Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 05, 2005

Governo Lula concentra gasto publicitário

 FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE S PAULO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A chegada do PT ao Palácio do Planalto representou uma nova tendência para a distribuição de verbas publicitárias estatais entre os diversos órgãos da administração federal. Sob Luiz Inácio Lula da Silva, 86,3% de tudo o que o governo gasta com propaganda ficou concentrado em apenas seis anunciantes estatais, segundo revelam dados inéditos dos últimos quatro anos obtidos pela Folha.
Nos últimos dois anos de Fernando Henrique Cardoso, em 2001 e 2002, eram necessários de 19 a 20 órgãos federais para consumir mais de 86% das verbas publicitárias estatais.
Trata-se de uma mudança relevante. Demonstra a maneira concentrada de governar do PT. Com Lula no Planalto e seu amigo Luiz Gushiken comandando a propaganda federal, poucos dirigentes estatais passaram a ter um imenso poder no mercado publicitário.
Algumas agências de publicidade e marqueteiros são protagonistas da atual crise política. As empresas SMPB e DNA (que detinham as contas dos Correios e do Banco do Brasil) são acusadas de participação em caixa dois eleitoral. O publicitário Duda Mendonça revelou ao Congresso ter recebido cerca de R$ 10 milhões no exterior por serviços prestados ao PT -ele detinha até há poucas semanas a conta de publicidade institucional da Presidência.
Os números da publicidade estatal federal nos últimos quatro anos mostram que disparou, no governo Lula, o valor investido pelas duas principais empresas públicas do país, o Banco do Brasil e a Petrobras. Em 2002, último ano de FHC, o BB e a Petrobras gastaram R$ 246,3 milhões em propaganda. Em 2004, o valor saltou para R$ 401,7 milhões -um aumento de 63,1%.
Todos os dados são oficiais, embora a sua divulgação não tenha sido autorizada pelo governo (leia texto nesta página). Até hoje, só se conhecia o valor do gasto total do governo com propaganda.
Quando se observa a tabela com os maiores anunciantes estatais federais, nota-se que o Banco do Brasil respondeu, sozinho, por 25,6% de tudo o que o governo federal gastou com publicidade em 2004. É seguido pela Petrobras, com 20,5%.
No último ano do governo FHC, o BB representava 21,9% de tudo o que era consumido em propaganda. A Petrobras, 13,1%.
A concentração no governo Lula também se deu em razão da criação da conta publicitária da Subscretaria de Comunicação Institucional, ainda hoje conhecida como Secom, sigla de sua antiga designação (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, que Gushiken deixou devido ao desgaste decorrente da crise, em julho passado).

Quebra-galho
Nos governos FHC (1995-2002), quando a Presidência desejava fazer alguma comunicação institucional, tinha de recorrer a um quebra-galho. Campanhas sobre o Plano Real, por exemplo, eram pagas por empresas estatais.
Ainda em 2002, na transição para o governo Lula, os tucanos recomendaram aos petistas que mantivessem a idéia de criar uma rubrica no Orçamento especificamente para cuidar da imagem institucional da Presidência. Assim foi feito, ao custo estimado de R$ 150 milhões por ano.
Em 2003, primeiro ano da gestão Lula, o valor gasto pela Secom com veiculação de publicidade foi de R$ 32,1 milhões. A licitação só terminou e efetivou-se no segundo semestre daquele ano. Em 2004, a cifra pulou para expressivos R$ 97,7 milhões. Registre-se que aí não estão incluídos custos com a produção dos comerciais.
Esse dinheiro usado pela Secom serve para campanhas como a "Muda Mais Brasil", de abril passado, cujo objetivo é "informar a sociedade brasileira sobre importantes resultados econômicos e sensibilizá-la sobre o crescimento da economia do Brasil".
Sigilosos, dados foram obtidos na antiga Secom

Os números usados nas tabelas desta reportagem são oficiais. Foram atualizados em 27 de julho. Saíram dos arquivos da Subscretaria de Comunicação Institucional, ainda conhecida como Secom, sigla de sua antiga designação (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República).
As informações são consideradas sigilosas pelo governo. A Folha as obteve de maneira informal e na condição de não revelar os nomes das pessoas que ajudaram o jornal a obter os dados.
Desde a administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a Folha vem requerendo essas informações. Tanto no governo tucano quanto no de Lula a Secom negou o acesso.
A compilação dessas informações de maneira centralizada na Secom existe desde 1998. Depois que a Secom deixou de ter status de ministério, com a saída de Luiz Gushiken, em julho, a Folha conseguiu acesso informal aos dados.
Há dois motivos apresentados como argumentos para manter em sigilo esses valores. O primeiro é que a Secom negocia com cada veículo os preços pagos pela publicidade. A revelação das cifras diminuiria o poder de fogo do governo. Além disso, alguns órgãos do governo competem no mercado (Petrobras e Banco do Brasil, por exemplo). Ao tornarem conhecidos seus gastos com propaganda, ficariam vulneráveis aos concorrentes.
A Folha argumentou que há dinheiro público envolvido. O grau de sigilo sobre informações comerciais não deve ser o mesmo da iniciativa privada. A Secom nunca aceitou essa avaliação.
Os valores apurados vêem de autorizações que agências de publicidade enviam aos veículos para publicação. Apesar de reveladores sobre os gastos federais com propaganda, os números divulgados hoje ainda não são definitivos porque não há uma planilha consolidada com as as despesas de publicidade legal, patrocínios e produção de comerciais. (FR)
Governos gastam R$ 3 bilhões por ano com propaganda no Brasil

