTE É CONVENIENTE

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Sibá Machado, que renunciou ao cargo: ex-coveiro


O circo montado no Conselho de Ética para absolver Renan Calheiros colocou em evidência uma categoria de parlamentares que costuma passar despercebida em Brasília: os suplentes de senador. Com pouca ou nenhuma atividade política, os suplentes estão vivendo seus quinze minutos de fama porque aceitaram bovinamente a missão de arquivar o processo contra o presidente do Senado. Não foram escolhidos por acaso. Os suplentes, ao contrário dos senadores titulares, assumiram seu mandato sem receber um único voto e, portanto, não têm contas a prestar à opinião pública nem temem a ira do eleitorado. Não foi propriamente difícil encontrar suplentes dispostos a encenar o papelão. Dos 81 senadores, onze são suplentes, o equivalente a 13% da atual legislatura. Quatro deles já subiram ao picadeiro do Conselho de Ética. O mais conhecido é Sibá Machado, do PT do Acre, que assumiu a cadeira da atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ele renunciou à presidência do Conselho de Ética diante de pressões do PT e do PMDB para que enterrasse logo o processo contra o presidente do Senado. Mesmo Sibá, um ex-coveiro que até então tinha uma postura simpática a Renan, percebeu a palhaçada e tentou adotar uma postura mais independente. Foi posto para fora.

Na semana passada, enquanto o Conselho de Ética não achava um substituto para Sibá, quem assumiu sua cadeira foi o também suplente Adelmir Santana, do ex-PFL. Ele virou senador depois que o titular da vaga, Paulo Octávio, também do ex-PFL, renunciou ao cargo para se candidatar a vice-governador do Distrito Federal, no ano passado. Santana passou 24 horas na presidência do Conselho de Ética e cumpriu seu papel: não deu um único despacho. Sibá e Santana são exceções. Como regra, os suplentes são financiadores da campanha do titular ou parentes. Os suplentes preferidos, no entanto, são os parentes. Na atual legislatura, há pelo menos sete deles. Um é Antonio Carlos Júnior, filho do senador Antonio Carlos Magalhães, que já exerceu parte do mandato de senador quando o pai renunciou, em 2001. Outro suplente-parente é Adalgilsa Carvalho, que, além de eventual substituta do senador Mão Santa, do PMDB do Piauí, também é sua esposa. Entre os suplentes-financiadores, figura ainda Wellington Salgado, do PMDB de Minas Gerais, que ocupa a cadeira do ministro das Comunicações, Hélio Costa. Ele doou 686 000 reais à campanha de Costa ao Senado.

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Adelmir Santana, suplente do suplente: nenhum despacho


De acordo com a legislação eleitoral, cada candidato ao Senado escolhe livremente seus dois suplentes. Caso o parlamentar eleito decida se licenciar, renuncie ao mandato ou seja cassado por seus pares, quem assume suas funções é o seu primeiro suplente. Não importa que o suplente não tenha recebido um único voto, nem que o eleitor não faça a menor idéia de quem se trata. A suplência serve apenas para preservar o interesse do titular, e não do eleitor. Um sistema que poderia servir de inspiração para corrigir essa distorção é o adotado nos Estados Unidos. Lá, cada estado tem dois senadores. Se um deles deixar o cargo temporariamente – para assumir um posto no governo, por exemplo –, o estado fica com um representante a menos, e o senador que arque com o ônus de explicar a presepada aos seus eleitores. Em caso de renúncia ou morte do titular, uma nova eleição é convocada em noventa dias. No Brasil, diante da conveniência de entronizar um aliado, parente ou financiador de campanha, ninguém parece preocupado com o assunto. Existem dois projetos de lei no Congresso que prevêem o fim da farra dos suplentes, mas ambos estão engavetados faz sete anos. Na reforma política em debate no Congresso, não há uma vírgula para acabar com a atual norma de suplência.

Otávio Cabral