É quase impossível saber o valor exato que os governos gastam no Brasil com publicidade. Os valores disponíveis e as estimativas do mercado indicam, entretanto, que a cifra chega a R$ 3 bilhões por ano quando se contabiliza as administrações federal, estaduais, distrital e municipais.
No caso do governo federal, o único valor conhecido é o total gasto em veiculação dos comerciais. Essa cifra se refere ao dinheiro pago às emissoras de TV, rádio, jornais, revistas, internet e outros meios pela divulgação da propaganda. Em 2004, atingiu R$ 871,8 milhões -valor semelhante ao recorde da gestão anterior, em 2001, com R$ 881,4 milhões.
A título de comparação, em 2004 o governo federal gastou R$ 9,2 bilhões com investimentos, destinados a ampliar a capacidade produtiva do país (obras de infra-estrutura, por exemplo). Os R$ 871,8 milhões consumidos pela veiculação de propaganda no mesmo período equivalem a 9,5% desses investimentos.
O custo de produção dos comerciais não é divulgado pelo Planalto. Estima-se no mercado e dentro da administração federal que o valor seja equivalente a 30% do que é gasto. Estaria, portanto, na faixa dos R$ 370 milhões.
Há também a publicidade legal -balanços e editais-, cujo controle fica com a Radiobrás, a estatal federal de comunicação. É essa empresa que distribui e controla a veiculação desse tipo de propaganda. Em 2004, o valor global ficou em torno de R$ 65 milhões.
Finalmente, há um outro tipo de publicidade sem qualquer controle centralizado no que diz respeito à contabilização de valores: os patrocínios. As empresas estatais ajudam a fazer filmes, patrocinam shows, equipes esportivas, bandas do interior. Dentro do governo, a estimativa é que não se gaste menos de R$ 200 milhões por ano com isso.
Tudo somado, o gasto total com patrocínio e propaganda estatal federal bate na casa de R$ 1,5 bilhão por ano. Estados, Distrito Federal e grandes cidades consomem juntos o mesmo valor. Em resumo, no Brasil os governos em todos os seus níveis investem por volta de R$ 3 bilhões no mercado publicitário anualmente.
Tome-se como exemplo o governo do Distrito Federal. Em 2004, a administração do governador Joaquim Roriz (PMDB) gastou R$ 82,6 milhões em publicidade. Uma das agências licitadas foi a SMPB, citada no atual escândalo do "mensalão".
Gastos como esse, somados aos de outros Estados, municípios e do governo federal é que resultam em cerca de R$ 3 bilhões anuais investidos em propaganda estatal no país. Essa cifra dá ao setor governamental o título de maior anunciante do Brasil.
Segundo o Mídia Dados 2005, publicação do setor publicitário, o maior anunciante privado em 2004 foi a rede de varejo Casas Bahia, com um investimento de R$ 1,6 bilhão. O valor deve ser analisado com reservas: considera apenas o espaço ocupado por anúncios multiplicado pelo valor da tabela usado pelos veículos de comunicação. Não são contabilizados os descontos, uma praxe nessa área. É possível que as Casas Bahia tenham investido bem menos do que R$ 1,6 bilhão.
Já no caso do governo federal, os números que a Folha divulga hoje são reais. (FR)
Com PT, Globo aumenta sua fatia no bolo

Os veículos de comunicação das Organizações Globo tiveram um aumento na participação do bolo publicitário estatal federal no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As empresas desse grupo, o maior do país nessa área, estão em primeiro lugar em três categorias (TV, rádio e jornal) como as que recebem mais verbas de propaganda sob comando do Planalto.
Em 2002, último ano da administração de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os jornais, rádios, revistas e TVs da Globo faturaram R$ 260,4 milhões em verbas publicitárias estatais federais. No ano seguinte, com o PT no Palácio do Planalto, o valor ficou quase estável: 262,4 milhões. O salto veio em 2004, com o montante pulando para R$ 335,1 milhões -alta de 27,7%.
A maneira mais correta de aferir o aumento, entretanto, não é com os números absolutos. É mais fácil perceber a proeminência das Organizações Globo medindo o quanto representam percentualmente no total de verbas publicitárias gastas pelo governo federal.
Nos dois últimos anos de FHC, o valor recebido pelas Globos por veiculação de publicidade estatal federal representou 34,8% (2001) e 37% (2002) do total gasto pela administração pública. Esses percentuais pularam para 42,5% em 2003 e 38,4% em 2004.
Os 42,5% recebidos pelas Globos em 2003 são uma demonstração de que pode ter ocorrido uma preocupação no primeiro ano do governo Lula para não reduzir a receita publicitária dos veículos desse grupo empresarial.
Com a chegada do PT ao poder, muitos contratos de propaganda estavam vencendo. Outros eram suspensos. Por conseqüência, minguaram as verbas publicitárias federais de maneira generalizada. A queda foi de 12,2% -dos R$ 703,6 milhões em 2002 para R$ 617,7 milhões em 2003.
Não se tratava de uma política deliberada de redução de despesas. A queda foi apenas resultado da troca de comando no Planalto.
Mesmo com a maioria dos veículos de comunicação do país experimentando algum tipo de redução nas verbas estatais em 2003, o baque não foi sentido pelas Globos, que registraram até um leve acréscimo.
Como o valor total despendido em publicidade pela administração pública caiu, o percentual abocanhado pelas Organizações Globo teve expressivo avanço. Saiu dos 37% do total de investimento publicitário estatal federal em 2002 para 42,5%, em 2003.
No ano seguinte, em 2004, o percentual caiu. Mas, desta vez, o valor absoluto é que subiu.
É importante registrar que os veículos das Organizações Globo estão entre os que atraem mais audiência (TVs e rádios) e leitores (jornais e revistas).
O caso mais evidente é o da TV Globo. De acordo com números do Ibope, a audiência média nacional dessa emissora, medida das 6h às 24h é de 9,83% (para 2004). Ou seja, de todos os televisores ligados nesse período, 9,83% sintonizam a Globo.
O SBT fica em segundo lugar, com 3,4%. A TV Globo tem, portanto, quase o triplo de audiência média na comparação com seu principal concorrente no setor.
Essa audiência média é aferida por meio de aparelhos instalados pelo Ibope em 3.500 domicílios do país inteiro. O percentual de audiência é calculado sobre o total de casas com TV que são atingidas pela amostra do instituto.
Ao se observar o que a TV Globo recebeu de verba estatal federal em 2004 (R$ 285,7 milhões), verifica-se que o valor equivale a 3,9 vezes do que foi direcionado ao SBT (R$ 73,5 milhões). É possível argumentar que a audiência média da Globo é apenas 2,9 vezes a do SBT. Haveria, por essa lógica, uma desproporção entre audiência e verbas recebidas.
Essa conta não é totalmente correta, pois não se sabe em quais horários foram veiculados os anúncios estatais na Globo e no SBT. É sabido que no chamado horário nobre -final da tarde e início da noite- a audiência da Globo fica na faixa dos 40 ou 50 pontos, muito à frente do segundo colocado.

Outras Globos
Em outros meios, as empresas de comunicação da Globo também se destacam.
As duas emissoras de rádio que mais receberam verbas estatais em 2004 foram a Globo e a CBN, ambas pertencentes às Organizações Globo. Juntas, tiveram R$ 12 milhões -ou 13,6% de tudo o que a administração Lula investiu nesse meio de comunicação.
Não há aferição de audiência média nacional para as redes de rádio. O Ibope calcula apenas as audiências locais. Por essa razão, não é possível fazer uma relação precisa entre os valores recebidos por veiculação de propaganda estatal e a penetração no mercado.
Quando se analisa jornais diários, "O Globo" é o primeiro colocado. Com circulação média de 257,5 mil exemplares, recebeu R$ 10,6 milhões pela veiculação de publicidade estatal federal em 2004. Logo atrás está a Folha, com R$ 10,2 milhões recebidos e uma circulação média de 307,7 mil exemplares -ou 19,5% a mais que o diário concorrente do Rio.
Para Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, é correto o investimento que o governo faz veiculando publicidade nas empresas do grupo. "Como recomenda o bom senso, os investimentos em publicidade seguem uma distribuição técnica", disse o executivo, por meio da assessoria da empresa.
"Por ter a maior audiência em todos os segmentos, é natural que a TV Globo tenha a maior verba, tanto da iniciativa privada quanto das contas do governo", declarou Erlanger.
Ele afirmou que "as verbas da administração direta do governo sempre representaram, historicamente, de 1,5% a 2,5% do faturamento da TV Globo". Concluiu sua declaração afirmando que "a participação nos investimentos publicitários do setor privado é superior à participação nas verbas do governo" na emissora.
A assessoria de imprensa das Organizações Globo também enviou uma declaração para ser interpretada como a posição geral para todos os veículos do grupo: "O governo se comporta como qualquer empresa que queira se comunicar de forma eficiente com a coletividade brasileira".
Na Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República (ex-Secom, Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), a Folha ouviu um comentário semelhante ao das Organizações Globo.
Para Caio Barsotti, subsecretário de publicidade, o governo faz "mídia técnica", levando em conta o público a ser atingido.
Sobre haver uma concentração dos gastos de publicidade estatal em poucos anunciantes federais, Barsotti declarou: "Trata-se de uma visão de Estado que entende que o fortalecimento das empresas estatais depende das suas ações de marketing". (FR)





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